terça-feira, 31 de agosto de 2010

Comparações

Já viu como são as árvores? Algumas imploram, outras desfolham e outras ainda desabam. As árvores, tão vivas, a não ser por seu carácter fixo, vivem como vivemos. Às vezes desanimadas, outras sacudidas em convulsões delirantes e outras ainda muito senhoras de si.  Eu me sinto árvore, às vezes. Quieta, muda, vencida, olho para o mundo de um pedestal ilusório e o que vejo é constrangedor. Quero crer que as árvores não pensem com frequência. Que triste seria pensar e não poder deslocar-se. As raízes pivotantes se estranhariam. Eu não estranho minhas raízes. Mas estranho poder deslocar-me.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Prazo de validade

No tempo em que todos precisavam de slides, fazê-los era uma experiência ótima. Craque no Power Point daquela época, conseguia preparar uma aula em tempo recorde - montava a apresentação, fotografava com a Palette, levava pra revelar e montava os slides em menos de 24 horas. Tá certo, era bem estressante, mas foram dias muito bons.
Todo mundo aprendeu a usar o Power Point, que se modernizou e tornou o trabalho mais fácil. Daí os slides ficaram obsoletos... O charme era usar a apresentação no próprio computador. A princípio dava muito erro, às vezes na conecção do  projetor  com o computador, ou no disquete ( lembram dele?) ou no CD. Agora todo mundo tira de letra.
E aconteceu tudo no sentido inverso. Enormes e inúmeras coleções de slides, coisas muito boas e únicas precisavam ser acessíveis no computador. E eu passei a escanear slides. Com a ajuda do fabuloso Photoshop  limpava mofo, riscos e até eliminava excessos  do original. Depois montava a apresentação no Power Point. Foi muito divertido e gratificante, vi  imagens belíssimas, ilustrações médicas e veterinárias de primeira linha.
Atualmente minha Palette e meu scanner específico para slides  estão obsoletos e aguardam alguma empresa que recolha lixo eletrônico aqui no Rio. Tenho tanta coisa ultrapassada, que as vezes quero implodir tudo, para brotar, tipo fenix!
Com meu  scanner novinho, realizo um projeto bem antigo: escanear as melhores fotos da minha história. São tantos àlbuns... Mas estou determinada. Gosto  de acabar o que começo. Sonho com um daqueles porta-retratos eletrônico. Enquanto isso estou usando um notebook, que está em seus estertores, como porta-retratos-protetor-de-tela,  única função cabível para o coitado.
Estou  preocupada.... Sinto que eu também estou um pouco, digamos, vencida.
E eu que nem sabia que as almas também tem prazo de validade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fazer de conta

Faço de conta por um dia e brinco de solidão.
Meu apreço por carinho excede qualquer palpite.
A tarde está muito agradável, um perfume de mel se espalhou e adoça os outros sentidos.
Uma espécie de abstinência... não estou concentrada. Está faltando, está faltando.
Arrumei o quarto logo, começo o dia ao fechar a cama da noite.
Preciso comprar travesseiros, toalhas e roupas de cama. Não, não preciso...
Pensei que fosse fome, sede, comi umas amêndoas, tomei chá...
Um banho e estou perfumada e quentinha. 
Que falta é essa. Quem falta vir.
Andei pela casa à procura - esqueci de pagar alguma conta.
Alguém aguarda uma confirmação, preciso telefonar.
Confiro a tranca da porta, abro as janelas para o mar.
Minuto a minuto, eu que fazia de conta, estou me sentindo só.

