quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pré-escola

Em minha última visita ao mercado de frutas, assisti a uma cena que me deixou saudosa dos tempos em que era adolescente e ajudava a Clara nas aulas para o pré-primário na escola Rui Barbosa.
No mercado, umas 15 crianças ouviam com atenção à descrição das frutas e suas propriedades, pela professora:
- Quem sabe o que é esta fruta?
Várias vozes magrinhas e agitadas tentavam dizer em uníssono: Coco, coco! É um coco!
- Isso mesmo é um coco. Este está seco e este está verde. Quem sabe o que tem dentro dele? Ela disse elevando a mão com o espécime verde.
Silêncio, entreolhares e um deles grita levantando a mão:
- Água de coco! E os outros repetem como cara de: "É mesmo!" - Água de coco!
E a professora: - Esta fruta é muito rica em vitamina C.
- E como se chama esta fruta?
Gritinhos histéricos: Tamarindo! É tamarindo! Alguns fizeram cara de azedo, outros nunca tinham visto aquilo.
Continuaram assim por um tempo, descobrindo os prazeres e as funções das frutas.
 Há quarenta anos, experimentávamos o azedo e o cítrico antes de aprender o nome. As crianças aprendiam a ler nas cartilhas e a escrever em cadernos de caligrafia. Ouviam histórias que a professora lia a partir de um livro.
Agora, com tantas informações vindas de toda a parte, televisão, computador, viagens internacionais, celulares,  é bom mesmo que se agilize o aprendizado e que se exponham as crianças ao máximo.
Haverá um tempo em que se aprenderá a ler e a escrever pelo ultrassom, ainda dentro do útero.
Talvez eu ainda veja este avanço... Ou não.

domingo, 27 de maio de 2012

Para Samia

Vinte e sete de maio de dois mil e doze.
Dia abençoado por Deus: um céu azul magnífico, temperatura agradável e a antecipação da felicidade nos olhos e na postura de minha mais doce amiga.
É ela que me acalma com um sorriso bem aberto e repleto de uma serena empolgação.
Tem o porte e a elegância de princesa, daquelas mesmo que admiramos nos contos de fada; aquela que sonhamos ser.
Já a vi chorar, mas jamais levantar a voz, que tem por fortuna ser ponderada e discreta.
Mas a paixão aflora aos seus olhos quando fala do seu querido, seu grande amor; aquele que no princípio era  um amigo, um companheiro de aventuras.
A maturidade dessa paixão tornou os dois mais fortes, os laços que se criaram transparecem quando estão juntos; estão radiantes.
É este o instante mágico de unir forças e montar um castelo de verdade.
Que o seu príncipe de olhar travesso e sorriso sedutor a faça muito feliz e seja também feliz.
Como somos Miguel e eu, como quer o criador; e para sempre.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Faltam 3 dias

Não entendo... não sei porque acontece...
Basta resolver cortar o cabelo para ele amanhecer tão lindo que dá até dó mandar passar a tesoura. Mas vou em frente.
Pensando bem, será que existe alguma fada-madrinha de cabelos bem curtos?
Porque é isso que quero ser, para isso estou cuidando da pele, das mãos, dos cabelos.
Vestido novo muito chique, sem babados ou  laços espalhafatosos ou decotes tridimensionais... Não, prefiro ser madrinha de cor vinho, roupa bem comportada, maquiagem discreta e muita empolgação. Às vezes até parece que a noiva sou eu! Que emocionante!
Espero que sejam muito felizes.
Eu sou!

terça-feira, 22 de maio de 2012

A diagramação da vida

Olha menina, as voltas que o mundo dá...
Quando queremos muito, pode até demorar, mas tem que acontecer. Não vale desistir.
Há o livre arbítrio, sabe? Essa é a diferença entre nós e os animais.  E acontecer tem a ver com o querer genuíno, com o impulso para a frente, a garra de buscar a vitória.
Às vezes retroceder pode ser a forma mais saudável de ir adiante, tomar distância para o salto twist, e cair na água pronta para competir!
Lute, vá atrás, busque alternativas saudáveis, multiplique-se e apareça em negrito na diagramação da vida.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Recordar

