segunda-feira, 26 de julho de 2010

Philip

Você me diz que falo demais e que não sei ouvir.
Que minha conversa é fiada e está pendurada no bar com algumas cervejas.
Na verdade faço um solilóquio público.
Sou tudo isso que falo, penso enquanto falo, sou eu nas origens, pedra bruta.
Por isso, querido, nem seja vaidoso de achar que só você me escuta.
São incontavéis as criaturas que passam aqui pela sala, sentam para tomar um café e conversar.
Só uma delas me assusta um pouco, porque aparece quando você está, sem a menor cerimônia. Atravessa o espelho do corredor e quando sinto a presença, quando vejo sua sombra, ela já saiu de cena.
Como não se aproxima, acredito que seja surda e um pouco tímida.
Sinto uma vontade estranha e intensa de aprender LIBRAS.
Ontem ela passou tarde da noite e seguiu em direção ao quarto...
As estantes com livros! Com certeza é para lá que ela vai e entra em um dos volumes. Ali estão os seus e os meus livros preferidos, aqueles que a gente quer ter por perto porque seus fragmentos surgem  no meio da nossa prosa.
Se eu for até lá e folhear os livros talvez a encontre presa a uma frase mais complexa. Mas que livros ela prefere? Os seus? Os meus? Aqueles anacrônicos  resgatados pela lembrança ?
Tomara que ela não venha conversar comigo sobre os vulcões. Entendo sua paixão por eles mas são tão violentos... Olho para aquele volume enorme, pesado, aquela capa laranja vulcânica e suspiro, já cansada. Espero francamente que ela esteja lendo Philip Roth. Apesar de ele estar a cada livro mais  depressivo, falar sobre a limitação do corpo, sobre a maturidade e sobre envelhecer tem tudo a ver comigo.


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