terça-feira, 25 de setembro de 2012

Insônia


Dona Insônia bateu a minha porta na noite passada, quando ia me deitar. 
Vim atendê-la com reserva e respeito, nos conhecemos faz muito tempo.
Ela entrou na sala como se a casa fosse dela, conferiu meus objetos com um ar de mofa, depois se sentou no sofá sem ser convidada. Sentei-me também e aguardei. Ela acendeu um cigarro e pediu um cinzeiro. Saí à procura de um pires para ela depositar suas cinzas. Inspirei fundo o aroma do vício, antevia o sabor.
Perguntei se desejava beber alguma coisa e ela deu de ombros. 
- Cerveja?
- Uma taça de vinho?
Trouxe-lhe umas trufas deliciosas e um copo de Coca-Cola. Nem tocou.
Pensei em um chá de frutas, ela agradeceu e acendeu mais um cigarro.
Para que ela finalmente fosse embora, engoli um sonífero com o vinho que ela rejeitara.
Eram mais de três horas da manhã. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Caninos Brancos

Aos doze anos,  fiquei  doente e precisei passar uns quarenta dias em repouso "absoluto". Depois de decorar as rachaduras do teto, tratei de procurar alguma coisa melhor para fazer e descobri  uma estante cheia de livros no corredor da casa de meus pais.
Li José de Alencar e Machado de Assis  de cabo a rabo. Li as Mil e Uma Noites... Devorei tudo que havia para ser lido na pequena biblioteca.
Mas os clássicos estrangeiros, não havia ali.
Bem, semana passada decidi  ler Caninos Brancos, por indicação de minha irmã Berenice.
No primeiro capítulo, dois aventureiros transportam um caixão, em um ambiente hostil - neve e escuridão. Em torno deles uma alcateia faminta.
A matilha de cães que transporta a carga, peleja.
Um a um são devorados pelos lobos...
Que tristeza...
Hoje, quando voltava para casa, mais uma vez acompanhei o trajeto de uma tríade peculiar e familiar. No calor de 35 graus, um homem transporta  uma carroça cheia de papelões e jornais. Este é seu ofício. Juntar papelão. Ele empurra sua carga.
De cada lado da carroça está um cão vira-lata. Eles caminham conforme seu dono e estão felizes, em uma temperatura devastadora.
Melhor para eles, que para os cães do gelo.
Não são responsáveis pela carga, não tem predadores a sua volta, e com certeza seu dono os alimenta e lhes dá água.
Cães vira-latas podem ser muito felizes. Independente de terem raça, o que faz a diferença é o dono, o provedor.
Minha irmã Fernanda que o diga!

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Tempestade!


Se houver uma tempestade, acreditem: - Nada tenho a ver com isso!
Quando rezei, pedi uma chuva branda, para lavar as almas todas e limpar o ar.
Ao que tudo indica todos nós rezamos, portanto houve uma pletora de pedidos!
Bem, se tiver que ser, será!
Conformem-se!
Está armando o maior toró!
E que Deus salve a rainha!
E que Jesuzinho salve a todos nós, que habitamos e tememos!
Amém!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Subir!


Acordei com vontade de carregar nas tintas e me lambuzar na fuzarca das cores. Lembrei-me das abelhinhas que eram atraídas pelo cheiro de mel da cera que utilizava para misturar com tinta óleo; e que ficavam a minha volta, admiradoras por tabela do meu trabalho. 
Tenho uma panela muito velha, que usava  para derreter a cera de abelhas e que, em seguida, colocava em uma embalagem de sorvete - sim, aquela embalagem prosaica - e ali misturava com a terebintina para produzir uma pasta espessa e homogênea. Helena se lembra da panela e dos sons que ao misturar, criava.
Schilep, schilep, schilep!
Depois era agregar os tons e viajar na criação.
Muita energia, muita energia boa. 
Também exorcizava uns demônios.
Tanto tempo depois, a lembrança é deliciosa.
Mas não adianta ir contra a maré, minhas cores agora são escritas.
Assim é viver. Existe um eixo em toda escada helicoidal.
Só nos resta subir e ocasionalmente olhar para baixo. 
Ou, como um alpinista, para cima!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Ser pássaro

Um dia ser pássaro, voar e pousar  onde houver um ninho.
Que seja aconchegante, quente, protegido.
Que tenha um provedor para dar conforto e comida.
E, sobretudo que permita crescer rápidas penas sobre o corpo.
Para um dia ser como um pássaro.
Poder voar com a coragem que eles têm, e que lhes é peculiar.
Alçar voo. Enfrentar o voo e a possibilidade da queda.
Infinito aprendizado.
Infinita sabedoria.


Hóspedes

Quem ama sabe.
É muito difícil resistir a quem invade a vida da gente, se implanta e nos comove, se infiltra, abre caminho feito uma infecção e supura.
Depois é lidar com o transtorno, de querer sarar e não ser paciente, arrancar a casca da ferida muito cedo.
A solução é ficar firme, vestir uma armadura, não cair em armadilhas.
Pode soar meio falso imaginar-se enfiado em uma roupa de metal pesada e quente.
Mesmo assim, para lutar dependemos de defesa, para não ser ferido novamente.
Sem a couraça, toda luta gera mais ferimentos e muitos deles deixam cicatrizes para sempre.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Ielou


O Ielou, daqueles cinco cães, o mais velho, tinha sido presente do compadre de seu pai - os dois eram colegas de farra no tempo da juventude. Era uma mistura de rodesiano e dogue alemão; um filhote destemido. Assim que Arnaldo, meninote, o pegou no colo, recebeu uma lambida no focinho; quero dizer – no nariz.  
Desde então o animal andava sempre do lado, acompanhava o dono até o ponto da jardineira para a escola e sabia bem a hora de voltar lá e esperar seu retorno. Para o Arnaldo, por muito tempo pareceu que o cachorro de lá não saía, mas é claro que ia se divertir e chafurdar em outras paragens, aprendendo ele também em outra escola.