quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Presságio

Estava lá fora quando ouvi um estrondo. Fogos de fim de ano? Não eram... Nem helicóptero e nem trovões.  Eram tiros de verdade.
Não estavam ao alcance da minha vida nem mesmo da minha vista, mas arregalei os olhos num presságio mudo. Mataram ou morreram? Quem?
Suspirei relaxada, feliz de não ser ainda, vítima de balas que se perdem.
Não devo nada a ninguém. Nem ofereço resistência se me assaltam. Somente uma bala sem destino se alojaria em meu corpo.
Se houver tiroteio arregalo os olhos e num alvoroço me escondo de mim.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

do outro lado do espelho

espelho, diga-me se reflito, ou se sou reflexo da luz de outra.
mostre-me se lastimo a prótese, ou a torno dependente minha.
do outro lado, no cinzento do espelho não há verdades, mas desculpas.
deixe-me espelho, levar para o cinzento as nuvens que me antecipam.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Brasilidade

Uma pitada de Espanha, um punhado de Escócia. São os temperos especiais da minha brasilidade.
Por um lado explosiva, por outro fleugmática, vou seguindo assim em lufadas, quando não estou dando um jeitinho brasileiro.
Minha pele branca e estrangeira, já encardida pelo sol e seus efeitos, tem manchas de todos os tons, das sardas brancas que se espalham pelas pernas até a pinta preta e redondinha no alto da coxa, que tem ares de ponto final.
Nessas idas e vindas tenho muito por fazer e pouco já realizado.
Mas espero que como o pessegueiro que ferido em suas raízes floresce e é pródigo em frutos uma vez ainda antes de morrer, eu  possa dizer para que vim e para onde vou, antes de fechar os trabalhos de viver.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ambivalência

Desde que mudamos tenho sofrido com a escuridão da minha cozinha.
Modifiquei a abertura das janelas, coloquei telhas transparentes, mas o resultado foi mínimo.
Pensei em quebrar a janela da copa e abrir uma porta enorme, mas o engenheiro desaconselhou porque a parede é estrutural.
Então tive uma ideia simples, óbvia. Mandei cortar toda a trepadeira que cobria lindamente o muro. E só de botar abaixo aquele lindeza verdinha, mesmo em um dia nublado, já amanheceu no ambiente.
Imagino quando o muro estiver pintado de branco.
Estou triste, meio de luto pela hera linda que foi toda para o chão e ali parecia a pele retirada de um grande animal selvagem. E sinto uma estranha felicidade  por saber que agora vou tomar o café da manhã com a luminosidade que necessito para o meu dia clarear.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Desafinando

Existe uma enorme diferença entre ser surdo e não ter ouvido.
Quem é surdo não desafina, cria sons.
Quem não tem ouvido desafina até na prosa.
Há aqueles que escutam muito bem e se vão cantar, sabem que estão desafinando. Sofrem muito. Conheço uma moça que adora uma roda de samba, mas na hora de cantar só faz de conta com os lábios, para não passar vergonha. E ela sabe todas as letras!
Há os felizardos que cantam alto e desafinado, olhinhos fechados tamborilando uma caixinha de fósforo, no maior prazer.
São essas diversidades que nos tornam humanos.
Uns e outros se continuam nas vozes.
E nestes momentos quando todos compartilham não há felicidade que desafine.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um telhado

Preciso trocar meu telhado... Sempre me lembro disso quando começam as chuvas de verão.
Chamei um engenheiro, que lida com um tipo de  cobertura muito especial, mas com o orçamento que ele fez poderia comprar um apartamento, que aliás nem precisa cobrir.
Hoje vem um outro aqui ver o que pode ser feito.
O pé direito da minha casa é muito alto, então as telhas precisam ser amarradas uma a uma. Ainda bem que não temos furacões  senão já  teríamos rodado, à deriva.
Vou fazer o possível para reformar em vez de trocar tudo.
Quando imagino a quantidade de entulho, de material não aproveitável que lançarei nas caçambas do mundo, fico apreensiva.
Atualmente, antes de comprar qualquer coisa, antes de qualquer reforma é preciso avaliar o lixo...
Estou aqui pensando - se humanizarmos uma casa o telhado é a cabeça.
Talvez eu precise trocar minha cabeça também...tem tanto lixo...
Bom, mas esta já é uma outra história.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Não vale a pena despertar

Onde foi parar a minha menininha, aquela garotinha brava e determinada e sensível, sempre de olhos ou bochechas vermelhos?
As cordas vocais afiadas até no choro sentido; lembro-me dela e de sua campainha que tremelicava lá no fundo vermelho da garganta como uma atriz em pleno palco!
E ela no colégio, nas filas da entrada cantando o hino, nas apresentações do coral cantando Milton, minha estrelinha da ribalta, meu coração de cristal.
Onde estará minha criança, agora que o tempo passou, e que não posso mais gerar e dependo dela para continuar?
Minha bebezinha risonha, como está séria agora!
Cresceu e transformou-se viçosa e plena.
Não me canso de falar dela.
Nem consigo estancar a saudade que jorra.
Onde está minha pequena Helena, que já não dorme mais.

50221 palavras

Estou em uma espécie de limbo.... Vazio de palavras.
Todas elas me parecem supérfluas agora. Depois de uma maratona de 50221 palavras, sinto que estão todas esgotadas, espalhadas pelos cantos. Precisam dormir e relaxar.
Meu coração hiperativo quer escrever, mas minhas ondas cerebrais são uma linha quase reta e monótona.
Não se impressionem. Já estive assim outras vezes, vou e volto em um balanço constante.
Se eu voltar aos poucos e um tanto triste pode ser culpa das músicas lindas que tenho escutado.
O CD é a Alma Lírica da Mônica Salmaso.
Bonito, muito bonito...


domingo, 20 de novembro de 2011

Estátuas vivas

Hoje vimos capivaras!
Estavam pastando e descansando nas margens do canal do Recreio.
Lindas, cinzas, soltas, nem piscavam. Aliás, o olhar das capivaras tem algo de diabólico. São fundos e sem brilho.  Apenas o contorno das pálpebras e o escuro lá dentro.
Acho que tenho medo, pensei. Quis fugir.
Que bobagem, capivaras são herbívoras. Não me fariam mal...
Passamos por elas, que continuaram plácidas e solenes sobre a grama, como se nem existíssemos.
Dentro do canal, jacarés e garças também esquentavam ao sol.
Que vida boa, meu Deus!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

As chuvas

Novembro, meados de novembro! Vamos comemorar? O Ano passou depressa para você também?
A chuva ainda é mansa, mas estamos tão próximos do verão e de todos os excessos que já se anunciam...
De volta à loucura das festas de fim de ano, reencontros, lembranças.
E continuaremos nessa euforia tensa até o carnaval.
Nesta estação alucinada, prometemos tanto, desejamos muito e depois, no remanso de abril a vida parece a mesma. A história foi anunciada e ocorria como um filme o tempo todo.
Vamos rever uns filmes. É tempos das chuvas e do choro.
Tempo de tragédias ambientais e lá dentro de nós, um tsunami também pode acontecer.
Vamos beber alguma coisa e fazer um drinque.
Para antecipar o prazer e deixar tonta a saudade.

domingo, 13 de novembro de 2011

O voo solo

Criar é para a vida.
Um grão e outro,  um pouco de carinho e mais um tanto de grão, farinha, açúcar e outro grão.
Assim é a criação.
Momentos intensos, de grande amor, alegrias, às vezes desespero ou tristeza, ou só a calma; isso é criar.
Orgulhar-se é criar.
Confiar no esboço e na estrutura e nos pontos de apoio.
Confiar é arte.
E arte é criação.
Arte é para a vida. É para voar. Para seguir seu curso natural. Para fazer um ninho e recomeçar.
Porque criar é sempre para a vida e jamais para si próprio.
Criar é libertar-se

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

É possível emagrecer

Recentemente vi a foto de um colega de faculdade que era gordo nos anos 80. Não sabia dele desde aquela época e era natural que, pela experiencia com quase todos meus amigos e conhecidos, que também envelheceram,  ele estivesse ainda mais pesado. Ao ver a foto de um Paulo sorridente e magro  comentei com ele sobre seu novo visual. Já imaginava que tivesse passado por uma cirurgia bariátrica, ou que estivesse fazendo alguma dieta maluca da vez e curtindo a parte magra do efeito sanfona . Que nada! Ele me passou o link do seu blog sobre saúde e então pude entender e mais uma vez constatar que é possível emagrecer sim e com muita saúde. Bem, é claro que há sacrifícios e restrições. Mas sem dúvida é um projeto de vida. De vida e de saúde.     Segue o link, aproveitem, ele escreve muito bem!
 http://saudeblog.wordpress.com/

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sabiá

Estarão todos surdos?
Minha querida, estarão todos ouvindo e fingem?
Lá no fundo, o melhor é cantar e contar para você e com você.
Solidão é um canto, um pouco de paz, vasculhe lá dentro e encontre uma nova música, um velho amigo, alguém para dividir um doce.
Lá dentro, bem lá no fundo, somos nossos  próprios ouvintes, ternos e fiéis.
Mesmo que esteja longe, você pode falar com a gente, deixe-se ouvir, deixe fluir.
A memória é uma companhia tão agradável, escolha uma lembrança, leve-a para passear com você pela casa, dance com a lembrança e eventualmente empurre para debaixo do tapete, a hipocrisia e a falta de amor.
Queria contar histórias engraçadas para animar seu dia, falta-me a destreza com a saudade para lembrar e dar risadas.
Um jovem sabiá ensaia, vem cantar aqui seu canto pobre, é ainda tão novo...
Mas nós podemos cantar com força, eu lembro de cantarmos afinadas e fortes, vamos transformar este sabiá curioso e jovem naquela canção tão bela que haveremos de ouvir.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Família típica

Mudou-se para a casa em frente a nossa, uma família típica. O casal e um casal de filhos na pré adolescência. Possuem uma cachorrinha, uma daschund  enfezada, que vive escapando pelo portão e corre pela rua. Outro dia na hora de jogar o lixo fora, por pouco ela não entrou aqui dentro e vocês sabem, tenho um cachorrão bravo.
Em nossa nova rotina, olhamos duas vezes para ver se ela não está solta ou se o Haus não está com a cara preta na abertura do portão.
Temo por ela...
Mas a menina é muito engraçadinha, fez amizade com a outra garota, que mudou-se recentemente para a casa ao lado e brincam de boneca nas duas árvores grandes do jardim em frente.
Elas usam um balanço improvisado, uma escadinha, um banco que serve de mesinha e muitos panos cor de rosa.
Sempre que passo em frente confiro as novidades. Novos paninhos, uma amarração diferente, um lenço...
Saudades dos tempos de boneca com a Helena.
Apesar de o mundo estar cada vez mais violento, ver essas brincadeiras de criança trazem a nostalgia, remetem ao tempo que não volta mais.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Tragédias

Quem é você?
Você que está sentado aqui ao meu lado na sala da escola, quem é? O que será?
Qual é sua história, de onde vem seus pais, que heranças trouxe dos seus antepassados?
Que dores sofreu, que traumas,  que sonhos, que infância?
Não sabemos mais quem são os outros, os amigos, os inimigos, não há certeza entre amor e ódio e descemos todos da montanha nada mágica da decadência e do horror.
Que Deus salve pelo menos a rainha, matriarca e poderosa, se não no jogo da vida pelo menos na ficção do jogo de xadrez.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ele estava lá

Hoje, quando vi o mar de manhã, sosseguei.
Lá estava ele pleno, desigual, eterno.
Continua murmurando e espuma.
As nuances de cor, também continuam.
Só eu mudei um pouco nestes tempos em que não vi o mar.
Mas ele estava lá, sempre esteve.
Eu é que não estive...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Parabéns aos motoristas!