domingo, 22 de agosto de 2010

Viagem de prazeres

A última vez que fui a São Paulo foi proveitosa. Aprendi novas receitas (que copiei depois de prová-las), conversei muito, abracei muito, caminhei e fiz novos amigos.
De volta ao Rio, depois de passar pela tristeza de perder meu gatinho que por 15 anos, foi presença constante e querida, senti uma atração aguda pelas coisas de comer. A tristeza e a saudade, de minha mãe, dos meus irmãos, da minha Martha e da Helena me fizeram sensível aos pormenores.
Saí cedo e fui ao supermercado. Comprei farinha integral, mel, um belo filé de salmão e por último passei no açougue.
"- Voce tem cupim?"  - e o rapaz de branco, máscara cirúrgica e luvas que seguravam um facão: - "De que tamanho?"
- "Pequeno de preferência, quero três!"  (Fazia parte da receita que o Thê me ensinou, preparar logo três pequenos.)
Ele fez uma careta e perguntou - " Cubinhos de que tamanho?"
-"Nãããão, cupiiiiimmmm~"  - e mostrei as minhas costas para ele saber que eu me referia à giba do boi.
-"Ah, não. Não trabalhamos com este tipo de carne." E virou as costas lisinhas para mim.
Fui embora constrangida, eu que já estava debulhando lágrimas por qualquer caixinha de fósforos.
Passei em outro supermercado e achei o cupim maturado na prateleira de carnes, bem do jeito que eu queria.
Em casa, temperei o peixe que assaria para o jantar e caprichei nos temperos dos cupins que ficaram marinando até o dia seguinte.
O salmão estava ótimo ainda mais com as torradinhas com creme de espinafre que fiz para acompanhar, trazendo o irmão querido e a mamãe  para a mesa, nessas duas receitas de colorido tão harmônico.
No dia seguinte, quando fui para a cozinha estava disposta como o aprendiz de feiticeiro.
Coloquei os cupins para selar e depois deixar cozinhar por 50 minutos na panela de pressão.
E resolvi fazer o bolo de banana, receita com ingredientes especiais que a Beré me deu : a farinha integral, o mel e eu não resisti, coloquei por minha conta um pouquinho de açucar mascavo. As bananas estavam no ponto: " Bem maduras!" Amassei com  displicência, misturei à massa e aí...dei uma guinada. Resolvi usar as formas de cupcake, um dos presentes que ganhei da Tata; e coloquei as forminhas de papel que a Luciana comprou em Uberaba para mim. Com uma colher enchi até a metade das forminhas e coloquei no forno. Em pouco tempo o cheiro doce dos bolinhos se misturava ao perfume da carne temperada cozinhando, ah eu me sentia literalmente em casa.
O melhor de tudo foi conseguir reunir no meu pequeno fogão, detalhes inesquecíveis de uma viagem cheia de prazeres.
 






quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Low battery

Caminhei e ouvia a trilha sonora do seu cotidiano.
Estive encantada.
Foi uma viagem imaginar seu humor, seu sentimento quando gravou cada canção.
Uma música e eu voltava no tempo, outra, instigante, nem reconhecia.
E as que eu tive que cantar junto? Assim, no meio da rua, bem alto,  estalando os dedos no ritmo, feliz, sem perceber em volta, a não ser a grandeza do dia de céu esfuziante e azul.
Foram várias horas e só terminou quando fui informada: "low battery".
Valeu a pena!

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Saciedade

Gosto das pessoas que continuam.
Assim, uma frase depois da outra.
As vírgulas alinhavam, os pontos vão dando os nós.
Gosto daqueles que opinam com serenidade, apenas colocam seu ponto de vista.
Mas adoro em particular aqueles que me veem passar com pressa e acenam tranquilos e saciados de vida.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Trânsito

Um corpo descorado desponta da penumbra quando rezo.
Olhos fechados, vejo as pálpebras róseas e translúcidas e nada mais.
Vou abri-los agora e desejo com ardor que o dia seja claro e cristalino.
Porque o céu sem cantos gira a minha volta, eu perco a direção.
Num canto qualquer da vida esqueci minha identidade e tenho que procurá-la fazendo o caminho inverso.
Por onde começo?
Retroceder, refazer os passos à procura de, enquanto o tempo continua passando, é passado? 
Procurar o que deixei, onde ainda não fui, é tempo perdido?
Entretida nas teias da retórica atravesso na passarela e vejo abaixo de mim o trânsito confuso e denso desta manhã.


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Deixa estar

Algumas pessoas elegantes ignoram desaforos; eu não sou elegante.
Frustram-me quando dizem que sou folgada, que nada faço da vida.
Fico remoendo, cozinho em fogo alto, mastigo desagradável e sofro.
Quem tem a ver com isso não se importa.
Queima meu coração o desastre de ser.
Ando um pouco triste, é verdade, mas é uma lástima ver a vida passar silenciosa e calma e gente nociva procurar  conflitos.
Quero ficar em paz, pode ser?
Não diga asneiras, vá vomitar seu ódio no banheiro público, que dejetos extravagantes vão chegar ao mar da mesma forma que as flores murchas e os párias desafogados.
Não importa seu sentimento e sua revolta.
Depois de um salto e do mergulho, deixo estar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Querido


