quinta-feira, 28 de abril de 2011

O irmão mais velho

Amanhã muito antes de ser o dia do casamento real é o aniversário do meu irmão querido.
O casamento só vai coroar a data, importante para mim desde que pude compreender o sentido da fraternidade. Pois ele é o irmão de todo o mundo, aquele que todos querem próximos porque  nos mantém aquecidos e confortáveis. Herdou do meu pai a bondade e a benevolência, seu coração abraça forte e amplo como seu abraço.  Dos Mendonça herdou também a compleição física, o ar bonachão, sossegado e também aquela tristeza de vida que ele vai relevando como pode.
Estamos distantes faz muito tempo, nos vemos uma ou duas vezes por ano  por uns dias acelerados que num piscar de olhos já se acabaram.
Mas a todo instante acho que ele vai aparecer na janela do meu carro ao invés do flanelinha, a me fazer uma surpresa, dessas de doer o peito. Constantemente ouço o riso balançado e a voz grave, professoral se não fosse também aveludada.
Estou escrevendo hoje porque amanhã todos estarão ocupados com o casamento.
Eu também vou acompanhar o tocar dos sinos. Mas é no Tãozinho que estarei pensando. Enquanto vejo o desenlace real lembrarei de episódios da minha  vida ao lado dele. E da alegria e orgulho que tinha e ainda tenho de chegar para quem vier e apresentá-lo: Este é o Gastão, meu irmão mais velho!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

E por falar em príncipe

Minha casa tem agora o cheiro bom dos jasmins e de outras flores.
Da cozinha, vem  o cheiro bom e quente do café  fresquinho.
Ainda a pouco sentia o aroma do bolo de banana no forno.
Ontem ousei assar maçãs imaginem; comemos com um pouco de sorvete.
Se está frio, fecho todas as portas e janelas e o ar aquecido é agradável, quase doce.
Ouço o  portão se abrir e do mundo lá de fora chega um príncipe com seu cheiro bom e leve, sem as amarras do tabaco.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Páscoa

Na Páscoa passada, comi chocolates.
Nesta também... e o que há de renovação nisso?
Mistério... lá no fundo a esperança de renovação existe e eu me agarro a isso para comer chocolates sem culpa. Bom, com menos culpa. Eu estive bem programada. Comeria chocolates ao meu bel-prazer (que é imenso) e hoje voltaria aos exercícios e ao controle alimentar. Dito e feito.
Desta vez passei por momentos que beiraram a indigestão. Cheguei a pensar que nunca mais conseguiria comer  uma barrinha. Que nada, questão de horas e eu já me lambuzava toda outra vez.
Hoje, pela manhã corri atrás do prejuízo. O exercício me faz tão bem quanto o chocolate, ainda bem.
O bom de se renovar a cada ano é que somos menos exigentes na maturidade. Assim aceitamos com mais complacência nossa complacência física. E também nos tornamos mais solidários com quem tem dificuldades para emagrecer ou tem diabetes. "Coma só um pouco, algo tão bom não pode fazer tanto mal..."
Mas fico pensando  nos meus triglicerídeos; eu também estou correndo riscos, mas como aprender a ser moderada quando se é dos extremos?
E é tão certo quanto  os chocolates da próxima Páscoa,  que estarei um ano mais velha e que comerei chocolates para sempre.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Instinto

Estavam os três a caminhar - mãe, filha e cachorro-salsicha, quando passou por eles um motoqueiro desatinado, que parecia querer livrar-se de um animal. Ele parou a moto mais à frente, chutou o bicho para o meio da avenida e literalmente fugiu. A filha, incapaz de lidar com o abandono, foi até ele - tratava-se de um gatinho de uns dois meses, um vira-latinhas branco de olhos azuis, muito, muito estressado e com o rabo ferido e sangrando... Ela levou o bichinho ao veterinário, deu  vacina, vermífugo, anti-pulgas, comida e água, cuidou dele.
Pois a filha é dessas pessoas que cuidam por princípio. De pessoas, de bichos, de casas, carros, papéis... Mas principalmente de bichos. Por que? O que faz com que individuos da mesma espécie amem, desprezem ou maltratem?   Ela cuida por instinto, o cuidar atávico que acontece as vezes com gente, a outra face da loucura também atávica que destrói, que mata.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fiapos