Tornar-se adulto depende entre muitas outras coisas, de passar por um ritual.
Psicotécnico, aulas teóricas e depois práticas e depois o exame.
Ser admitido na idade adulta requer carteira de habilitação.
Para a maior parte dos adolescentes é um sonho, para outros nem tanto, mas  é preciso.
Muita gente nunca vai dirigir de fato. Tem motoristas, tem parceiros que adoram dirigir, preferem trabalhar no táxi em direção aos compromissos.
Mas a carteira de motorista, a meu ver, é um divisor de águas.
Eu fui sendo levada pela corrente e de repente alguém ligou da auto escola pra me informar que ou eu fazia a prova de direção ou teria que começar tudo de novo.
Daí marquei, fui lá e fiz e depois de passar, fiquei encabulada:
 - Mas eu não gosto de dirigir porque fui tirar carteira?
Compreendi muito depois que todo mundo precisa deste documento, atualmente é até com retrato e vale como documento legal.
É por acalentar o ego, é por saber que se pode dirigir a própria vida!
Por isso é tão importante!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sons


A menina nasceu surda.  O pai percebeu quando entrou no quarto e ela dormia  profundamente com toda a banda barullhenta da festa do vizinho. No dia seguinte, pegou duas tampas de panela na cozinha e entrou no quarto da Belinha adormecida, com cuidado e apreensão.
A príncipio chamou:
-Bela?
Sem encostar nela, chegava mais perto e tornava a chamar:
-Bela?
Então começou a bater uma tampa na outra.
A mulher apareceu com expressão horrorizada, quando entrou no quarto da menina e o marido enlouquecido batia as duas tampas com raiva e certeza:
-Blein, blein, blein!
A menina continuava impassível, dormia profundamente.
Então ela compreendeu.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mas isso não é um sonho, é um pesadelo!

Meu cachorro teve um sonho. Sonho, não, pesadelo.
Gania e ladrava e ao mesmo tempo se remexia em patas e focinho, sobre um agonizante tapete.
As vezes ele tem desses sinais de ser vivo.
Em geral se o vejo muito inquieto, chamo, para acordá-lo, e ele me olha bobo com tamanha confusão. Depois cochila de novo, mais brandamente.
Não há como interpretar o sonho dos cães. Nem dá para saber se teriam algum insight em decorrência deles...
Eu o chamo de longe,  não sou boba de tocar nele, que poderia me cravar os dentes como se eu fosse o pitbull da vez.
Soube que algumas medicações podem causar pesadelos terríveis nas pessoas  e que o pobre parceiro acaba apanhando quase  toda noite. Se ainda continuam a compartilhar a mesma cama depois de tanta injustiça o jeito é colocar um travesseiro bem grande e macio entre os dois.
Quanto a mim, meus sonhos são sempre bem vindos. Aprendi a compreendê-los e amá-los.
Eles fazem tanto sucesso quanto meu café da manhã.
Um sonho quentinho é tudo de bom!

domingo, 30 de outubro de 2011

Doidos varridos

Cada vez mais encontro zumbis pelas ruas e calçadões!
São pessoas de todas as idades e raças, mas as mais perturbadoras para mim, são aquelas que se parecem comigo. Altos, meia idade, mulheres ou homens, com ou sem cachorros, se exercitando na rua.
Às vezes em lamentável estado de decomposição hidro-cremosa pelo sol adstringente, ou ainda sequinhos  iniciando a caminhada ou nos alongamentos para a corrida.
Todos tem a marca dos zumbis:
Falam sozinhos!
Houve um tempo e nem faz tanto tempo assim, que falar sozinho e gesticular no meio da rua era alucinação!
O doido mereceria internação ou cuidados intensivos;  exames gerais e  pesquisas na família para se descobrir de onde vinha a loucura.
- É da sua família, dizia um parental.
- Nada disso, minha família já tem o câncer, a loucura vem da sua!
O doido, jogado de um lado para outro, ficava envolto numa atmosfera ainda mais profícua e alucinava ao bel-prazer.
Depois a gente perdia o rumo dessas histórias na cidade e os doidos se sedimentavam neste papel ou eram curados.
Atualmente os malucos são logo reconhecidos e tratados, não ficam por aí envoltos em mistérios.
Por isso chamo de zumbis os seres que agora vejo.
Vem rápido em minha direção, olhos bem abertos, gesticulando e falando, muitas vezes vociferando e eu  apavorada só descubro neles  um incipiente fone de ouvido, quando cruzam por mim e nem me  ligam.
Então relaxo e continuo eu também cantando a música que ouço, ou discutindo o cardápio do jantar com a cozinheira lá de casa.
Eu também sou um zumbi moderno, não me levem a mal.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pés chatos

A pediatra  tinha indicado o ortopedista.
Ele a colocou descalça sobre um artefato engenhoso - um quadrado de vidro de uns 40 com de lado com a base inferior  espelhada. Deu pra ver muito  bem a curva dos pezinhos. Definitivamente ela não tinha  os pés chatos.
Lembro-me de meu irmão que tinha pé chato e para o diagnóstico precisou pisar no talco ( ia dizer palco)  e andar para o médico.
No caso da Helena o problema eram os joelhos, que precisavam ser protegidos . Ela usou aquela botinha branca por um bom tempo. Gostava de vê-la arrumadinha, sempre tinha uma roupinha nova. Bem, pelo menos enquanto pude escolher suas roupas. Então comprei vários cadarços coloridos que combinavam com as roupinhas. Parecia brincadeira de boneca.
Não durou muito.
Desde muito pequena ela já era determinada e sempre soube o que vestir.
Então saíamos juntas para comprar roupas novas.
E eventualmente tomávamos um sundae farofino no Frevo!
Era bom!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lirios brancos

Efêmera é a flor, efêmeros os lírios brancos.
Transitória é a vida, bem vinda a vida e seus lírios brancos.
Então vem a morte, passional e rígida.
Para sempre a dor, até a morte do substantivo, do sujeito da dor.
Daí será o pó, efêmero lírio branco.
Então escreva, guarde, fotografe.
Não deixe passar sua curta vida sem registros.
Mesmo a dor deve ser registrada.
Ela  também passa, não é perene.
Perene é a figueira, centenária árvore, que nos viu passar a todos e resistiu.
Quando soprar o vento a levantar o pó, quantos de nós estarão na poeira reunidos?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rio-São Paulo

Abriram-se as cortinas na sexta-feira passada!
Quando chegamos a São Paulo o tempo estava lindo, só um vento um pouco frio denunciava a primavera. Depois de viver no Rio, onde de um lado da avenida costuma haver  o mar e o  horizonte a se perder de vista, São Paulo parece mais contida em suas avenidas e parques.
Mas o sol ficou por toda a parte durante todo o fim de semana  e já de volta à rotina do Rio, temos ainda o azul radiante.
A estrada Rio-São Paulo tem paisagens de perder o folego, as vezes de susto e outras de puro deslumbramento.
Imagine uma colcha de retalhos em tons verdejantes variados, tons terrosos, azuis, brancos espumosos e cinza-asfalto.
Enrugue com vontade uma das extremidades  para simular a serra das Araras. Depois vá amarfanhando um pouquinho aqui e acolá até deixar esticadinha na outra ponta.
Este é o relevo que liga as duas cidades mais constantes em minha vida.
Amado relevo, queridas cidades

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Meu vigia

Vou-se embora!
Vou pra São Paulo e deixo você aí a cuidar de tudo.
Concentre-se nos portões e nos muros mais baixos, não se deixe ver por quem está fora.
Esconda-se.
Faça suas rondas, todas as noites, todas as horas.
Você não sente medo, não encrespa o pescoço, mas não seja tão possessivo, deixe em paz os passarinhos...
Cuidado com a piscina, não vá escorregar e afogar-se.
De dia pode descansar, com as bochechas pregadas no chão e seu novo olhar amendoado e saudável.
Ou deitar-se ao sol, ou as vezes à sombra.
Barriga para cima, se espojando relaxado.
Vou-me embora, mas eu volto.
E se tudo estiver bem você ganha um abraço, um cheiro e um bisckoc

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Agave-dragão

Em volta do corredor de pedras que leva até a frente da casa, tenho umas plantas  robustas com folhas grossas de um verde claro e um tom acinzentado dependendo do angulo em que se olha. Ocasionalmente algumas mudinhas se desenvolvem aos pés da matriarca. Seu verde intenso,  recepciona todos que entram.  O sol bate direto nelas, adoram o calor.
Um mês atrás, início da primavera, aqui no "Rio Incandescente", elas amanheceram doentes. As folhas tão verdinhas estavam com manchas castanhas e aspecto envelhecido. Estavam morrendo?!
Meu jardineiro então explicou. As folhas sofreram com a geada.
Geada?????? No Rio????? Como assim?
Achei que ele estivesse enganado e que elas morreriam para sempre...
Hoje estava reparando nelas. As folhas novas estão verdinhas e saudáveis. Daqui a um tempo estarão completamente renovadas.
Sim, era geada mesmo!



terça-feira, 18 de outubro de 2011

Feliz dia!

Acordei e pensava: 18 de outubro.... o que há de especial hoje?
Algum aniversário? Qual comemoração?
Tinha uma lembrança vaga de ser um dia importante e bom.
Miguel foi para o hospital, eu fui tingir os cabelos brancos e acabei deixando uma nota no salão:
- A senhora não quer aproveitar e fazer as unhas?
-Vamos fazer uma hidratação neste cabelo?
- Que tal fazer um corte repicado e moderno?
Fui dizendo que sim, como um mantra, mas o que eu queria era  voltar logo para casa e esquecer que perdi a validade.
Então, nem sei porquê, lembrei!
Hoje é dia do médico.
Faz uns 30 anos que o conhecimento médico encorporou-se a minha identidade.
Mas não faço jus a  uma homenagem...
A medicina é para mim um jaleco, uma roupa de centro cirúrgico, um avental de chumbo.
A partir daí e cada vez mais para dentro é que começo a ser de verdade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cartas

Bons tempos aqueles que que se escreviam cartas de próprio punho, com a letra carregada de emoção e direito a rasuras e rabiscos.
Dependendo do assunto, da formalidade da relação, era preciso passar a limpo com todo o cuidado para não errar uma segunda vez.
Assim era possível corrigir eventuais erros de concordância ou grafia, que por descuido pudessem ter escapado.
Era bom receber uma carta com o cheiro de tinta e as vezes algum borradinho de café ou chocolate.
O querido amigo estivera com aquele mesmo papel nas mãos, o trabalho todo estava ali, vivo, com suas impressões digitais inclusive.
Em tempos modernos as conversas fluem muitas vezes mais rápido que a capacidade de raciocínio e escrevemos tantas bobagens...
Quem nunca se arrependeu de ter acabado de enviar uma mensagem?
Às vezes gostaria de rabiscar toda uma frase, apagar até mesmo da minha memória um texto tão inoportuno.
Sou da geração da transição.
Quem nunca escreveu uma carta de próprio punho nem vai compreender!

sábado, 15 de outubro de 2011

Atlética

A Helena deveria ter uns 5 anos quando aconteceu.
Frequentei a Associação Atlética da faculdade  por muitos anos depois de formada e Helena ia comigo nadar naquele piscinão azul e fundo. Ela fazia aulas de natação desde os três anos portanto se virava bem. Antes das brincadeiras na água atravessávamos várias vezes a  piscina e ela me acompanhava direitinho para surpresa de muita gente que achava que ela era pequena demais para tanto esforço. Ela usava uma boia de cortiça na cintura, que muita gente não via - acho que nem produzem mais este tipo de artefato.
Era nesta época do ano; e numa reviravolta do tempo um grande temporal se anunciou. Corremos muito, dei um banho quente nela, sequei ao máximo seu corpinho e seus cachos, e com roupas secas e quentinhas  saímos rápido para chegar em casa antes da chuva. Íamos a pé e nem tinha pensado em guarda-chuva; o dia tinha começado muito azul.
Nem passamos na lanchonete ali do lado onde havia o mais gostoso e cheiroso pão de batata.
Mas não teve jeito, a chuva desabou com direito a raios e trovoadas, ao meio do caminho!
E ela ainda com o cabelo úmido da piscina abriu um berreiro e reclamou:
- Estou toda molhadaaaaaaaaa!
E eu:
- Pois é, eu também! Quem está na chuva...
Tratamos de relaxar e curtir aquela chuva de lavar o coração!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Curiosidade...

