quinta-feira, 27 de maio de 2010

Felipe

Um dia, um gato chegou e foi ficando. Faz quinze anos e ele ainda fica!
Bom garoto, companheiro demais, sempre sentiu meus desconfortos e doenças e vem miar no meu colo; ele me consola.
Fico animada com ele, funcionamos como um casal.
Agora que está bem doente, olho para ele e penso: como vai ser possível?
O que vou fazer sozinha sem a sua companhia ?
Essa é a maior tristeza de ter bichos: Eles morrem antes, envelhecem antes. Assim, ter um bicho ainda que seja desde filhote significa que ele vai embora antes de nós e somos nós a lidar com a perda.
Assim funciona a natureza.
Seria bom se pudéssemos todos desligar juntos!
Como quem desliga o rádio. Como quem faz uma escolha consciente.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sinfonia

Tenho egofonia. Escuto os sons dos meus órgãos. As vezes soam bem desafinados...
Ao deitar-me, ouço meu coração batendo como se ouvisse o coração de minha mãe de dentro do seu útero. Sei que sou eu, mas mesmo assim me espanto. É que fico calma me ouvindo bater.
Também ouço o som do mar, que vem da concha do meu ouvido desligado. É eterno, definitivo, remonta ao abissal que a concha ainda recorda.
Quando estou correndo ouço minha respiração ofegante nos intervalos entre as músicas do Iphone. Quem passa por mim deve achar que estou forçando demais, que deveria caminhar um pouco.
E a minha barriga? Tem vida própria. Um som aflito, quase arrogante, uma convulsão. Minhas entranhas querem entrar na conversa e atrapalham, morro de vergonha.
Exercícios de agachamento são as batutas que comandam os estalos dos meus joelhos. É um craquelado auditivo.
De som em som, viro uma sinfonia.
Preciso parar de prestar tanta atenção em mim...
Tocou a campainha e eu vou indo curiosa saber quem é.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Quebra-cabeça

Escuta, voce precisa pensar com clareza, não desmonte todo o quebra-cabeças pela falta de uma ou duas peças. Ele tem sua beleza assim também, incompleto.
As pessoas e coisas são menos que tudo, são imperfeitas.
Todo o trabalho que deu, escolher o motivo, encontrar o canto em que coubesse montado, aquela mesa em frente a janela que não é muito utilizada no dia a dia.
Horas e horas de cuidado, alguns momentos de angústia e aflição quando tantas peças servem mas não são.
E a delícia de localizar justamente aquela que faltava, o pedaço de céu  azul, no meio de tantos  azuis.
Porque os quebra-cabeças também simulam verdades que não são. E a gente, nós que o estamos construindo, temos que abrir o jogo, encarar as dificuldades com paciência e zelo e deixar de lado a intolerância.
Afinal, estruturar mais de mil peças tão pequenas é como criar algo ou alguém.
Se esbarram na mesa, uma peça pode cair  e ficar ali no chão empoeirando, mudando de tom. Pequenas nuances de personalidade, pequenos defeitos de carater. Isso é tão normal...
Imagine que você também foi construída, peça por peça. E que choveu e trovejou e o sol ardeu nas costas e no rosto e nem sempre as divisões foram justas e nada mais pode ser feito agora.
Imagine que toda a natureza, desde seu DNA e todas as pessoas a sua volta, durante tantos anos moldaram sua forma de ser como as mil peças que é.
Quando puder aceitar um quebra cabeças quase completo, quando puder encarar a tristeza da imperfeição com  tranquilidade, vai ser muito mais fàcil viver, envelhecer e depois morrer, destino de ser vivo..

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um tal de meião!

Não sei quem lançou a moda, mas cá pra nós, que coisa mais feia!
Na academia, tudo bem é feioso mas pelo menos é em um ambiente fechado, sem sol.
Mas o mais comum é ver na praia, mocinhas entre 15 e 30 anos, usando os tais meiões!
Elas falam com gosto: -Meião!
O cabelo preso em um rabo de cavalo, o rosto coberto com protetor solar fator 60 (daqueles que ficam feito máscara de palhaço), tops pequeniníssimos, no máximo camiseta regata, shortinhos bem curtos ou até o meio da coxa, tênis e meião!
É uma meia tres-quartos, dessas de jogador de futebol, mas são brancas ou cinza-clarinhas no máximo. Assim, completa a fatiota, os joelhos ficam à mostra, vermelhos de vergonha!
Nesta foto, a moça ainda está no supermercado, e não aparece nenhum pedaço de pele entre a bermuda e a meia. Menos mal. Mas ando tão incomodada com essa moda ridícula que só de ver um meião, arrepio.
Vai saber por que?
Essas cariocas nonsense...


terça-feira, 18 de maio de 2010

Tin tin

Preciso de umas férias com você.
Assim, o tempo todo, quero cansar de ver, quero querer brigar de tanta fartura de presença.
Quero discutir tudo, falar sobretudo; sobre ontem, anteontem e as consequências e nada.
Uma semana que seja, "full time". Para eu me certificar que saudade tem cura, basta encher o copo.
Para eu acreditar que existimos e que nossa vida até agora, eu não sonhei.
Quando acordar e bater a mão ao lado, vou sentir sua presença maciça, farta, completa, ah como eu quero!
Ter a segurança da certeza e incorporar todos os seus sabores e seus sons.
Boas risadas de novo, bons abraços, muitos, muitos carinhos.
Depois disso ficarei pronta.
Para o primeiro gole do próximo copo. Tin tin




quinta-feira, 13 de maio de 2010

Terra mãe

Tenho um vizinho que construiu uma quadra de tênis. Ele joga todos os dias, várias pessoas vem jogar. Providenciaram uma tela bem alta, mas ocasionalmente cai uma bolinha no meu jardim. Hoje pela manhã achei que tivesse visto uma e fui apanhá-la para jogar para o outro lado. E então vi que era de fato um maracujá, desses de comer com colher, de um pezinho que meu jardineiro plantou pouco tempo depois de nos mudarmos para cá. Procurei entre a folhagem e encontrei mais dois! Como é bom ver a terra agradecer os cuidados que temos com ela. Ela é generosa e eclética. E eu adoro essas surpresas!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Perdi a coragem