Esta noite, sonhei com você. Estava apaixonada pelo seu irmão, imagina, com aquele frisson dos primeiros encontros. E o cenário eram as escadas da faculdade. Ele não falava uma única palavra em Português. Chegara da Alemanha, direto para o  meu repertório.
Ao acordar, lembrei com saudades  do tempo da gente, quando estudávamos juntas e discutíamos tudo. Ambas muito brancas e com a indignação à flor da pele, bastava uma voz mais alta, um pequeno deslize de boas maneiras; e nossa pele, nossos rostos se transmutavam em lacre. A postura também era de briga e de desafio. Mas se não estivéssemos em pé de guerra, éramos doces, até urbanas, até sociáveis.
Quando desisti e lhe disse você duvidou.
- Mas você tem certeza?
Eu tinha. Precisava de outros universos, a cabeça bagunçada demais com a dureza da nossa profissão.
Segui em frente, você também.
Mas de tempos em tempos ainda sonho.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Recém-nascida

A brincadeira era assim: 
Ela no meu colo e a gente conversava. Então ela tinha uma ideia. Escorregava devagar, de cabeça para baixo, entre as minhas pernas e eu a segurava firme; via o chão muito próximo daquela adorada cabecinha cheia de cachos ao contrário. Ela dizia:
- Vai nascer...
- Vai nascer...
Não sei qual era o raciocínio.  Por que ela escolhia um ou outro bicho; aquele animal, naquela hora. Nunca soube. É provável que ela também não saiba.
O fato é que saía de mim um cavalinho, ou um gatinho, ou um cachorrinho, um urso...às vezes até pintinho nascia.
Depois que ela contava quem ia chegar, soltava-se e eu a segurava ainda mais firme para que deslizasse em segurança até o tapete da sala. Não havia choro, ela apenas fingia ter recém nascido.
Dai era pegar meu bebezinho no colo e fazer de conta: que lambia, que mordiscava, que afagava, dentro do  abraço curioso e  apaixonado com que as mães brindam seus filhotes.
E assim ela foi crescendo, eu também, em meio aos bichos recém chegados.
Naqueles tempos não sabia ainda que reviver a emoção do nascimento e dar continuidade às várias espécies, nos tornava  mais humanas, mais sensíveis e infinitamente mais próximas.

domingo, 13 de maio de 2012

O chamado dos filhos em todas as idades!

maaaaaa....maaaaa.... maaaaa........maaaaaa.
mamamamamamamamama...
mamã...mamã.....mamã....
mamãe? mamãe?
maãããããe!? mããããããe!?
mãe!
MÃE!!!
mama!
mami!!!
vovó!
mamãe? mãe?
mãezinhaaaa...
mamãe?

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Cobre

Canos de cobre. O que era ótimo há 15 anos é imprestável agora- zinabre. Gosto daquela cor esverdeada misturada ao que restou do tom dourado do cobre. Mas ao toque, o cano é uma palha seca, se desfaz. Os canos de cobre, projetados para suportarem as altas temperaturas e pressão de um boiler, choram coitados, água fervente. Toca a chamar o bombeiro. Minha água "quebrou", como disse certa vez uma americana nostálgica falando do próprio parto. Eles vieram e em altos brados se comunicam- um no telhado, o outro na sacada.
Caramba. Deixa estar. Vou ficar quieta aqui enquanto aguardo o desenlace.
Este é o menor dos problemas que tenho hoje.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Desviver

Então... a gente confia quando precisa. Seja de apoio, de companheiro, de alguém que nos dê alento... Até para distrair enquanto a vida passa meio sem graça e sem parentela.
É, porque às vezes a vida vai levando a gente de um jeito bruto, meio erma, assim num deixar estar desiludido demais. O jeito é buscar nos outros, naqueles que não se conhece, mas que fazem viver se tornar engraçado, ou ridículo. No meio das risadas, criando fantasias, parece que passa mais leve este estado das coisas, este fim de mundo que é envelhecer sozinho, este fim da picada que é estar não estando, viver, desvivendo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Maratona doméstica

