terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sem noção

Estava esperando os rapazes para continuarem a "obra" aqui da minha varanda mas quem chegou bem cedo foi o  marceneiro, Sr. Nilton,  com seus auxiliares para instalar o armário do lavabo.
Da porta da sala,   vi um moço agachado trabalhando com uns pedaços de madeira e pensando que  fosse um dos pedreiros, fui com tudo:
-Olha, depois que vocês almoçarem por favor não joguem os restos da comida e as embalagens das quentinhas no entulho, joguem no lixo! (A pilha de entulho tem quase um metro de altura e fica bem a vista daqui do meu cantinho...)
Ele me olhou espantado, fez que não e apontou lá para o fundo com a cabeça.
- Eu sei que vocês almoçam lá atrás, mas não joguem resto de comida no entulho. O cachorro cheira tudo e está comendo isopor e alumínio.
Ele piscou três vezes antes de dizer bem baixinho:
Eu estou com o seu Nilton...
É! Fiz de novo!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

olhões

Ele arregalava bem os olhos naquela atitude abismada que sempre tinha com o mundo.
- Como pode? Como pode ser?
Enchia as bochechas de ar, fechava bem os lábios e bochechava, brincando de balão assombrado.
Os olhões lá de butuca nos interessados.
Era curioso de ver e eu me divertia.
O que eu nunca soube, o que eu não sabia é que por trás daqueles olhos, por dentro das bochechas engraçadas havia um homem estupefacto com a vida.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Porcelanato

Minha varanda está em obras. Ninguém entra pela porta da frente! Pelo menos até amanhã quando secar o piso.
Puxa....tinha que ser sexta feira? E tinha que chover assim logo hoje?
A chuva veio pra ficar e este tempinho me deu uma vontade doida de comer feijoada.
Não uma feijoada qualquer mas uma super feijoada. Caldinho de feijão, hummmm.
Como estamos de dieta, vou ficar só pensando nela, até passar a vontade ou sucumbir...
Bem, poderia assistir uns filmes, dormir até tarde, ler meu livro...
Mas há poucas opções além de encher a pança num fim de semana que promete ser bem molhado.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A mimosa saudade

Existe um  tipo de saudade que é menos definitiva do que o para sempre.
É uma doença crônica que vai acompanhando a gente pela vida, às vezes mais pungente, em outras só uma brisa.
Mas basta uma pessoa querida ir morar no exterior para criar-se a doença da falta.
A Renata, minha irmã, é especialista em morar longe. Ela, que faz uma alegre fuzarca na vida da gente quando vem, costuma dizer que perto do dia da viagem para o Brasil, a doença se agrava. Segundo ela a saudade  tinha estado cochilando guardada em um cantinho da casa, para que ela pudesse tocar em frente a rotina, o dia, o viver. Mas, na hora de arrumar as malas para vir, acaba por desencantar a mimosa, que fica então exposta e aflora e cheira a pão de queijo e a bolinho de feijoada. Imagino que parte disso se deve ao fato de ela pensar em cada um de nós, de se empenhar em trazer presentes especialmente escolhidos  e para todos; além das encomendas que sempre aparecem, é claro. Eu, por exemplo, sempre tenho um objeto de desejo para a próxima vinda, assim que ela acabar de partir.
Ela também sofre muito, já uns dias antes de voltar para casa e esta parte nós compartilhamos.
É frequente vê-la dar um suspiro fundo, passando os olhos pelas pessoas queridas e dizer: ai...ai...
Ela diz que quando volta para casa leva mais de um mês para doer-se menos, enquanto vai reorganizando o dia a dia. A saudade por fim,  acaba meio esquecida, adormecida em uma gaveta de lembranças.
Bem, se estivéssemos todos vivendo juntos, certamente estaríamos às turras com velhas discussões e diferentes pontos de vista.
Porque a convivência e a rotina nunca ouviram falar em saudade.
Por outro lado, ver-se e tornar a ver-se um ano depois refina o prazer de estarmos juntos mais uma vez.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Saudade