Vejo sempre em minhas estatísticas que alguém na Alemanha sempre lê meus posts. Gostaria muito de saber quem é....

Basta estar vivo!


A notícia de uma explosão em um prédio no centro do Rio, e outra da semana passada sobre o atropelamento e morte de um idoso super saudável que caminhava na calçada reforçam o ditado:
Basta estar vivo!
Sair de casa é uma aventura, o gás é inflamável, os raios caem por toda parte e às vezes no mesmo lugar.
Faz-me lembrar do aprendiz de feiticeiro, que  comandava a varinha com maestria sem se dar conta do poder que tinha. Completamente fora do controle, os eventos ocorrem sem aviso prévio. Está certo que muita gente cumpre o aviso prévio, hoje mesmo legalmente expandido para 90 dias. Não foi assim com Steve  Jobs? E com o meu querido Márcio? E com tantas outras pessoas que se despediram lentamente, fluindo da vida aos poucos?
Mas é quando a despedida é violenta e dramática que o quebra cabeças interior não se configura.
É por isso que as vezes quero crer que há um aprendiz que eventualmente assume o comando e ao distrair-se   nos transporta para um pesadelo que é de fato a realidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Oração

Senhora de Aparecida acolha nossas crianças todas em seu colo.
Ao ninar nossos bebês criará adultos fortes e confiantes, pronto para o trabalho e a luta de viver.
Precisamos muito Mariazinha, do seu amor e benção.
E se for possível, ajude cada criança a encontrar seu par adulto, para que se beneficiem um com o outro e gerem outras crianças também produtivas.
Obrigada, mãezinha, pelas graças que já me concedeu.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Fresta de luz

Estou sequestrada aqui nos fundos do  barracão,  as portas estão vedadas por cimento e argamassa e as janelas travadas por dentro e por fora. E há cadeados e correntes por toda parte. Grossas tábuas cruzam o teto baixo e os alicerces também, deste  sumidouro, deste confim de mundo onde eu isolada e já um pouco morta aguardo um fim. Ali atrás pela fresta minima da parede por onde andam  besouros e percevejos vislumbrei uma luz, divina luz de lâmpada amarela, há vida aí fora, não é?
É por isso que senti esperança, a sensação vaga e verde de palpitação e ânsia, existe vida.
Estou sequestrada aqui, mas existe uma saída. E ela vem pela fresta de luz.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A vida continua

Abri as cortinas de par em par e deixei entrar a manhã luminosa.
Fui até minha cama, sentei do meu lado, me sacudi pelos ombros com força e disse:
- Anda, levanta, o Steve Jobs morreu, mas o dia está lindo, vamos caminhar até a praia.
Virei de lado com vontade de voltar ao sono e não pensar na morte de um criador.
Levantei meu braço e soltava, ele caía molemente sobre meu lado.
Fiz-me cócegas, tampei minhas narinas e quase que me sufoco.
Por fim, acabei levantando, eu não iria mesmo me deixar em paz.
Então lavei o rosto, tomei café e quando terminei todas essas atividades que fazemos de rotina pela manhã, saí para viver.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Perigo no condomínio

Colocaram em nossa caixa de correio - que anda bastante vazia por causa da greve - uma folha de papel A4 usada na orientação paisagem, com texto em caixa alta. É um texto incomum porque há vários erros de concordância, mas que  tornam ainda mais pungente a dor daquele aviso.
Dizia assim: PERIGO NO CONDOMÍNIO
ALGUÉM NO CONDOMINIO É ILEGAL E USAR VENENO ALTAMENTE TÓXICO NA COMIDA JOGADA QUE PODEM MATAR GATOS E CÃES EM POUCOS MINUTOS.
NOSSO GATO FOI ENCONTRADO MORTO À NOSSA PORTA NA SEMANA PASSADA E EVIDÊNCIAS FORENSES MOSTRAM CHUMBINO FOI USADO.
TOMEM MUITO CUIDADO COM O SEU ANIMAIS COMO ESTA É UMA SITUAÇÃO MUITO PERIGOSA NO CONDOMINIO
SEUS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NÃO SÃO MAIS SEGURAS ATÉ QUE A PESSOA CRIMINAL É IDENTIFICADO.
POR FAVOR, NÃO SOFREM A MESMA TRAGÉDIA TEMOS.
Em seguida vinha a rua e o número da casa.
Evidentemente não se trata de um analfabeto mas de uma pessoa muito sofrida de outra nacionalidade. Já vi estes erros de concordância na linguagem de alemães, húngaros,  americanos...
Hoje pela manhã durante minha caminhada passei em frente. Lembro-me de ter visitado aquela casa quando estávamos procurando uma para comprar. Era de um casal de franceses e fiquei muito impressionada com os quadros nas paredes todos fantásticos de autores que não consegui identificar..
Era uma casa cor de rosa, muito grande e cheia de "puxadinhos" - a medida em que os filhos cresciam e se casavam o casal construía mais um apartamento. Era um labirinto. Em torno de toda a casa havia um "lago" de um metro de profundidade por uns 80 cm de largura, repleto de lindas carpas. Segundo a senhora francesa, ela não tinha pernilongos nem outros insetos, as carpas comiam.
As pedras de revestimento do piso externo  tinham um desenho em baixo relevo de uma flor que muito me encantou.
Não moraria ali, mas o passeio foi  instigante.
Faz pelo menos um ano, a casa passou por uma grande reforma. Não sei se venderam ou se eles mesmos decidiram organizar o espaço.
Contei esta história para a Helena que me disse que os surdos também escrevem assim. Faz sentido, LIBRAS também é uma língua.
Notei que os gatos que circulavam pelas ruas - eram poucos, uns 5 ou 6- sumiram.
Fico aqui pensando na dor dessa família, na sua necessidade de compartilhar essa violência, esse insulto.
E penso no que eu faria se o gato fosse meu...



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Hot dog

No tempo dos festivais, muitas vezes saíamos para fazer serenatas e era comum haver uma neblina difusa a diluir a luz dos postes das ruas.
Às vezes parávamos numa carrocinha de hot dog.
Aquele ambiente tem um locus especial em minha memória. Mistura de travessura, prazer, carinho e cumplicidade ainda sinto a confusão dos sabores:  Dentro de um pão morninho com uma salsicha cortada ao meio grosseiramente, batatas fritas, maionese, catchup, mostarda.
Era bom!
Neste fim de semana comemos cachorro quente. Caprichei para ter todos os ingredientes e me surpreender novamente com aquele delicioso sabor agridoce, crocante e macio, quente e morno.
Mordi antecipando a delícia.
Então compreendi que era uma memória  virtual.
Não é o tempo, nem é a idade, nem são os ingredientes.
O que faltou para reproduzir o clima das serenatas foi justamente o clima, o  gosto de travessura, prazer e cumplicidade.
Bons e saudosos tempos.
Se então já soubesse como seria minha vida, talvez  tivesse saboreado tais madrugadas com muito mais voracidade.
Pena que naquela época ainda me preocupava com o futuro...

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Uns balões

A manhã já tinha começado e eu estava cochilando, preguiçosa, o restinho do meu sono.
O telefone tocou ao meu lado, bati a mão até localizá-lo no criado-mudo e atendi de olhos fechados:
-Alô?
Era o Miguel. Ele tinha saído de casa para o hospital fazia menos de dez minutos, mas parecia muito animado. Disse:
- Sabe aquela praça em frente ao condomínio Barra Bali ?
- Sim?
Estão inflando dois balões enormes, um deles já quase pronto e o outro bem vermelho estão desdobrando ainda.
- Ah, tá...
- Você não quer ir lá ver? Está cheio de gente e eles são tão bonitos...
O que eu queria mesmo era dormir por mais uma horinha... Mas ele estava tão animado...
Então levantei, me vesti e fui até a praça. Vasculhei cada metro, perguntei aos porteiros... Nada, ninguém sabia coisa alguma.
Fiz uma volta completa, olhei para o céu - quem sabe já estavam flutuando - nada, só o azul, o azul tão definitivo do céu do Rio.
Voltei para casa e fui cuidar da vida; e a essa altura já estava bem desperta.
Será que sonhei? Será que realmente houve algum balão?
Seja lá como for, sonho ou estímulo,  o fato me fez sair do marasmo.
Porque depois de caminhar sob o sol e o céu azul gritante, todas as minhas moléculas se agitaram.
Um pouco mais de energia e estaria pronta para o Rock in Rio!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Aprendendo a viver

Quebrei uma caneca que ganhei  no dia das mães faz muitos anos. Escorregou da minha mão e espatifou-se.
Um caco feriu meu pé, um outro foi para debaixo do fogão, muitos bem pequenininhos se espalharam e se esconderam. E um pó branco, uma espécie de pó branco  misturado ao restinho de chocolate quente que eu bebia com tanto prazer renderam-se macerados sobre o piso.
Desolada tentava encontrar no desenho espraiado do chocolate alguma explicação para ter sido assim tão descuidada.
Depois tratei de limpar a sujeira, com muito capricho para não esquecer nem um caquinho, já que os objetos devem ter lá seu céu também, onde ficam para sempre reconstruídos e repletos de uma bebida quente,  reconfortante.
Peguei uma outra caneca da minha adorável coleção, preparei um chocolate ainda mais espesso e cremoso que o anterior e vim beber aqui na sala, lendo um livro, ouvindo música, continuando a viver.


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Colecionador

São os excessos! São eles que  nos fazem descontinuar.
Ser campeão de volei ou um triatleta competitivo significa ter que lidar com a queda gradual da performance.  Imagino que descer um degrau da escada do sucesso - porque ir descendo é a tendência natural depois de atingir o topo ou o seu máximo - sempre ocorre por um evento específico: Uma torção, uma perda, um resfriado, uma tristeza.
Na retomada não se retoma integralmente.
E assim devagarinho, um pequeno passo de cada vez vamos cedendo e cedendo.
Depois restam os troféus e as medalhas e o atleta envelhecido que se lembra cada vez mais vivamente do tempo em que era especial.
Cá entre nós, o que fazem com essa tralha depois que tudo acabou?
Onde estarão guardados os objetos que não traçam nossa história mas a de um ascendente remoto?
Se não for um colecionador, estarão perdidas nas entranhas de um tempo que não voltará.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Certa vez houve um banco de areia na beira da praia que apareceu da noite para o dia e se instalou como um  totem.
Quem via da cidade não se importava porque estava longe e parecia natural.
As ondas rodeavam o totem, porque para elas era mais fácil contornar que vencer.
Dois meninos combinaram:
-  Vamos devolver a areia para o oceano e fazer um braço de mar onde agora está o monte.
E começaram. A princípio com  canequinhas, depois mudaram para baldes.
A meio do caminho entre devolver a areia  e trazer a água, eles se encontravam e contemplavam um o trabalho do outro. Por muitos anos trabalharam nisso.
Outras pessoas vieram e viram e não viram sentido e se foram.
Porque o sentido só existe para quem está envolvido no projeto.
Então a vida que tem tanta pressa gritou para que largassem tudo e pegassem o trem.