O rato roeu mais de cem das roupas que foram jogadas no baú. De cem havia agora mais de mil paninhos.
Uma costureira apanhou tudo, lavou e recortou com capricho os fiapos franzidos pelos dentes do roedor.
Dos retalhos fez uma colcha linda em matelassê; colorida e versátil como todos os donos das roupas que um dia as usaram antes de serem rejeitadas.
É assim na vida.
Grupos sociais, mesmo que em harmonia, contém muitas roupagens contrastantes: ambiguas,  incompreensíveis,  amáveis, tolerantes, sadias, violentas e outras ainda um mistério.
Só nos resta mesmo apreciar o conjunto, cobrir e aquecer os mais próximos e torcer para que o mundo acorde em paz.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Acabou o sol

A academia fica no terceiro andar e todos os dias pego o elevador. Poderia subir de escadas e já ir aquecendo mas aquele quadrado de aço inoxidável me convida tanto...
Acontece que de tempos em tempos falta luz na região. Estão fazendo grandes reparos na avenida das Américas e os transtornos são enormes, mas as mudanças valerão a pena. 
E quando falta luz a academia não funciona, claro. É triste chegar até lá para malhar e ver o breu absoluto no prédio; não é possivel ir pelas escadas, a escuridão é medonha e eu nunca  me  lembro de levar uma lanterninha ou uma vela. Além disso o que vou fazer lá em cima? Sem a bicicleta para o aquecimento e sem o ar condicionado para o resfriamento, não dá. As vezes insisto, peço ao zelador - pode subir comigo? E ele vai lanterna em punho iluminando meu caminho. Fico lá por uns  tempos, esperando pela força e converso um pouco, nós meninas  sempre temos algo a dizer. Se a luz volta antes de acabar minha paciência e minha vontade de conversar, vou feliz fazer o circuito. Se não, acabo descendo as escadas no escuro definitivo. Abro bem os olhos, pisco e repisco, pelejo para ver e vou tateando as paredes bem devagar. 
Hoje, depois de três dias de sol, amanheceu um pouco nublado e durante a manhã o tempo foi fechando. A partir de quarta-feira os cariocas já começam a viver na expectativa do fim de semana para programarem a praia e outros eventos.
Quando cheguei na academia, o zelador a título de cumprimento exclamou: Hum, acabou o sol, né?
E eu para ele: Ainda bem que acabou o sol e não a luz!
Ele deu uma sonora gargalhada! 

terça-feira, 12 de abril de 2011

Depois não vá dizer...

É assim.
A gente vai levando, desliga todos os sinais de alarme em um  faz de conta obstinado, para cumprir com a rotina que é a vida a passar na frente, disparar para longe. E nem adianta fingir que não viu... - "oh, aconteceu comigo" - porque acontece inexoravelmente com todos.
Quando insiste em desembestar, quando troca a velocidade pela aceleração, não tem mais jeito. Sabe aquele arremessador de funda? No começo do movimento nem parece que vai conseguir uma aceleração daquelas. E eles precisam ser bem pesados para segurar o tranco e não sair da roda demarcada. E que pontaria. Quanto mais longe alcançam maior será o estrago. É assim com todos.
A aceleração, essa mulher ingrata, prepotente, leva de roldão nosso melhor pesadelo e o transforma em dura realidade.
A glicemia pressiona alto, há falta de ar, insônia, decadência.
Depois não vá dizer que  não avisaram...

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Volte a viver

Que bom que voce voltou! Sentia falta de uma alma feminina. Durante tantos anos convivemos, voce, eu  e as gatas.
Andei melancólica, sabe?  Senti o abandono, estou ainda  machucada.
Por que entregou suas chaves? Por que  foi embora?
Ontem, quando abriu a porta e entrou conferindo as diferenças foi que compreendi porque os meninos estiveram tão agitados!
Agora que está de volta, abra minhas janelas; andaram  fechadas  na maior parte do tempo e você sabe como  adoro o vento. Deixe-me bater as portas e sacudir as vidraças, esta sou eu.
Na cozinha, falta uma porta da pia, parece-me que estou sem um dente, pode providenciar?
E arranje um bom defumador, espalhe seu bons fluidos, volte a viver aqui plenamente.
Volte a viver.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Doce lar