terça-feira, 10 de agosto de 2010

O último sono

-"Tita, estou com o gatinho da Helena, ele é cinzinha, tem o peito e as luvinhas brancas e olhos verdes."
Algumas horas depois a Tiaberé tocou a campainha e eu chamei a Helena para ver pela janela. "Olha, filhinha ela está com uma caixa, o que será? Vai abrir a porta pra ela."
Helena desceu as escadas levando a chave do portão que, ela já sabia, tinha um "joguinho" para abrir.
E ouvi a voz da Tice subindo as escadas com ela que dava risadinhas deliciosas.
As duas entraram com a caixa e de lá saiu um gatinho minúsculo e assustado.
Helena estava encantada, olhos brilhantes, carinha vermelha e feliz.
Uma senhora japonesa de Osasco era a dona da ninhada de  vira-latinhas. Quando entregou o Felipe disse  que queria que ele fosse muito amado e bem cuidado ou  deveríamos devolvê-lo. Nunca me esqueci disto.
Passamos por tanta coisa juntos...
- O Miguel foi comigo  ao veterinário. Pedi  que levasse o Felipe  no colo que eu iria passar de carro na esquina  e seguiríamos juntos. Ao parar o carro pude ver o Miguel desesperado com o gatinho mais desesperado ainda subindo-lhe pelo pescoço! Antes de chegar ao consultório, paramos no primeiro pet shop do caminho e compramos uma bela caixa de transporte que temos até hoje.
- A visita à Dra Márcia para as vacinas e um primeiro exame - "Olha só, ele tem o rabinho quebrado!"  Explicou-nos então que ele deveria ter ascendência de gatos siameses, raça em que é comum rabinhos partidos, ou então quebrara-se na confusão dos muitos filhotes embolados na barriga da mãe.
- A difícil decisão de castrá-lo para que não marcasse teritórrio em cada canto e eu que não sabia nada de animais fui gostando muito do assunto. Vi os efeitos da acepromazina pela primeira vez - ele olhava para mim, fixamente e o veterinário perguntou, ele já está sedado? e eu: Não, ainda está de olhos bem abertos!!!
E aprendi, fui  aprendendo com ele.
Conheci uma sala de cirurgia veterinária, observei a forma de prender o bichinho para o procedimento e assisti boquiaberta ao evento tão simples e objetivo.
Viemos para casa e rimos muito do pobre, tontinho pelo efeito da anestesia tentando andar pelo corredor e já o amávamos tanto; ele  nos tornou uma família mais feliz. 
- Helena telefonou para o Miguel: "Papai, o Felipe sumiuuuuuuu"  e toca a chorar!  Havíamos procurado por toda parte ele tinha desaparecido e procuramos de novo e de repente ouvimos um miadinho bem fraco, que vinha de onde? De onde?  Na desordem do quarto da Helena, cheio de brinquedos, roupinhas e livros havia uma gaveta de escrivaninha aberta. Ele havia se enfiado atrás da gaveta e poderia ter sido amassado se alguma alma mais organizada passasse por ali.
Foi o primeiro dos muitos resgates.
- Teve o telhado altíssimo do vizinho da frente que eu escalei sem medo até voltar a colocar os pés no chão com o gato no colo e começar a tremer;
- O telhado da área de serviço da vizinha de baixo de onde foi pescado pelo Miguel com uma rede improvisada;
- O telhado da casa da esquina onde ele sobreviveu três dias de inverno e chuvas às custas de pedaços de carne que  a boa alma que morava embaixo, já saturada de tantos miados, jogava pra ele;
- A grande aventura no Rio quando ele sumiu por quase uma semana e foi encontrado por acaso no telhado de um sobrado de pé direito bem alto, que ficava ao lado de um terreno baldio. Neste terreno estava um felino desconhecido que um caçador de gatos imaginou que pudesse ser o meu. Às três da manhã, Miguel e eu fizemos estrepolias dignas do Cirque para resgatá-lo;
- As patadas na Poli e sua liderança absoluta entre os Rottweilers da casa;
- O salto que deu sobre o dorso da Poli, feito um tigre sobre um búfalo quando ela cismou com o Fred - o outro gato - que ele nem gostava muito;
- Os inúmeros passarinhos, borboletas, morcegos e pererecas que capturou e veio nos oferecer ou comer nos  escondidinhos da casa;
- A hepatite tóxica  depois de ter comido o rabo de um calango provavelmente temperado com agrotóxicos;  - O soro de hidratação no colo da veterinária e a carinha de fastio e raiva do gato adoentado;
- A noite que passou internado quando tripudiou todos os funcionários da clínica e em meio aos rás e fus, ao ouvir minha voz, miou feito um filhotinho;
- A terrível esporotricose, que eu já tinha visto em pessoas e que começava a se tornar epidêmica entre os gatos no Rio. O tratamento demorado e zeloso - salvá-lo, acreditar nele e em mim, não desistir.
Foi a esporotricose que diagnostiquei clínica e microscopicamente que me fez pensar em cursar uma nova faculdade e abrir de vez meu coração e os livros de veterinária.
O aprendizado, as novas amizades, todos os outros bichos, várias espécies, vários tamanhos.
Helena e seu gato juntos, mais de 15 anos salvando vidas, pricipalmente a minha.
Hoje que estou velando o último sono torporoso e dispnéico do meu estimado amigo, ainda quero que ele fique mais um pouco com a gente. Nunca desisti dele. Mas hoje não posso mais.
Ele precisa partir, vai gato,  ser  anjo na vida.
Nos veremos na quarta dimensão, onde me disseram que os gatos são só o sorriso.