Certa vez houve um braço de mar na beira da praia, que se instalou como um rabisco na paisagem.
Outros meninos combinaram:
- Vamos devolver este braço de mar para o oceano...

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Estação

Mudamos de estação, você percebeu?
Tudo continua igual, será que mudamos mesmo?
Ontem a noite houve  um vento forte que derrubou telhas e muitas flores.
Mas as flores das  buganvílias são ainda  belas caídas cobrindo a grama.
Anime-se, vem chegando a primavera, disseram-me alguns.
Continuo invernal... Estou descompassada.
Mas tenho a impressão de que as flores que precisam cair de mim serão podadas amanhã pelo jardineiro.
Depois vou brotar inteiramente pela força da nova estação.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A saga canina

Depois da longa saga-  23 dias com colar elizabetano, finalmente a Doutora Andréa, oftalmologista veterinária do Haus anunciou: Ele está de alta!
Que alívio, foi muito difícil este tempo todo de expectativa.
Mas não deixei cair a peteca, por mais que desejasse tirar, mantive o abajur bem firme com uma coleira forte e ele se virou coitadinho.
Agora até parece que se sente um pouco só sem aquele parangolé.
De qualquer forma,  voltaremos a boa e velha rotina.
Novidades? Sim:
Seus olhos passaram de olhos de pires para olhos de prato de sobremesa. Os cílios são aparentes e ele não chora mais.
Também iniciamos a comidinha caseira sob a supervisão da doutora Paloma, nutricionista veterinária.
Ele amou a nova dieta e já recebi muitas dicas de como lidar com os pequenos percalços. Segundo ela, ele não está tão gordo assim! Ele é grandão e musculoso. Uns 3 quilos e estará ótimo.
Miguel ficou muito feliz! Tá vendo? Que gordo que nada!!
Todos nós traçamos caminhos muitas vezes desconhecidos, indefinidos, esperando fazer o melhor, mas nem sempre dá certo. Que direção tomar nesta ou naquela encruzilhada?
Desta vez deu tudo muito certo e estou começando a relaxar.
Resta caprichar no que for possível e curtir os melhores momentos com meu amigão.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Com outros olhos

Tenho olhos azuis, basta checar meu DNA, os genes estão lá.
Mas é assim: durante o dia azul.
À noite castanhos bem escuros.
Se tem brilho ou não  depende de fatores externos. Qual é o tamanho da lua? É lua Nova? Minguante?
Os meus olhos azuis se cansam mais depressa. Querem olhar tudo com clareza, determinação, mas são tão sensíveis que às vezes choram...
Os escuros, não. São firmes, devolvem o olhar, nada os abate.
Portanto, camarada, se eu estiver com aqueles de cor azul, não seja rude.
Tenha delicadeza até para me encarar.
Se for possível, não me enfrente, posso reagir e ninguém vai gostar. Tenha paciência.
Assim que passar o dia e ensombrecer,quando vier a penumbra,  pode ser que eu o veja com outros olhos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Uma agulha no palheiro

Fui mexer em um palheiro atrás de uma agulha.
Estava lá fazia tanto tempo, amalgamada aos pós do tempo e às oxidações da vida.
Deveria ter deixado estar.
Era uma agulha com história, estivera em minhas mãos nos momentos mais críticos, era sempre oportuna e eu de saudade fui mexer no palheiro. A principio devagar tirava as palhas uma a uma,  examinava dos dois lados e entre as fibras para depois colocá-las em um monte ao lado e criar um novo palheiro. Depois de muito trabalho, e havia tanto ainda, comecei a trabalhar mais depressa. Valorizava mais o que tinha ficado, do que o que eu estava tirando.
Foi uma peleja.
E assim, depois de muitos anos cheguei ao fim da procura. Em nenhum momento a agulha brilhou entre minhas mãos. Vasculhei o pó que havia restado debaixo de tudo. Peguei um imã, uma lanterna, uma lupa, abusei da luz do sol. Nada...
Acabei concluindo que perdera a objetividade durante a busca. Mas tinha que encontrar.
Então recomecei.
 E o palheiro original está sendo reconstruído.
 Quem sabe se desta vez encontro minha agulha?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um jeito de ser!

Uma de minhas bisavós, a Vó Marcela, era muito rústica e semi analfabeta, mas aprendeu com o marido, um português muito bem informado, inúmeros provérbios que ela decorava e usava com sabedoria. Segundo minha mãe ela era muito exigente e ao mesmo tempo doce a ponto de na noite anterior ao seu casamento ajeitar as colchas para que a neta não se resfriasse. Mamãe conta esta história com muita emoção.
Mas o que eu queria falar mesmo é sobre a forma de cada um levar sua vida.
Eu, por exemplo, sempre fui de poucos amigos e passo parte do meu dia lembrando fatos que aconteceram ou não, quando era mais nova. E o meu dia passa por mim intrigado por eu estar perdendo tempo com o que já passou em vez de aproveitá-lo hoje.
Mamãe, na terceira idade, não faz por menos: Onde quer que a chamem lá vai ela toda feliz, pronta em cinco minutos para a próxima jornada. Dentro de poucos dias estará conhecendo a Escócia. E eu só de pensar na viagem, morro de preguiça. Quero ver as fotos e ouvir as histórias, mas prefiro ficar bem tranquila aqui no meu paraíso. 
Como a Vó Marcela costumava dizer:  
- O que é de gosto, é  regalo da vida.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Jiló

O que há com o jiló?
Porque comer o  jiló tão amargo se há muitos outros frutos muito mais agradáveis e versáteis?
A população se divide  entre os que gostam e os que não os comem.
Bem alguns tentam tirar o amargo do fruto, e então fica ótimo... mas isso faz algum sentido?
Vamos todos comer chuchu!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Divagar

Quando é que começamos a sentir saudades do que fomos? Qual é o gatilho?
Esqueci tanta gente e agora tantos vieram a tona, cutucar meus instintos e amolecer meu coração.
Não me lembro de sentir saudades dos amigos antes dos 30 anos. Sentia falta do namorado que ia e vinha; e sofria muito pela separação: eram picos de prazer e desespero.
Agora não. Faz metade da minha vida que estou com meu amor, portanto em segurança, porém sinto saudade de tudo mais. Da filha tão amada, dos irmãos queridos, dos pais distantes - de uma forma ou de outra,  dos colegas das faculdades, dos animais que tive, da vidinha simples do interior, das emoções da cidade grande...
É um sentimento maduro, mais relacionado ao amor que à paixão que me movia antes.
Com certeza tem a ver com os meios de caminho. Se antes tudo se movia rapidamente e o tempo era curto, agora pode-se pausar o filme e divagar sobre o antes e o agora.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

International Space Station

O Fausto, meu irmão e a Maria Lúcia tem dois filhos incríveis. Estão a meio caminho entre a infância e a adolescência mas sempre estiveram em cima dos cascos! São muito bem informados, falam um português corretíssimo e tem argumentos e pontos de vista mais centrados que de muitos adultos que conheço. 
Bem, da última vez que estive em Uberaba, fomos convidados para ir fazer um lanche na casa deles. Impreterivelmente as quinze para as oito!  Lá estávamos, pontualmente: Renata, Ian, mamãe, a Nanda e eu. 
Havia sobre a mesa na varanda, velas de citronela, uma planta belíssima  e em minutos chegou para nosso deleite uma berinjela assada com temperos únicos, uma delícia mesmo. Comíamos com pão árabe e bebíamos uma cerveja especial; um momento encantador da viagem.
Mas ainda não era tudo. As 8 horas, fomos todos convidados para ver passar pelo céu (um pouco nublado para tristeza de nossos anfitriões), a ISS (International Space Station) que iria atravessar o firmamento, bem acima de nós.
Então, no escuro, no pátio em frente à piscina, somente com as velas de citronela acesas na varanda, ficamos todos observando, à espera da passagem ilustre. Foi um momento tão mágico que queria repartir com o mundo todo, lembrava de todas as pessoas que adorariam estar ali, naquele momento tão íntimo e ao mesmo tempo tão universal.
E aos gritos comemorávamos sempre que ela aparecia entre as nuvens: ah lááááá´! 
E de repente: Ali! Opa, desculpem - era só uma estrela...
Foi lindo, coroou minha viagem, nunca mais vou esquecer.
Pedi ao Fausto que me avisasse sempre que a ISS fosse passar pelos céus cariocas para eu poder compartilhar com o Miguel que certamente adoraria.
Ontem, ele ligou: Como está o céu aí hoje?
E eu desolada disse: Nublado, tempo fechado e chuvoso, nuvens que se tocam com as mãos...que tristeza...
Mas mais triste mesmo foi acordar hoje de manhã e ver, como em noventa por cento dos dias aqui no Rio, um céu azul, de Brigadeiro!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nublado

Hoje acordei triste.  Todas aquelas imagens do 11 de setembro de ontem ficaram povoando meus sonhos.
O tempo também não ajuda, está frio e muito nublado. Costumo chamar dias assim de dia-enxaqueca, porque há uma claridade difusa que me faz muito mal, é um gatilho para minhas dores.
Temos que reagir sempre, ir contra a corrente se necessário ou aproveitar a correnteza a favor dos nossos objetivos. A superação, seja da dor ou da falta ou mesmo de uma doença , clareia os sentidos. Somos então mais fortes, encontramos motivo para existir e continuar.
Mesmo que continuar signifique escrever outra vez sobre o que já foi escrito.
Poque mais cedo ou mais tarde é preciso reforçar as estruturas de existir.
É isso que estou fazendo hoje.

domingo, 11 de setembro de 2011

Dez vezes o onze

11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.
11 de setembro.

Há dez anos, todos os anos.
Dói lembrar e ver. As mesmas imagens, os mesmos gritos e os mesmos corpos. Algumas imagens novas. Poucas. Mas tudo parece novo. E sempre vai parecer.
Até o final dos tempos, ou da mídia - o que vier primeiro - teremos o 11 de setembro.
Tomara que não precisemos mudar de catástrofe.
Porque mesmo sem querer, pouco a pouco vamos nos acostumar.
E talvez doa menos.

sábado, 10 de setembro de 2011

Médicos veterinários

Ontem, dia do médico veterinário, estive às voltas com tantos e nem me lembrei de cumprimentá-los. Frenética e assustada, com dúvidas ainda se deveria fazer meu pobre cão passar por uma experência muito infeliz mas restauradora, só o Miguel me acalmava, sempre tão presente e solidário.Depois da cirurgia, pela primeira vez em toda a vida do meu cachorro pude ver seus cílios, não é que estavam mesmo para dentro?
E foi assim, em uma clínica veterinária - Vet Service - que passei boa parte da tarde,torcendo pelo meu animal.
A não ser pelo estresse que um flanelinha causou ao insultar o cachorrão, que eu tentava conter com focinheira e mordaça, no porta-malas da camionete, para a aplicação do sedativo, correu tudo bem.
O flanelinha abobado, dançava na frente do cachorro e com ironia dizia: " é o Mike Tyson" . E eu aos gritos dizia: Saia daí que ele é bravo!   (Se acontecesse algum desastre a culpa seria minha, claro...)
Agora é acompanhar a recuperação e agradecer a todos que fizeram parte dessa pequena saga do melhor amigo doente.
Parabéns, veterinários! E muito obrigada!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Coordenação motora

-Haus?!
Ele vem correndo.
-Senta!
Ele senta prontamente.
Na mão esquerda seguro uma uva (ele adora!)
Na mão direita seguro o colírio, já pronto para ser  instilado.
-Olha!
Ele olha para a uva e espera.
Quando aproximo o colírio para deixar a gota cair no olho ele fecha - só o  esquerdo, o doente.
Quando finalmente consigo acertar a gota no lugar certo, digo ok e jogo a uva para ele.
Ele come com prazer. Depois de um minuto, tudo outra vez! E assim por diante por cinco minutos.
E toda a sequencia de novo mais duas vezes durante cada dia.
As vezes, acostumado a pegar o petisco no ar, ele engole a gota! E eu quase que pingo a uva!
Céus!
E eu que achava que era mais fácil ter um cachorro do que um filho?