Fui procurar na Tok Stok uma mesa de apoio para o fogão. Claro que me distraí com muitos outros objetos e  fui enchendo o carrinho. Um puf, um quadro, uma almofada, copos bonitos, aromatizantes de ambiente, (calma Beré, estamos a pelo menos 400 km de distância); olhei vários tapetes, procurei mantas para sofá, divaguei pelos mimos decorativos;  foi muito bom para arejar o "sótão". 
Pensava em quando era casada de pouco e fomos comprar móveis na recém inaugurada Tok Stok. Era uma loja bem pequena para os padrões atuais. Dois andares em uma esquina com a Av Ibirapuera. Desde então tinha muito estilo. E um bom preço.
Quando percebi que já ia em direção ao caixa lembrei-me do que fora fazer ali. Lá fui eu atrás da mesa de apoio, que encontrei rapidamente e coloquei por cima de tudo. Na fila do  caixa  alguém tocou  meu braço. Levei um tempo para reconhecer. Era a antiga dona da minha casa. Pareceu-me muito envelhecida, será que eu... bom, esquece! Depois dos cumprimentos ela perguntou: Você ainda mora lá, naquela casa?  Qual casa? Aquela, no Village. Ah, a minha casa! Claro que sim! Ela olhou para mim desconfiada, sem compreender porque eu gosto tanto da casa que ela conseguiu me vender.  É provável que ela não tenha se dado conta enquanto morava aqui, de que estava de passagem. Mas eu sempre soube. É que  a  casa  é minha desde que foi construída.   Em algum lugar do mundo estava o meu lugar. E é com orgulho e muito conforto que reconheço o meu canto. O nosso canto.
Quando chegou minha vez de passar  pelo caixa, tratei de excluir o que não precisava. Quase tudo.  Fiquei com a  mesinha e uma  moldura para enquadrar a imagem mais bonita -  doce lar!

Vermelho ainda

Os vermelhos espalharam-se pelo corredor vindos de vários pontos. Minutos antes, cada vermelho em sua veia, eram harmonia e vivacidade. Quando se uniram se estranharam, muitos eram incompatíveis.  Depois coagularam, destino de todo vermelho que se aquieta.
Lavaram o chão, mas o vermelho estava lá,  então lavaram de novo e desta vez somente traços da cor  sobreviveram.
O vermelho é a menção honrosa da vida, tão pungente e primário, seu destino é ser trágico e apaixonado.
Carrega com ele a expectativa da vida, o tromboembolismo e o desastre.
Em grande evidência, em seu manto real não nos poupa do assédio.
E ficamos muito tristes quando é derramado cedo, àtoa, barbaramente.
Uma cor que se basta.
Depois dele, só mesmo o negro em sua ausência de luz.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

MEDO

terça-feira, 5 de abril de 2011

Vá com Deus!

Sentado sobre a mureta, com ar cansado, contraído, fumava um cigarro de palha.
- O que foi, senhor Antônio, está doente?
- Não, não, está tudo bem, só estou esperando a máquina esfriar (Estava cortando a grama.)
Algumas horas depois voltei ao jardim e ele estava em pé e olhava longe para lugar nenhum enquanto comia um pedaço de pão.
- Está mesmo tudo bem?
- Sim, só vim comer alguma coisa antes de continuar, senão...
Não disse mais nada. Fiz o pagamento, acrescentei um "agrado" de Páscoa, ele sorriu contente.
Falou alguma coisa com o cachorro, que chegara para participar da conversa. O nome do bicho é Haus mas ele o chama de João.
Hora de ir embora, despediu-se como sempre -  Fica com Deus, boa semana e até sábado se Deus quiser; brincalhou com o "João" e foi-se.
Fiquei pensando de onde veio essa minha inquietação com ele, que tem um coração doente, pronto para explodir..
Mas, não, não foi pelo coração que senti o alarme. O olhar tinha uma densidade inesperada. As mãos um tremor inusitado.
Vasculhando aqui dentro encontro arestas não aparadas- super aquecimento da máquina.
Sou eu de novo que me deposito no primeiro anteparo...
Paciência. 
-Vá com Deus Sr Antônio, boa semana e até sábado se  Deus quiser!