Minha empregada saiu em férias e neste mês vou cuidar de tudo no lugar dela.
Sinto falta dos mimos - um café fresquinho, uma limonada de surpresa -  e da conversa frouxa, leve, cotidiana.
Levantei, catei o ânimo que estava escondido sob a cama e lá fui eu, vassoura em punho, pano de limpeza, lustra-móveis e pinho sol.
Esfreguei cada cantinho, varri e organizei os objetos que batem pernas durante o fim de semana. Quando terminei a sala, pingando de suor e com a frequência acelerada,  parti, satisfeita, para a próxima etapa: os quartos e os banheiros.
Limpei a preguiça que não fazia a menor questão de sair do lavabo, e detonei com a cigarra que queria cantar para sempre  sobre o criado mudo.
Prendi o cabelo com grampos, agradei o cachorro com um petisco e voltei à lida.
Subir as escadas e começar tudo outra vez, no segundo andar.
E eu que já havia esquecido que temos uma casa linda, iluminada e ... enorme!

domingo, 6 de maio de 2012

Satélite

Ah, a lua... Quanta majestade!
Era tarde quando saímos, dentro da rotina das nossas noites de sábado.
Claridade, céu límpido com muitas estrelas, e a lua, se derramando para nós!
"Vejam-me", ela parecia dizer, tão  plena e próxima, que só mesmo abrindo a boca numa interjeição aguda, para deixar sair a emoção de observá-la.
Então seguimos nossos planos e uma hora depois o céu estava encoberto, e nada de estrelas. Mas a lua, ah a lua, ainda expandia sua luz por trás das nuvens, e vinha iluminar meu jardim, meus amores; e minha vida.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Bico de lacre

Um passarinho, de bico de lacre e penacho vermelho, voou sobre as flores da entrada aqui de casa... E como  era lindo! Uma rosa que se abriu para ele beijá-la, logo depois quedou-se sem vergonha de se mostrar satisfeita e amortecida. O pássaro, para não dizer que sumiu, foi-se pelos ares a caminho de outras flores menos saciadas. E eu assistindo a tudo,  como a um pesadelo, tratei de honrar meu criador. Deitei-me sobre as flores de pátina do meu criado-mudo e adormeci.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

racismo

O imaginário dela contaminou os presentes...
Sim, porque basta um comentário vil para o vírus se espalhar, num malfadado perdigoto. Em pouco tempo grassa uma epidemia de acusações e toda a gente colabora com o palavrório depreciativo.  
Há urgência no tratamento, é preciso interromper o processo maligno. Então, muitos são presos, outros exorcizados; ninguém flagrado sai impune. Alguns, na maciota calam o bico e se fazem passar por inocentes. Mas cá entre nós, somos todos culpados. Somos um ambiente propício para o desenvolvimento desse micro-organismo que a cada passagem se fortalece, cresce e se espalha  em escala exponencial. O que fazer? Tomar vacinas? Não existem vacinas. Para este mal, que sofremos e propagamos,  também não há imunidade, nem tolerância.
A discriminação é um mal humano, pior que a peste, pior que o câncer.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Uma senhora vitalidade!

O sorriso era amplo, rasgado e deixava antever um tanto de gengiva rósea e saudável.
O cabelo era muito liso, quase todo branco na altura dos ombros, e sempre foi assim, corte chanel rente à nuca.
Usava uns grampos simples para manter o cabelo arrumadinho.
Era muito baixa, pequeniníssima. Andava por toda a cidade, em um passo miúdo mas constante. Fazia um cafuné como ninguém e, ai que delícia, catava piolhos imaginários que trucidava com as unhas do polegar: tec, tec. Era de dormir e sonhar. Seu colo era magro e ela cheirava a roupas esquecidas no fundo das gavetas.
Certa vez, em visita lá em casa, fez um comentário muito definitivo:
- Patrícia, você está com muita saúde, não é? Suas gengivas estão bem cor de rosa!
Era sua forma de avaliar a vitalidade das pessoas.
E eu herdei dela: a forma de avaliar e as gengivas rosas!