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Hideandseek (Patrícia Rati): Reticências

Hideandseek (Patrícia Rati): Reticências

Reticências

As vezes fico cismando, até quando, até quando?
Minha vida é cheia de reticências e fico aqui calada e quieta enquanto aguardo a próxima palavra.
Não ousei ainda olhar lá fora depois que amanheceu.
Porque o último clarão da lua  alertou-me sobre a inevitabilidade de ser  um pouco menos a cada vez.
Já senti meus ossos e músculos, senti completamente a minha pele, onde estarei faltando uma parte? Interiormente é claro, o impalpável, o intocável.
Algumas ideias vagas que se foram para sempre.
Em um fogareiro orgânico, mantido baixo, sinto o cozimento das falhas, estas sim, moldadas, cristalizadas.
Quem sabe no próximo amanhecer estarão faltando uma unha e alguns fios de cabelo?
Se são visíveis, posso até calcular: Hoje se foram umas 20 gramas de mim. Bem, não me farão falta.
É assim que continuo, administrando as perdas.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um dia

Pão francês com manteiga e café puro.
Uma hora de corridinha.
Uma banana com canela.
Uma hora na fila do banco.
Suco de abacaxi com hortelã sem açúcar.
Uma tarde inteira para pensar em:
Helena - que voltou em paz pra São Paulo e já entrou no ritmo da cidade;
Haus - que ficou inconsolável no Rio, de colar elizabetano, colírios de horário  e blefaroespasmos.
E...todo o resto da vida para pensar em chocolate, a paixão que não cede, nem que eu consuma todo o "galã" que houver.
Nos quadris, o chocolate aparece arredondado e meio... enrugadinho.
Que pena...
Muitas paixões emagrecem...
Esta não. Definitivamente.
E agora tenho que correr atrás do prejuízo...

sábado, 3 de setembro de 2011

Um cachorro infeliz

Nada pode torturar mais um animal que o colar elizabetano.
Alguns dirão que o dono sofre mais que o bicho, que se adapta rapidamente e tira o incômodo de letra.
Bom, não sei se o cão dos outros administra bem o colar, mas o pobre Haus está muito infeliz.
A maior parte do tempo está tenso com as duas patas da frente fincadas no chão e olha desconsolado para quem passar por perto: - tira isso de mim, por favor, tira isso de mim....
Somente quando está exausto adormece e eu torço para  ele  dormir bastante assim o tempo passa mais depressa.
Porque terá que ficar com o colar por três semanas inteirinhas (ainda bem que ele não sabe, senão tentaria se afogar na piscina).
Pondero que  se ele passou tanto tempo com os cílios a raspar suas córneas dia a dia, será melhor depois do tratamento e da cirurgia.
E estamos conversados, não vou desistir.
Quem vê sofre junto, o caseiro quer morrer de pena e por mais que eu explique, sou a tirana da vez.
Sinto muito, sinto mesmo.
Estou caprichando nas aplicações dos remédios, sessões de carinho e ajudando no que posso para ele sofrer menos.
Já dizia minha mãe quando eu era adolescente: cada um tem que cuidar de suas próprias doenças.
Minha doença atual é psiquica: Meu cachorro está vestido de freira e não está feliz. 




quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O namorado da minha irmã

O Mário chegava  em Uberaba depois da longa viagem desde o Rio de Janeiro onde fazia residência médica, para passar uns dias com a namorada.
Depois do jantar contava histórias de medicina que ele tinha vivido nas últimas semanas.
Trabalhava em um grande hospital com muito pronto-socorro,  então era uma pauleira só.
Ele desde sempre foi muito engraçado, tem umas tiradas de tirar o chapéu.
Mas enquanto ele contava as histórias,  eu com uns 10 anos ia ficando cada vez mais impressionada.
Fazia de conta que era tudo muito normal, mas teve um dia que ele me pegou no pulo!
- Ei, menina você fica aí ouvindo com esses olhões arregalados, depois não vai dormir!
Não era para ele ter percebido. Mas lembro direitinho dessa cena.
Ele deu um gato para a  Nanana enquanto ainda eram namorados. Era um bichano arredio e eu naquela época não sabia que gostava tanto de animais.
Acho que preferia mantê-los afastados para não sofrer com as situações estressantes e as perdas eventuais.
Atualmente compartilho com ele esse amor visceral pelos gatos.
E com certeza também compartilhamos o amor pelas filhas dele.
Todas tão lindas e apaixonadas por animais!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Apocalipse?

Tenho um galo do tempo português, presente da mamãe de uma de suas viagens.
Aqui no Rio, por causa da umidade do ar ser em geral muito alta, o galo oscila entre o rosa e o violeta. Pesquisei e parece que é o cloreto de cobalto embebido no tecido que envolve o galináceo que promove a mudança de cor.
Nas últimas semanas o tempo está seco - eu diria sequíssimo - e um calor de Janeiro.
O galo está tão azul que até dói olhar.
Todo mundo tem um indicativo pessoal para as possíveis mudanças de tempo.
Inchaço no dedão do pé, cabelo encrespado, cicatrizes que coçam, cicio das cigarras...
E hoje em dia, o serviço meteorológico costuma ser bastante eficaz.
Quando há algum disparate é sempre bom ter alguém para levar a culpa:
-Mas a previsão era de sol!!!
E é aquele pampeiro para fugir da chuva inesperada.
Mas nada se compara à interpretação das cores do galo:
- Nossa, ele está tão azul, deve estar chamando a chuva!
Tomara! Mais um dia com esse calor e  vou começar a acreditar que é o apocalipse!

domingo, 28 de agosto de 2011

Aviamentos

Onde me espetam, fico!
É aí que o conto Um Apólogo  do Machado de Assis  dá seu recado.
Quando era adolescente e li este texto, foi como se descobrisse o meu lugar no mundo.
Já li centenas de vezes e sempre me encanta.
Por que em um mundo de linhas e agulhas, ser uma ou outra é questão de temperamento.
E em uma caixinha de costura há lugar também para dedais, carretéis, fitinhas, massanamarias...
Não, não, nada disso. Caibo muito bem no papel de alfinete.
Somente com a ressalva de que quem me espeta onde quero ficar, sou eu mesma!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"Peladinha"

Durante o periodo da Residencia Médica, em meados dos anos 80, resolvi aprender a desenhar e pintar. Precisava expressar meus sentimentos e conflitos de uma forma mais pungente que cantarolar no banheiro.
Tive vários professores e de cada um guardo lembranças muito boas e descobertas incríveis.
Pintei muito, muito mesmo.
A princípio fui aprender a desenhar. Depois usei todo tipo de material e todas as técnicas possíveis para experimentações, estudei perspectiva, cores, composições; luz e sombra e por aí andei em um mundo mágico demais para ser descrito.
Muitos anos depois, fazendo uma limpeza nas tranqueiras que vamos juntando, resolvi jogar fora umas 4 ou 5 telas desses tempos de aprendizado. Quando fui colocar o lixo lá embaixo, levei as telas que deixei encostadas no muro para que os lixeiros carregassem.
Entre elas estava a tela de uma moça nua, de uma aula com modelo vivo.
Uma hora depois fui olhar pela janela - provavelmente para dar uma baforada - e vi no meio da rua um frentista do posto da esquina carregando a minha "peladinha" debaixo do braço. Achei uma delícia.
A partir daí de vez em quando olhava lá fora para ver os progressos da minha "doação".
Um último quadro acabou ficando à deriva. O patologista.
Era a pintura de um microscópio e um patologista se olhando meio pela tangente, numa perspectiva no mínimo ousada, para não dizer errônea.
Alguém passou, resolveu carregar e desistiu no meio do caminho, então o pobre quadro ficou a noite toda abandonado no meio da rua. Pensei em ir resgatá-lo e transformá-lo em pó; e não tive alento.
Mas cada vez que um carro passava pela rua de paralelepípedos e massacrava ainda mais meu pobre patologista sentia uma indescritível dor no coração.
Também pudera! Não se estraçalha assim com tanta violência nem mesmo o mais obtuso dos animais.
Porque fazê-lo com uma parte da minha vida?

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Mãos à obra

Imagine que o mundo é um painel feito de pano, feltro e fantasia, e os personagens são de origens, espécies e idades diversas.
Num mesmo balaio os animais e os filhotes e os donos e as crianças, aguardam sua vez de aparecer no palco e o pano de fundo é uma cidade grande com seus contornos ásperos de concreto e aço.
A cada dia novas histórias são inventadas porque tudo depende da mão que se enfia no baú e pega aleatoriamente os personagens. Então um filhote de cão, uma vaca mocha, dois irmãos de 5 anos e uma velhinha doceira tem que combinar a qualquer custo.
É assim que considero o mundo.
Pode-se desejar ou não participar da história.
Mas não adianta ter medo. Na teoria da probabilidade qualquer um dentro do baú de personagens pode vir à tona.
Então vamos lá! Mãos à obra!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Um jeito de sentir

Existe uma palavra linda: tristíssimo.
Apesar de ser hiperbólica, evoca sentimentos muito antigos, de quando a tristeza  era companhia constante  da poesia e muitas vezes da prosa.
É um sentimento delicado e puro, essência do  cair em si;  e do entregar-se.
A tristeza é boa quando há muito tráfego, quando muitos assuntos e ideias se condensam sobre o pensamento.
Deixe estar, fique um pouco triste. Ajuda a clarear,  a passar pelo luto da perda, qualquer que seja ela. 
E se ainda não for suficiente, se existir aquela dor  absoluta que somente alguns conhecem e se você conhece a dimensão dessa dor, deixe-se levar.
Fique tristíssimo.
Depois conversaremos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Uns anjos

Uns anjos.
Há pessoas assim, a gente acha que são pessoas, mas com certeza  são anjos.
Desses que fazem tanto bem que em volta deles  se vê  fartura de amor e amizade, eles têm o dom de ser companheiros leais.
Há uma luz, um aconchego quentinho, até uma lareira pode aparecer e estalar madeira, como é bom, como é lindo.
Mas como sofrem esses anjos...
Dentro deles existe um deus embutido, que ao condenar, acaricia e ao surpreender, dá risadas de puro deleite.
Mas estão muito ligados às pessoas que guardam, então ficam às vezes, muito sentidos se não podem alterar o manifesto divino.
Não adianta conversar com Deus, não podem pedir mais do que tem, como andaria a carruagem se Deus contentasse a todos os anjos da guarda?
O livre arbítrio... os anjos não tem...
Somente um grande amor pela humanidade, somente emocionar-se e lá no fundo desejar ser poderoso para descumprir os desmandos de Deus.

sábado, 20 de agosto de 2011

Pilhas de livros

Eu desisto!
Mesmo que eu passe o resto de minha vida lendo em todo o meu tempo livre - que é bastante tempo- não vou conseguir ler nem um quarto do que pretendia. Mesmo porque, além dos clássicos - tenho tantos ainda em minha lista de desejos- sempre há livros novos, e autores novos que eu adoro descobrir.
Sou dessas leitoras que compram vários livros de uma vez  e quase enlouqueço para escolher qual ler primeiro. Acabo começando dois e em alguns dias estou lendo vários em paralelo. Há uma pilha de quatro livros em minha mesinha ao lado, todos com marcadores pelo meio das histórias. Isso porque estou deixando quieta a enorme lista de autores estrangeiros não traduzidos para o português ou Inglês.
Há os livros que o Miguel lê - ele prefere aqueles chamados não-ficção: históricos, políticos, de geologia, de física, além de muitas biografias de pessoas interessantíssimas que também escreveram livros. E eu vejo aquela fartura de títulos e queria devorá-los, incuti-los todos definitivamente em minha memória tão virtual e vã.
E os autores da Helena que nem conheço, passo os olhos pela pilha de livros dela e são todos mistérios. Espicho um rabo de olho para eles, como me atraem!
E ainda aqueles que já li, muitos mais de uma vez mas, que ainda me encantam, que saudades.
É um moto-contínuo e sei que preciso controlar minha ansiedade.
E a única forma de me engambelar e relaxar um pouco é pensar que sou privilegiada.
Muita gente nunca leu a não ser cartilhas de primeiro grau, muitos nem escrevem seu nome e jamais vão ler.  E muita gente nem se interessa por livros! Parece absurdo mas conheço algumas...
Mas se tiver a chance de viver de novo quero voltar assim: uma leitora obstinada!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Filas intermináveis...