Ô, roda viva, traz meu destino para cá, não me leve longe, não me leve.
As folhas, e o vento, e as flores e eu, no redemoinho do faz de conta, eu que não acredito ainda e já faz tanto tempo...
Olha, tarde escura, balance um pouco este seu corpo denso, despoje-se do amargo que não lhe pertence mais.
Meu cão, recém banhado, sacode-se por inteiro e a água espirra e ele  espalha o que há de excesso neste banho de adeus.
Sabe, noite clara, ilumina com sua lua os momentos que ainda virão de tristeza e saudades.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A morte e a morte dos animais

O que teria disparado a compulsão dessa mulher que matou tantos animais?
Quero acreditar que exista bondade nela, todos somos bons de alguma forma.
Pensei sobre o assunto nesses últimos dias e me sinto exausta porque não compreendo completamente; e quando me lembro meu coração descompassa.
Talvez para ela, o morrer estivesse vinculado à única salvação possível do espírito desses animais sem dono e sem destino. Não penso em defendê-la, mas tento justificá-la. Sinto que uma grande comoção deve ter rompido as comportas de seu coração com certeza muito frágil.
O ato da eutanásia,  feita por veterinário gabaritado que já concluiu que não há retorno, somente dor e desconforto, é muito doloroso para o  profissional também.
Na sala de necrópsias, analisei muitos animais  de diversas espécies e que morreram das formas mais variadas, deste por envenenamento até  por velhice. Mesmo depois de mortos os bichos nos contam sua história de amor e experimentação da vida. Em geral é possível ver as cicatrizes das batalhas que venceram.
Mas é sempre muito triste...
O que é paradoxal  é esta senhora ter tratado os corpos com tanta falta de respeito, jogando fora em um ambiente público, ainda que na lixeira. Talvez considerasse que depois de mortos eram meros objetos.
Há tanta  histórias de maus tratos e violência  a animais e  a pessoas de alguma forma fragilizadas: crianças, idosos, doentes....
Quero acreditar que neste caso, de uma forma patológica ela pensava que os salvava de mais sofrimentos.
É assim que quero pensar.
Porque pelo menos nos contos de fadas sempre temos um final feliz.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Caquinhos

A menina olhava o pé, que segurava com as duas mãos e muito concentrada tentava retirar o caquinho de copo que explodira no chão momentos antes.
Ela chorou um pouco quando viu o vermelho.
Levantou-se e foi até a varanda onde papai lia o jornal. Pediu que ele a ajudasse e mostrou o machucado. Papai levou-a no colo até o quarto e depois de colocá-la sobre a cama, pegou um algodão e água oxigenada da caixinha de medicamentos. Limpou devagar enquanto ela fazia uma careta. O machucado borbulhou um pouco e papai finalmente viu o caquinho que retirou com uma agulha desinfetada no fogo do isqueiro.
Ela ainda segurava o pé com força e caretas.
Ele veio com o merthiolate.
- Vai arder? ela perguntou.
Papai disse: - nada, o que arde é o outro.
Mas ardeu! Ela reclamou retirando o pé que segurou ainda mais próximo do corpo.
Olhou para ele emburrada.
Fez um muxoxo, saiu do quarto mancando ainda e foi buscar a boneca esquecida no jardim.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Cair em si