Onde foi que deixei minha coragem?
Ontem quando fui dormir coloquei-a sobre o criado como faço todas as noites, porque o medo é essência do sonho e deve expressar-se livremente.
Acordei com frio, vesti a coragem e um roupão quentinho e fui tomar café.
Depois saí para uma corrida e senti falta dela...
Será que ficou no bolso do roupão? E se deixei em cima da mesa quando fui abrir a porta?
Não, troquei de roupa, vesti um moleton e ela ainda estava comigo.
Só falta ter deixado cair pelo caminho! Nunca mais vou encontrá-la.
Já aconteceu de roubarem coragens aqui no condomínio...e cruzei com uma mulher de uns 60 anos muito suspeita. Ela vestia uma roupa preta, um vestido de malha com barra desigual e decote canoa. Foi com inquietação que percebi que era um tanto dissimulada atrás dos óculos de Jaqueline. E  então ela abriu um sorriso franco, impróprio até, quando passou por mim...
E seus sapatos cinzentos de salto agulha, toctocando pelo caminho?
Nem pude perguntar quem era ela....foi aí que minha corgem me fez falta. 

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Vai passar, filhinha, vai passar.

Quando minha filha era um bebezinho de dois palmos e 3 quilos, em tempos de cólicas, eu a embalava devagar, apertando sua barriguinha dolorida contra a minha, tentando aquecê-la e esperava.
Cantava e falava com ela durante todo o tempo da cólica, que em geral acontecia no finalzinho da tarde, quando começava a escurecer.
Era muito sofrido para nós duas, mas a dor maior era a dela.
Desde então compreendi que vou passar com ela todas as dores que lhe aparecerem pela vida, enquanto eu existir, talvez até mais.
Porque enquanto somos filhos, tudo somos nós.
A maternidade amplia exponencialmente os complexos dessa relação tão desigual, quando dispomos de poder sobre a vida e a sobrevivência. Embalados em nossos sentimentos, em nossos braços, os bebês se alimentam do que recebem, seja leite, afeto, tristeza, dor...
Mas existe o reverso dessa experiência.
É quando as mães se tornam idosas e precisam de ajuda. Cada filho quer seguir com sua vida adulta, cada um tem suas próprias rotinas e as mães ficam lá esperando de novo por nós, desta vez sem tanta expectativa, já que nos conhecem bem.
Esperam e esperam.
E quando sofrem, quando sentem cólicas ou outras dores, só nos resta  mesmo abraçá-las, ampará-las e ir dizendo em seu ouvido, compassadamente: -"Vai passar, mamãe, vai passar".

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Cores

De dia, as cores e as dores  se acham por toda parte e depois, preto no branco escondem-se nas árvores até o amanhecer.
Eu já vi sair de mim, uma centena de verdes, dos pálidos aos cítricos, só pra se esconderem nos beirais.
Os vermelhos quando saem,  assim todos de uma vez, cheiram a rosas, mas se misturam rapidamente com o caramelo das panelas de pudim e enviezam para atrás dos móveis.
Uns marrons envoltos em penumbras olham e piam corujosamente.
Os incautos amarelos saem de dia e se perdem, desmascarados, na luz.
Fico vendo o movimento das cores pela vida.
E é então que sinto tanta pena daqueles que são preto-no-branco demais!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Felizes para sempre

Fico aqui pensando, pensando.
Alguns dias são muito melhores que outros e hoje é um dia vazio.
Um dia lindo na verdade, mas vazio como a camada invisível de ozonio.
Penso que as historias de vida, quando sobrepostas, podem ser transformadas em pequenos sonetos de amor.
Podemos brincar com os finais das histórias. E se não houver nenhuma boa alternativa, ainda que o caos tenha se instalado montanha abaixo, ainda podemos dizer:
E"foram felizes para sempre", seja lá o que for que isso signifique.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Cai, cai, balão

Em Berlim está exposta a queda fatal do super-homem, trabalho do artista Marcus Wittmers.
Quedas estão em ascenção.
O super-homem quebrou a cara. E não pode mais voltar o tempo da terra e desfazer "como um deus o curso da história," citando Gilberto Gil.
Cair é perder a estabilidade e fraturar-se, sejam quadris, joelhos, clavículas ou tornozelos.
E depois ficar preso ao corpo álgico, que lembra e relembra a cada movimento o que não deveria ter acontecido.
O mais triste é que não aprendemos com o "castigo". Em pouco tempo caímos e fraturamos de novo  e até chamamos o evento de destino e sacudimos a cabeça, que pena, que droga, porque fui cair?
Até parece que anjos andam cantando muito o cai cai balão.
E eu fico aqui o dia todo torcendo: Não cai não! Caia aqui na minha mão!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Casa vazia

Uma casa vazia.
Uma chuva medonha.
Uma dor muito aguda.
Um quadrado meio torto de luz desenhado pela vidro da janela.
Uma torrente de imprecações.
O zelo, o zelo.
O gato malhado.
Alguém cheio de vida.
A tarde inteira para dormir.
A insensatez do mar, indo e vindo..
Esqueça, esqueça.
Dói demais e eu não sinto.
Ao respirar profundamente encontro a adequação.
A casa....vazia.