Sou do tempo em que nem fila única havia, imagine internet.
Em qualquer banco, filas intermináveis e a do lado sempre andava mais rápido. Muito foi escrito sobre o assunto. Papai era bancário e sempre falava em estabelecer uma fila única. Para ele seria muito melhor e mais funcional. Realmente quando a "moda" pegou, ficou muito mais fácil e justo. Assim, acabou aquele estresse de observar que a fila do vizinho era mais rápida.
A Fernanda também foi bancária e lembro-me do cuidado dela com pessoas idosas ou deficientes. Tirava da fila e atendia, numa solidariedade e respeito que só foi implantado muitos anos depois.
Atualmente a Internet diminuiu as filas nos bancos. Em compensação nas operadoras de celular o caos está instalado.  Reclamei da demora e me disseram: O sistema caiu, temos que fazer tudo manual...
- Mas que porcaria de sistema esse! Que tal atualizá-lo?
- É que a demanda é muito grande...
- Não diga! Bom para vocês, não?
Enquanto aguardava, por mais de uma hora pensava na evolução dos tempos... A fila de atendimento prioritário muitas vezes é maior que a fila única. Muitos recém idosos ficam divididos, em qual fila será mais rápido? Bom, eu sei a resposta: a do vizinho...
Também pensei no crescimento populacional e na mudança do gráfico de crescimento. Nas aulas de estudos sociais éramos uma pirâmide. Hoje somos uma espécie de ânfora: Um gráfico barrigudo.
Amanhã seremos uma pirâmide invertida. O que será da fila dos idosos? A maioria será idosa...
A fila única será também a fila de idosos... Eu, hein?
Deixa para lá. Mesmo porque acabaram de gritar o número da minha senha de atendimento.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quimioterapia

Maria, não se deixe abater pelo que os astros dizem. Eles têm caligrafia infantil e parece-me que  não sabem que a superação é seu maior destino.
Quando olhamos muito de perto para nossa pele, encontramos o desenho das veias  e a impressão do sol ao longo dos anos, com uma nitidez que não condiz com a realidade.
Porque a realidade é a musa interior que foi embalada desde o berço e se fortaleceu com elementos espirituais e de Ioga.
As drogas, essas drogas de que você depende  agora, até mesmo por força dos rabiscos dos astros; e que são para conter suas células tão impulsivas, vão ser reduzidas e depois eliminadas da sua rotina.
Voltará a sentir-se bem para trabalhar,  visitar os amigos - você me deve uma visita aqui no Rio - viajar pelo mundo e acima de tudo ser a boa pessoa que é, iluminada e consciente.
Não desanime, não descanse enquanto não estiver livre.
A liberdade, um dos maiores prazeres em existir tem os braços abertos para você.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

No Incor

Semana passada estive em São Paulo para acompanhar a mamãe em  um procedimento relativamente simples  de se realizar na hemodinâmica -  uma ablação de nó AV.
Tive a oportunidade de rever pessoas queridíssimas, amigos de verdade, mas também esbarrei em gente que detesto. Não pude evitar...
Andei pelos corredores do Incor intimidada pelo ambiente asséptico, frio, com uma pletora de aventais brancos e  uniformes de várias outras cores, elementos que há muito tempo saíram da minha rotina, hoje tão mais amena.
Sei que pelo menos 60% das pessoas que agora circulam por lá não são da minha época, mas existe um ar familiar de prepotência velada e eficiência manifesta; cada um cumpre seu papel na trama acadêmico- hospitalar.
Bem, depois de muitas horas de espera agoniante, chegamos à hemodinâmica - a lentidão da carruagem logística continua a mesma. E os elevadores são de enlouquecer.
Mamãe muito cooperativa, mas exausta e faminta, foi transferida para a mesa de exames. Várias pessoas circulavam por ali cada um cuidando de sua parte no esquema. Alguém cutucava seu braço, outro levantava a perna, outro ainda perscrutava as orelhas, enquanto auscultavam seus pulmões.  Eu olhava a certa distância para não entravar a dinâmica geral.
Chegou o momento de instalar  os monitores cardíacos, colocar os  campos cirúrgicos e introduzir os cateteres para chegarem ao coração em um procedimento que, no caso dela, seria de no máximo cinco minutos. Então um dos médicos, já com o avental de chumbo e devidamente paramentado,  muito educado e solícito explicou a ela: Dona Elvira, agora nós vamos armar o circo!
Ao que ela prontamente respondeu:
E eu sou o palhaço!?

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um vício

Vamos supor que avisem de última hora que a humanidade está condenada e que somente pessoas com menos de cinquenta anos e plena força de trabalho terão chance de serem escolhidas para cidades subterrâneas ou espaçonaves-cidades. Sim, porque é isso que assistimos em todos os filmes-catástrofes da atualidade. Estamos condenados,  mas para quando será o fim e de que forma? Talvez a gente vá morrendo aos poucos, diminuindo progressivamente como espécie até deixar o topo da cadeia alimentar. Mas duvido. Acho que nosso destino está selado e nosso asteroide exterminador já está à caminho. Então fico aqui pensando, pensando...  E resolvo que se em último caso meus dias estiverem contados,  optarei pelo sossego e calma de quem sabe o que quer: Vou comprar um pacote de cigarros e vou  fumá-lo inteiro! Saboreando cada baforada. Como costuma dizer o Miguel, também  ex-fumante, cigarro não é ruim. Cigarro é muito gostoso. Por isso é um vício.  Por isso é para sempre difícil conviver com a falta.  Mas em caso de emergência, quebro o vidro sem dó.

domingo, 14 de agosto de 2011

Pais e filhos

Em busca de um pouco de pai, tratei de vestir-me de branco e fui com toda a faceirice beijá-lo como se beija o mais querido de todos os homens, mas ele tinha partido.
Ao encontrá-lo sozinho e quase triste por isso, animei seus instintos cobrando a minha parte do zelo, o conselho que era para mim e não para qualquer outro irmão.
Depois de tê-lo visto tantas vezes sóbrio, reconheço que esteve embriagado do amor por seus pares, o bebado ávido da luz que tantos procuraram quando viram Deus.
Caminha por aí meu prestimoso amigo, meu velho, conhecido pelas histórias de pescador que eu ouvia encantada pela centésima vez.
Caminha vezes sem conta pelo céu azul ou negro e nos encontre a todos na expectativa de abraçá-lo mais uma vez, ainda que seja mais tarde em nossas vidas, quando já formos nós os velhos e descarnados seres que partirão um dia para longe dos seus filhos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os cactos e o amor

O amor não é banal. É preciso cultivá-lo como a uma plantinha tenra.
Certa vez afoguei meus cactos por achá-los sedentos, eles que são mesmo sequinhos e precisam ser desprezados às vezes. Tem muita gente assim também. Nada de encharcar de beijos e agrados, só cordialidade, uma certa distância e suspense, ingredientes fundamentais em qualquer romance.
Porque para os cactos, que sobrevivem por sua natureza árida, há que deixá-los livres e à vontade em seu comportamento seco e espinhoso.
Outros amores não, precisam de cuidados constantes, atenção aos sinais,  suspiros e as outras inquietações.
Aqui cada detalhe é percebido com um avanço ou retrocesso e tudo pode mudar rapidamente se lhe quebram o vaso. Cacos no chão, a terra espalhada e a pobre plantinha magoada em suas nervuras.
De que forma saber que casais se formarão? Por serem semelhantes ou complementares? Ouvi dizer que aqueles com mais semelhanças tem maior chance de serem felizes. Tenho dúvidas. Muitas vezes as semelhanças melancólicas  carregam de roldão toda a felicidade possível e o casal cai vertiginosamente despenhadeiro abaixo por falta de uma dose de fúria de um ou de outro.
Porém, se as semelhanças são para o criativo e o saudável, tudo pode dar certo. Cá entre nós se cada um deste par hipotético é feliz interiormente, juntar felicidades é soma na certa.
As vezes é possível encontrar amores de longa data  que são como peças de um quebra-cabeças. Encaixam-se perfeitamente desde que no lugar correto. Não adianta forçar um ser que acorda com as galinhas a dormir até mais tarde. E nem tornar alguém notívago, um atleta matinal.
Mas há tantas peças... Mais de mil em meu quebra cabeças pessoal. E as vezes até quero forçar um encaixe mas a forma não traduz a imagem.
Todos os meus sentidos estão moldados para compreender as pequenas mudanças no dia a dia. Alguns galhinhos secos, a terra muito chorosa, adubo demais...
Se deixasse minha plantinha ao seu bel prazer, ela morreria.
A rotina é traiçoeira e seja por excesso ou falta, o amor não pode ser cozido em banho-maria.
Choques térmicos! Esta é a melhor forma de estimular o amor!
Portanto, mãos à obra. Sem preguiça. Sem procrastinação.
Porque viver um grande amor é um privilégio.
E é um desafio para poucos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Protetores

Estou toda ardendo, passei horas quentes sob o sol e nem lembrei de me proteger. Pensei que era super:
- que nada, este sol de inverno, essa brisa...
 Agora à noite, a  pele do meu rosto reclama trincada, vermelha, desidratada.
Depois de tantos anos pelejando com uma pele sensível - passei por enormes e dolorosas bolhas de queimaduras no rosto durante a minha infância, quando o único protetor era o velho hipogloss, e eu queria a água e o sol, sempre. A luz e o calor me seduzem.
Hoje foi só uma caminhada, dessas preguiçosas, regada a conversa boa e íntima. Íamos em família, Miguel, Helena e eu. Visitamos nossas amigas, as corujas-buraqueiras, fotografamos os micos e assustamos uns horríveis urubus.
De volta para a casa, Helena reparou em uma fotografia emoldurada recentemente, de uma menina em uma bicicleta rosa... É a foto que uma amiga tirou em uma excursão fotográfica há alguns meses e me permitiu revelar.
Helena chamou: Mãe... sou eu? Não me lembro desse momento...
Contei a ela toda a história. Entre tantas imagens lindas que a Irina fotografou, aquela me enfeitiçou.
E agora sei porque não me saía da cabeça. Até a Helena se encontrou na foto!
Passo a mão no rosto e sinto minha pele mais suave e fresca.
Compreendo que tudo que sinto fisicamente é só saudade da minha querida!
Vá em paz, minha filhinha e que sua semana seja produtiva e cheia de sol!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Marceneiro