domingo, 3 de abril de 2011

Taylor

Nós dois temos o hábito de inventar apelidos um para o outro. Isso nos torna ainda mais íntimos e cúmplices. Muitas vezes o motivo se perde mas o apelido continua.
Faz um tempo, mais de um ano, numa das vezes em que eu, com a sensibilidade que dormita sob a pele exposta como em um esfolado, cheguei em casa com a auto-estima a se  esvair pelo ferimento. Fiquei o resto do dia arrasada e acabei cochilando antes dele chegar do hospital. 
Quando entrou na sala, pareceu-me ter ouvido que me chamava - Taylor. Sentei no sofá e perguntei - Você está me chamando de Taylor?  Ele disse que não, riu um pouco, eu acabei de acordar e a vida continuou em seu curso manso. O apelido vigora entre vários outros.
Na semana passada, quando soube da morte da Elizabeth Taylor, lembrei-me do que sonhava naquela tarde: Ele dizia: "Você é minha Elizabeth Taylor".
O meu inconsciente trabalhava para melhorar minha figura e eu me sentia linda, carismática e poderosa como Lis Taylor foi.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Vida de cachorro

Tenho um péssimo hábito. Vivo para beliscar. Nem que seja um talinho de aipo, preciso ter certeza de que alguma coisa comestível está me aguardando para os lados da cozinha. Bebericar então é uma necessidade. Felizmente posso beber chás de todos os tipos sem açúcar ou adoçante; e café, também puro.
A nutricionista ensinou: Coma de três em três horas e não pule as refeições. Então, tá! De três em três faço refeições e nas outras horas belisco. Hoje compreendi com clareza este vício animal. É que meu cachorro, que fica com a cara apoiada na soleira da porta, olha para mim vivamente cada vez que venho da cozinha. Que  nada, ele olha fixamente para as minhas mãos!!! E o mais incrível: se venho do quarto ele fica impassível, bochechas escoradas. É fácil treinar um cachorro. Basta ir fazendo o que ele quer. Atualmente, como não passeamos mais pelo condomínio, a vidinha dele é bem medíocre. Acorda, comida. Deita. Carinho do patrão. Bochecha na soleira. Carinho da patroa saindo para correr. Bochecha na soleira. Patroa de volta. Rabinho a mil. Levanta e espera que eu volte da cozinha. Come o pedaço de banana. Eu também. Bochecha na soleira. Cochila. Sonha e uiva. Haus?! Ele acorda. Olha para minhas mãos. Vazias. Bochecha na soleira. Volto do quarto, ele nem tchum. Venho pro computador. Ele dorme de novo. Acorda e vai até ao portão. Lata, late, late com algum vizinho besta que vem atiçar a fera. Brigo com ele. Ele pára de latir, dá uma mijadinha na roseira, suspira e volta pro travesseiro-soleira. Venho da copa e ele boca um bago de uva. Volto pro computador. Confiro meus emails, escrevo um pouco, visito meus sites preferidos, tomo uma coca-cola e vejo que o tempo está mudando. Para o cachorro tanto faz o tempo. Vou de novo até a cozinha, abro a geladeira, vasculho, droga, preciso parar de comer toda hora. Volto contrariada. O cachorro olha fixamente para minhas mãos e constata. Nada dessa vez. Espreguiça, volta pro cochilo, agora de barriga para cima, patas ao léu. Não resisto e vou até lá fazer carinho e falar com ele. Depois sob protestos caninos, levanto e vou lavar as mãos e de novo passo pela cozinha. Desta vez um pedaço de queijo. Venho comendo e jogo para ele dois pedaços pequenos, só para vê-lo tentar pegar os dois ao mesmo tempo. Dou risada. Ele cata o que caiu e come com prazer. Na próxima pausa vou comer um pedacinho de chocolate. Ele vai olhar com esperança para minha mão e me acompanhar até  eu passar em frente a porta e continuar em direção ao sofá.. Ele tira os olhos de mim e volta a cochilar. 
Esse cachorro tá gordo...
Nesta minha vez de suspirar concordo com tristeza com o poeta:
Eta vida besta, meu Deus!