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

vento vultoso

vem vindo um vento vultoso chacoalha e choca-se ao chão
ao meio dia é noite um cinzento céu envolve a terra plana varrida
louca tempestade faz de conta que é tufão rodopia no telhado que cai coitado em telhas partidas
despedaçados estão também meus sentimentos  meus argumentos  meus comentários
uma cola adocicada faz as vezes de curativo; eu canto no meu canto enquanto espero clarear

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Portas

 Eu nao sei ainda mas hoje foi a última vez que vim ver a rua.
Estava no jardim e quando abriram o portão, quis ver lá-fora. Olhei para os lados e para a frente, alerta, olhos esbugalhados procurando  gatos,  cães ou qualquer outro sinal de perigo. Nada havia. Fiquei na soleira  impedindo que fechassem. Não gosto de portas fechadas. Quero  estar sempre do outro lado.
Algumas portas se fecharam para mim nas últimas semanas. Não sabia que seria desta forma, quero tanto ainda...
Estou cansado demais para reclamar, sinto uma tristeza infinita, não posso voltar a ser.
Penso que talvez volte pássaro. Qualquer ser que tenha a vida breve e fulgurante, um raio, a luz.
Agora preciso dormir, vou sonhar com você.
Deixe a porta aberta


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Bagunça

Não reparem na bagunça.
Meus cupcakes estão assando e eu tenho mãos cheias de massa.
A batedeira derriça restos de leite e de ovos; a farinha se esparramou até pelo chão.
Assim de improviso testo uma receita de cupim:  marinei em bom caldo e deixei a descansar na geladeira.
A minha coalhada não virou, apesar da boa isca. Disseram-me que é a temperatura do leite. Fria demais ou quente demais. O segredo é poder segurar a vasilha com o leite aquecido, sem queimar-se. Eu que jamais avaliei uma testa potencialmente febril por não confiar na sensibilidade térmica das minhas mãos, como poderia confiar no teste da travessa?  Será que matei os bichinhos?
Na falta de coisa melhor para fazer com aquele leite morno e insosso, vou aproveitar a quentura do forno depois de assar os bolinhos. Deixo a porta do forno aberta e tampo a entrada com um pano de prato úmido. Se a temperatura estava baixa e os bichinhos estão vivos, uma aquecidinha e lá está Dona coalhada! Foi o Edmur quem me deu essa dica, aliás aprendi muito sobre culinária e o prazer de compartilhar.
Compartilhamos: comidas e bebidinhas, muitas lembranças, cobertores e bancos da praça, divertidos labradores e a bagunça providencial e anônima das grandes famílias. 

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ser alegre

Queria ser alegre hoje, postar alguma coisa engraçada e divertida.
Mas tudo são despedidas.
Assim fica para amanhã ou depois um momento animado.
Estar sozinha e ficar comigo deixou-me hoje um pouco triste. Mas não vou desistir.
Espero com paciência que as horas passem, que a noite passe, porque o tempo passando ajuda a acalmar a tristeza.
As lembranças novas que  tenho agora vão se misturar às lembranças dos outros anos. De tal forma que em pouco tempo teremos que fazer contas para situar as vivências. Mania de classificar, porque não tem importância quando as coisas aconteceram. Mesmo porque, das coisas boas é sempre bom pensar que estão no futuro. E aí fica muito mais fácil esperar que amanheça.

domingo, 1 de agosto de 2010

Balanço

Acabaram-se as férias, as festas, os encontros.
Esvai-se lentamente, todo dia um pouco, a vida do meu último gato.
Olho para a frente, em busca do futuro que está ofuscado pela luz intensa do sol a pino.
Mas há um futuro.
Tento deixar os acontecimentos atuais em um caldo, para que se apure o gosto e eu possa aproveitar sua essência.
Amanhã é o futuro, mas e depois de amanhã? Sinto a pressa da viagem, preciso chegar.
Enquanto isso, rezo um pouco. Pelos que foram, pelos que ficaram.
Hoje, quero voce perto de mim, vamos conversar coisas de casal.
Que saudades senti.