Quando preciso de um marceneiro, não tenho dúvidas, chamo o João.
Ele deve ter uns 35 anos, é baixinho e magro, veste-se muito bem para o trabalho que faz e é extremamente formal.  Chega sempre na hora combinada, vem de carro próprio e seus dois ajudantes são simpáticos, educados e eficientes. Quando terminam o trabalho deixam tudo limpo com a serragem e a poeira toda da madeira dentro de um saquinho de lixo.
Ele se veste com camisas claras de mangas compridas e dobradas à altura dos cotovelos e um jeans básico mas sempre limpo e passado. Um primor. Por ser assim tão especial, apesar de eu já ter passado da meia idade, não consigo resolver se o chamo de senhor ou você. As vezes chamo de senhor e ele aceita bem. As vezes quero brincar, contar um caso e chamo você, sem querer. Ele fica impassível qualquer que seja o trato que lhe dou. A propósito, ele sempre me trata por senhora...
Hoje cedo estava aqui trabalhando em minha sala e seus funcionários estavam no andar de cima resolvendo uma porta emperrada nos trilhos.
Eu lia as notícias na internet e uma vozinha chamou minha atenção. De onde vinha? Da cozinha? Não. Nem lá de cima, nem do computador ou dos rádios...
Imaginei que ele se comunicava através de um celular e fui me certificar.
Que nada, ele fala sozinho mesmo!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fantoches

-Mas você perdeu muito!
-Desculpe, não pude ir...
-Então vem agora!!!
Não fui. Tinha ido uma semana antes e é uma longa viagem.
Depois soube que o teatrinho tinha sido o máximo, as crianças, os adultos e até o lobo mau, um sobrinho - uma criança muito adulta- adoraram a festa!
O lobo, coitado, acabou em um zoológico e foi forçado a ser vegetariano...
Pobre animal! Depois de se alimentar de suculentas delícias em toda a sua vida passada, incluindo vovozinhas distraídas, menininhas de vermelho e deliciosos porquinhos, foi condenado ao ostracismo, à solidão do zoológico e às verduras.
Talvez para ele, sempre tão extrovertido e engraçado, a maior tristeza seja não mais participar das festas e dos teatros.  Não fosse por seu desejo de carne, seria um lobo bom...
E se não fosse pela impossibilidade física da proeza, traria para o meu quintal todos os lobos dos zoólogicos.
Em uma alcateia, todos os lobos são do bem.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Percussão

Os instrumentos de percussão destinam-se principalmente ao ritmo. Alguns obedecem à escala melódica  como o xilofone  mas sem uma bateria "afinada" as escolas de samba atravessariam a música muito mais vezes. Gosto particularmente dos tambores com seus sons  profundos e retumbantes. O bumbo, que é tocado com as  mãos sobre a pele esticada, é pura mágica; o som sai do coração do tocador para o instrumento e aí  se espalha.
Acho a bateria um ser vivo, quase. Parece que nos olha de lá, espera que venham até ela, mantém-se distante até que quem   possa entender suas manhas  e caprichos   e  que   tenha o dom  sagrado do ritmo sincronizado  apareça para  domá-la. Porque pedais, pratos e tambores, baquetas, tarolas e   o chimbau  exigem  tanta coordenação que só de ver e ouvir  fico triste. Eu penso - quero tocar o prato e o bumbo -  mas  minhas pernas e braços quedam  numa paralisia trêmula.
Bem, há inúmeros instrumentos de percussão disponíveis. Porque fui cismar logo com o mais complicado?  Se posso usar uma caixinha de fósforo, ou  mesmo um sofisticado ganzá de pratinelas para me integrar à música, devia ser mais modesta. Ora, baterias...
Quem sabe em uma outra encarnação.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Uns anjos

Bem longe daqui, onde as estrelas são enormes e quentes, brilha uma lua pálida.
Os anjos que moram lá acendem velas votivas ao deus que ainda criança transformava  pedras e pó em planetas e seres mágicos.
Conheço esses anjos, tem sentidos restritos, eles não falam, só escutam e sofrem se ouvem falar de maldade e traição.
Alguns são tão pequeninos que se confundem com as joaninhas e se espalham entre elas num alvoroço festivo. São eles que dão as cores aos insetos e às aves.
Já reparou nas cores dos bem-te-vi? Já ouviu o tom amarelo dourado do canto do sabiá?  E o topete vermelho dos quero-quero, por mais que misture as  tintas não consigo criar tal cor.
Por não terem voz, os tais anjos se expressam  mais intensamente com as cores e com o brilho das velas.
Mantém em segredo suas pequeninas aflições, por que existem, quem os criou?
Meus anjinhos, não se perturbem. Fui eu quem os criou. E se existem e tem voz ativa ainda que em  tintas é que ando precisando mesmo de uma fantasia.  Para tornar meu dia calmo e simples numa miríade de luzes e cores.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Cadeia alimentar

Hum.... filés de peixe congelado, salmão em postas, camarões descascados e pré-cozidos, filezinhos de frango congelados e sem tempero,  peito de perú cozido e desfiado, lombo de porco temperado, carne de sol, um cupim, um lagarto redondo, paio, uma peça de filé mignon para os bifes e carne moída.  Pronto! Completei as compras de carne deste mês para a família, arrumei tudo no freezer e na dispensa. 
E agora? Faz frio, o céu nublado-enxaqueca, uma claridade artificial...
É que estou infeliz com nossa condição na cadeia alimentar; estar no topo significa que dependemos das vacas, peixes e galináceos para obtermos a proteína de cada dia.
Acho que seria uma libertação poder ter um rúmen opcional e toda a engrenagem metabólica bovina para transformar capim em músculo.  Até mesmo aquela mastigação involuntária dos herbívoros parece-me mais nobre que matar os bichos para comer e completar nossas necessidades.
Os mais descolados e os alternativos vão falar dos benefícios da soja e das dietas pálidas e verdes que também podem promover o bom funcionamento do organismo, sem matanças.
Os mais extremistas, que não comem sequer produtos de origem animal, têm seus motivos e eu respeito.
Mas acho muito difícil resistir aos bolos e doces que no mínimo levarão ovos e leite.
Depois que parei de fumar, quando passo por um infeliz que acabou de voltar da rua onde alimentou o vício, tenho aflição de eventualmente ter cheirado assim, rançosa e fúnebre.
Compreendo a confusão de um vegan quando passa por acaso em frente a uma churrascaria.
Eu prefiro as carnes magras e brancas mas de tempos em tempos acho uma delícia uma picanha mal passada, temperada somente com sal grosso.
É claro que nesses momentos,  distraio minha consciência, tomando uma caipirinha e alguma cerveja para completar meu pacote de desvarios.
Quando acordo do sonho vermelho, com uma certa tristeza volto às carnes brancas e ao consolo dos cereais, grãos e verduras, consciente  de que essa paz é temporária e que qualquer dia vou me render novamente aos apelos dos sentidos mais viscerais.
Carne vermelha é um vício também...
Pelo menos, dos males o menor.

domingo, 31 de julho de 2011

Próxima estação

Lá se foram meus hóspedes.
Mais uma vez acordei com a casa em silêncio, um pão fresquinho que o Miguel foi buscar para o café da manhã e o cachorro reclamando com fome e desfastio.
É certo que as montanhas e os mares se alternam na natureza e em nós também que somos parte dela.
Tenho um sentimento febril quando a casa está cheia, quero dobrar o valor do tempo, inflacionar os bons momentos.
De volta ao cotidiano, sofro por uns dias antes de retomar meus exercícios e minhas atividades.
Depois vem as lembranças e quentinha com elas termino com o inverno e entrego meu coração à mais florida e pródiga das estações do ano.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

libélula

Uma libélula encantou-se com a luz da minha arandela. Atirou-se, a pobre, como um mártir se atira ao deus de sua fé. Tentamos salvá- la, Renata e eu, mas ela sumiu na penumbra da luz que apagamos para que nao se queimasse. Procuramos: Onde, onde? Nada havia. E pensamos: Aonde, Aonde? Então a vimos atirar-se na próxima arandela, desvairada, louca a entregar-se plena ao destino de um filete de luz. As libelulas e eu nos entregamos assim. Elas àluz e eu às palavras

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Voltar aos 27

Quando tive 27 anos, vivia entre os mortos, mas era uma pessoa comum.
Nada em mim era notável, nem mesmo minha altura que eu fingia ser panaceia para meus medos.
Tinha um medo intenso: Ser invisível.
Porque parecia-me aos 27, que já teria que ser alguém com firma em cartório e carteira de motorista. Usava uma bota velha verde musgo-encardida, que calçava meus pés como uma luva calça as mãos. Era uma segurança emprestada porque a tinha herdado de uma cunhada que era modelo e eu sentia ser a própria musa, a pisar naquelas calçadas tão impróprias...
Quando em um ímpeto meio suicida livrei-me daquele couro apodrecido, senti certa paz. Mas logo agarrei outra herança, um velho casaco surrado, masculino, que ao me tirar as formas me formava e eu era eu vísível. Passei assim meus 27 e  aos 28 era uma fortaleza pronta para criar.
Naquela idade, todo cuidado é pouco para pessoas sensíveis e criativas. Eu nem sabia então que ERA de verdade, imagine se saberia ter toda a volúpia da criação.
Eu superei meus 27... não tive que arcar com o peso enorme de ser notável, de ter fãs, de ter fácil acesso às drogas. Não havia uma família alvoroçada sobre mim, nem a mídia, nem a infâmia, nem nada grande.
Por mais difícil que tenha sido pela angústia de não estar sendo, sobrevivi.
Só por isso posso contar histórias.

domingo, 24 de julho de 2011

São Longuinho

Quando estou perdida, dou três pulos e pronto! Acho-me! Mesmo que a perdição seja ter me atirado ao lixo, saio de lá, tomo um banho quente e cá estou.
Mas São Longuinho é um bom santo para ajudar a achar objetos e não pessoas.
Eu me apossei da reza para me achar às vezes em que tenho um sentimento de ser coisa.
E uso frequentemente a reza para encontrar... desde uma cola Cascorex até um documento importantíssimo que tem que ser encontrado sobre pena de ocorrer um confronto com a lei.
Ai, meu Santo! Ajude-me.
Prometi os clássicos três pulinhos, achei o que já tinha até esquecido de procurar. Chaves por exemplo, achei aos borbotões. Puxa, Santo, agora não adianta mais...
De qualquer forma, resolvi aumentar o soldo e prometi: São Longuinho, São Longuinho, ajude-me a achar este documento e lhe dou... 40 pulinhos! Saí de novo à procura, animada com minha esperteza, puxa ele não vai resistir e vai me ajudar.
Agora, sinto que oferecer  40 pulinhos significa que a causa está perdida...( e aí já seria outro santo, não é?)  Se não acredito que  vou conseguir que ele me ajude com três pulinhos, devo ter jogado fora este papel, entre as revistas velhas...
Mas não posso desistir...
Ofereço de novo: -São Longuinho, São Longuinho se achar o documento lhe dou três pulinhos!
E desta vez confiante e segura volto a procurar onde já procurei.
Enquanto isso tenho uma dúvida prosaica. Se encontrar, dou os três pulinhos de praxe ou os quarenta e seis que prometi?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Uma pedra por dia

Minha varanda em frente à entrada é coberta com ardósia verde oxidada. A ardósia não é lá uma pedra magnífica, mas esse tom verde escuro enferrujado é muito lindo. Não é defeito, ela é assim.   Quando mudamos para cá, a pedra estava pintada de tinta cinza que já começava a descascar.
"Bem, logo mando passar a máquina, pensei; e deixo tudo novo de novo".
Um especialista veio fazer o orçamento: - Ih, "madame" a pedra é muito fina, vai trincar tudo.
"Vou mandar assentar pedras novas por cima! Mas e a ardósia verde musgo-enferrujada??? Perdida para sempre? "  Não tive coragem.
Encontrei um pedreiro que prometeu tirar a tinta com um produto especial que eu não poderia saber qual era. Queria cobrar uma fortuna; achei abusivo e dispensei.
Meu caseiro resolveu ajudar. Conseguiu cobrir meus preciosos seixos  da lateral da varanda com um barro cinzento e grosso.
-" Pode deixar, vou pensar em outra solução. E vire as pedras !" (Para que a vergonha cinza ficasse escondida em contato com a terra.)
Não quero passar tinta de novo, quero as ardósias renovadas, parece-me que cada detalhe confessa-se, quer aparecer, mostrar suas nuances.
Hoje experimento uma química especial para limpar pedras. Colocar o produto, esperar algumas horas, raspar o cinza - ocorre-me agora que é a própria raspadinha, quem tiver sorte ganha um prêmio; descartar o grude... É trabalho pesado, para peão!
Para deixar uma pedra de 30 cm X 30 cm, bem limpa, sem máculas e em toda sua nudez, leva tempo.
Mas decidi que posso fazer. Se trabalhar todos os dias e abater a procrastinação à vassouradas vou acabar conseguindo.
Uma pedra por dia. Um pedra de cada vez.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cavalete

Porque temos tanto? Perdemos tanto nesta confusão de objetos... onde estão aqueles parafusos? E o betume? E a cola especial?
Chega de perguntas! Mãos a obra! Vou arrumar tudo, cada detalhe, separar por cores, intenções, motivos.
Por onde começo se o quadrado do quarto é infinito?
Lado direito da porta! Pronto.
Tenho ali um enorme cavalete, presente do Miguel quando comecei a pintar, Helena ainda era só uma ideia fixa.
Passava horas e horas, madrugadas inteiras pintando intensamente até dar-me conta de que estava gelada e tremendo de frio. Então íamos dormir - o cavalete mudo segurando uma abstração novinha em folha e eu que via as primeiras luzes da manhã e deitava ao lado do companheiro morno do sono restaurador. Levava uma meia hora para parar de tremer e depois dormia em um relaxamento de missão cumprida.
O cavalete que vejo hoje, está coberto de grossos pingos de tinta muito velha, e uma poeira fina demonstra que há muito está no ostracismo. Passo as mãos pela madeira de excelente qualidade, lembro-me de quando fomos comprá-lo e sinto um jorro de emoções.
Miguel sempre estimulou qualquer atividade que eu sonhasse fazer.
Se queria pintar ele trazia livros, aprendia cores, comprava tintas, lápis, pincéis de todos os tipos.
Quando estudei Veterinária ele passou a acompanhar os leilões de gado na TV, trazia livros, mostrava-me os programas e seus novos conhecimentos sobre os bichos. E perguntava tudo. Interessadíssimo.
Com a mesma generosidade, tão característica dele, comprou-me uma máquina de escrever Olivetti - sim estamos juntos faz muito tempo. Ela está em algum dos cantos, entre todos os outros objetos que já não servem mais, mas que tem o dom de vivificar experiências como se fossem um DVD ou  um filmezinho do You Tube. Por isso é tão dificil arrumar o quarto. Acabei de começar e as lembranças veem aos borbotões e me encantam de alegria e saudade.
Uma saudade boa, fermentada, que cresce como um pão em seu descanso antes do forno.
Bom, já deve ter crescido, hora de ir para a cozinha e brincar de cozinheira, minha mais nova obsessão.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Cristo

Assisti ontem a um documentário sobre a construção do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
Uma obra iluminada e abençoada,  em meio à irreverência natural dos cariocas e a reverência ao Criador. 
Muito bonito de se ver, enorme sobre a corcova de seu pedestal, parece-me às vezes que nem deu trabalho, como se a própria natureza o tivesse criado  entre tantas outras belezas da cidade.
Depois da estruturação arquitetônica e de engenharia, ele foi recoberto com placas de um mosaico em pedra sabão,  confeccionadas pelas cariocas (Elas colaram os pedacinhos de pedra nas placas e no verso escreveram seus nomes e pedidos por alguma graça.) 
Vê-se no documentário, a emoção das pessoas que trabalharam e trabalham ali, uma poderosa força mística, que só quem visita o monumento pode sentir com propriedade.
Ao observá-lo de longe, pequenino sobre o morro, sente-se que ele está vigilante e solidário. Mas é aos pés da estátua que perdemos o fôlego diante de tal majestade. Há a altura, o vento,  visitantes de diversos países que lá estão como  números de loteria: por acaso.
E há sempre alguém disposto a fotografar o outro, que se coloca de braços também abertos, em frente ao Cristo, imitando sua postura.
É quase impossível não repetir o gesto.
E é impossível sair dali sem a emoção e o  encantamento que o divino propicia.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Felicidade

Quando somos muito felizes, quase esquecemos que um dia houve uma história sem fim de sombras noturnas e sombras diurnas. Uns bichos de mau agouro, que se debateram em asas sobre nossas cabeças e que fugiram de nós com medo dos nossos presságios.
Quando há felicidade e podemos rir satisfeitos de  mais uma vez ter conquistado, ter amado, ter sido humano; parece-me que nestes dias iluminados e tépidos, nem lembramos das roupas escuras e tristes e com cheiro de mofo dos anos guardados à oito ou dez chaves.
Depois, em dias mais tristonhos, revendo fotografias, avaliamos: como pude? Como foi mesmo? Como era mesmo?
E queremos arrancar das imagens a alegria que uma vez foi tão palpável que se estampou em nossas fisionomias.

domingo, 17 de julho de 2011

Lobo mau

Voltei para casa!
Todos os móveis conhecem minhas curvas, nada de chutar o pé da cadeira ou bater no vidro da porta da varanda.
Também trouxe de lá uma mancha roxa no quadril que consegui sustentando minha tralha pesadíssima a alguns centímetros do chão. Não queria macular o granito da sala com as rodinhas da mala.
Voltei para casa um pouco mais rica, com mais experiências compartilhadas e rememoradas em meio a muita risada.
Tenho novas formas de minicup cakes e lindas  forminhas de papel decorado que dá até dó  usar.
Quero escolher a melhor receita, fazê-los com amor e torná-los pérolas comestíveis.
O tempo em Uberaba é traidor, quanto mais cedo levanto mais rápido ele passa.
Decidi tratar o tempo com respeito, este senhor lobo mau que nos engana e pune.
Vimos juntos fitas em VHS, dos anos 80, quando a inflação subia por hora e mesmo assim pudemos ser tão felizes às vezes. Aliás muitas vezes.
É o tempo, esse trapaceiro, que faz a gente esquecer muitos dos bons momentos.
Mas deixa estar, a gente resgata tudo nas férias.
E tratamos de resgatar os bons, só os bons cabem nas horas que temos.
Cada um faz sua edição das histórias; e as lembranças se misturam em uma teia de aranha complexa.
Mas o melhor que há, mesmo, é a alegria do reencontro, os abraços tão apertados e a cesta de doces e bolos com que a mãe da Chapeuzinho nos brinda a cada encontro.

terça-feira, 12 de julho de 2011

DNA

Caminhava com ela, ao lado dela e no meio de muita prosa às vezes olhava para ela e me via, assim novinha.
Era eu que nela era a outra que em mim produziu-se.
Era bom!
Que boa risada, menina, que menina alegre e forte!
A companhia dela é dupla, tripla, um povo! Não há sozinho, nem procura, é!
Mas às vezes, como se não bastasse a surpresa de ver-me nela, via a Martha. Num mosaico dinâmico, ora era a tia, ora era eu.
Gente, era ela mesma! Única, linda, completa.
Depois disso ficar tão longe ficou mais fácil.
Bem aqui no fundo da alma sei que comigo tem uma parte de mim que pertence a ela, e uma parte do pai que não me pertence... e isso me conforta!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

King

Mais de uma vez por dia, todos os dias, por todos estes anos, lembro-me dele.
É mais dolorido nesta época do ano em que a temperatura se assemelha àquela em que ele foi arrancado brutalmente da minha vida. Ainda era paixão, mais do que amor. Ainda não tinha desgostado, sabe, falo destas pequenas compreensões das diferenças do outro, que aparecem em todas as relações de amor ou amizade.
Era tudo muito intenso, infinito, definitivo.
Não me cansava de olhar, acarinhar, procurava a todo instante, onde está? onde está? Com certa apreensão, para em seguida encontrá-lo brincando com a sombra da árvore, ou com os ramos de trigo seco da floreira.
No fundo eu tinha muito medo de perdê-lo e quase que já o perdia quando o perdia de vista.
Por que tinha que ser?
Hoje tantos anos depois quando ainda sinto sua presença atrás do sofá para dar um bote, estremeço de mágoa,  estou machucada, uma ferida que não cicatriza.
Nenhum linimento acalma, nenhum outro ser substitui, vou carregar para sempre a dor da ablação daquela veia recém transplantada para meu coração.
Ainda choro às vezes, um soluço sentido e visceral.
Reparar a perda é um processo longo e diário, eu sei bem.
Mas quando a perda foi violenta, quando o tomar foi agressivo, nunca nos perdoamos.
Se eu tivesse esperado um pouco mais, se eu tivesse evitado o passeio, se eu tivesse vigiado mais.
E se eu tivesse desistido antes de brincar de divindade, que tudo pode e que tudo quer.

sábado, 9 de julho de 2011

Vinícius e Frederico

Ontem foi um dia especial. Foi aniversário do Fred, meu sobrinho querido que atualmente mora e trabalha em São Paulo.
Também comemoramos, aqui no Rio, o segundo aniversário do Vinícius, um menininho muito esperto, filho do Léo e da Priscila. Fazia tempo que não íamos a uma festinha de criança. Fiquei muito encantada com o espaço da casa de festas, havia atividades muito modernas para as crianças como tirolesa e paredão de escalada, além dos clássicos: piscina de bolinhas e animadores. Feliz, comendo salgadinhos deliciosamente calóricos em boa companhia, lembrei-me das festas do Frederico e da Helena.
Compareci a pelo menos dois aniversários do Frederico, ainda na época em que não tinha a Helena e morávamos em São Paulo. Íamos com mais frequência até Uberaba e pelo menos duas vezes participei ativamente das festas. Numa delas fazendo o bem - era o auge das tartarugas ninjas e eu desenhei e pintei as verdes criaturas em camisetas para as crianças da festa. Adorei fazer isso e as crianças curtiram bastante. Não sei se na mesma festa ou em outra estive "do lado negro da força". Enquanto distribuía os balões, a meninada jogava ao chão, pisava para estourá-los e em seguida corria para buscar outro.  Acabei surtando e estourei todas as bolas que restavam sob os olhares amedrontados das crianças. A Fernanda, mãe caprichosa, sempre filmou as festinhas e registou este momento de maluquice. Ela também tem guardadas cenas inesquecíveis de quando presenteou Frederico com um cãozinho dentro de uma caixa com laço de fita. A surpresa e a empolgação dele, pulando junto com o cachorrinho é de chorar de emoção. E também outra cena, esta assustadora, quando uma daquelas velas que lançam faíscas acabou queimando toda a mesa do bolo para desespero dos convidados.
Ano passado estava em São Paulo nesta época e Helena e eu almoçamos com o Frederico e demos muitas risadas. Ele ficou um tanto aflito quando viu que a vela era daquele tipo maligno, mas nada havia ali para queimar, a não ser nossas pestanas, que foram poupadas.
Vale muito a pena comemorar aniversários, principalmente dos pequenos.
Se não pelos docinhos e o bolo, pelo menos pelas doces lembranças que nos trazem de nossas próprias festividades.