Ontem e hoje foram dias particularmente quentes aqui no Rio. Depois da tempestade da sexta-feira, quando um vento funesto terminou por derrubar minha mais linda buganvília, o tempo parou. Não havia mais vento, nem chuva e o mormaço era tão intenso que quase não se podia respirar. Passamos o fim de semana vendo filmes - alguns ótimos - em frente ao ventilador a todo vapor - o bom do ventilador em relação ao ar condicionado é que ele espanta os mosquitos também.
Finalmente, no fim da tarde, soprou um ventinho bobo, o suficiente para nos animar a sair e fazer uma caminhada. Precisamos disso. É quando mais conversamos e trocamos muitas ideias. Também vemos muitos passarinhos, gatos, cães com seus donos... E hoje, para coroar o domingo, vimos as capivaras, muitas, uma família inteira ou mais. Estavam bem próximo à cerca da reserva e Miguel foi até lá perto fotografá-las. Eu tive medo, fiquei de longe... Sei lá... Capivaras não avançam???
E ele disse: -  Mas elas são herbívoras!
Eu retruquei: - Cavalos são herbívoros e tem o poder de um coice nas mandíbulas! (Tive um colega que foi mordido por um cavalo. Foi um estrago...)
Bem, logo depois de vermos as capivaras, ouvimos um trovão. Uma tempestade anunciada pelo ventinho bobo acabava de desabar sobre o Recreio. Ah, como foi bom! Viemos até em casa - uns dois quilômetros- tomando a chuva farta no corpo inteiro, sem correr, degustando  aquele momento mágico, com sabor de infância, quando a chuva benfazeja lavava a sujeira de "atrás das orelhas", inclusive!
Ao chegar, molhadinhos da chuva, mandei uma mensagem para Helena:
- Filha, tomamos chuva e estamos ensopados!
E ela prontamente respondeu:
- Nossa, vão logo tomar um banho quente e trocar de roupa!
Era assim que mamãe falava quando tomávamos chuva.
Era assim que eu  falava com Helena quando ela tomava chuva.
Tomar uma chuva é como resgatar a liberdade.
Tomar um banho quente depois é como cair em si.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Tempestade anunciada

Alguém tinha deixado a porta aberta e acordei com o barulhão da chuva e o vento sacudindo tudo.
Levantei abobada e fui procurar meu roupão porque sentia frio depois de ter adormecido a descoberto.
No armário havia toalhas e mantas mas o roupão ...
Vesti um casaco e fui tirar a roupa do varal que chacoalhava e zumbia furiosa e vi o roupão enxovalhado no chão feito um bacheiro.
A tempestade escureceu a tarde e eu senti um medo...
Sozinha aqui neste casarão com um telhado roto e o chão permeável acabei concluindo que o melhor mesmo é pegar uma taça de vinho e deixar rolar...
Até amanhã.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Para uma mãe com um beija-flor

Há quem tenha um beija flor no coração, desses que ruflam e se alimentam das válvulas:
Não se importe tanto com ele, deixe que lhe chacoalhe o peito. Deixe estar que um passarinho assim não faz verão e todas as medidas foram tomadas para que não prejudique seu dia.
Ocupe-se das pequenas tarefas que a rotina oferece, depois descanse um pouco. Pense que não está sozinha e que o presente é um presente do passado bem vivido, alegre e com muito trabalho, a criar os filhotes.
Estamos todos bem, dentro do limite da felicidade permitida, afinal excesso de felicidade pode dar multa.
E estamos todos de olho em você. A sua turma toda barulhenta e festiva tem muito ainda para compartilhar.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Bonequinha de louça

-" A sua bonequinha veio ontem passar umas horas comigo. Que gracinha!"
Foi  assim que mamãe falou  quando telefonei para saber notícias.
Feliz por saber que ambas, minha mãe e minha filha estão bem, fiquei aqui divagando:
Seria de louça a minha bonequinha? As bochechas sempre muito coradas, o brilho nos olhos...
Bom, para ser de louça, falta-lhe a fragilidade. Ela é durona!
Se fosse de pano teria uma rusticidade que ela, muito sofisticada jamais teria, nem mesmo se estivesse aos trapinhos jogada no chão.
E se fosse de plástico ou de borracha? Tive uma assim certa vez, de plástico duro, com olhos e cabelos pintados, pobrezinha, que lástima! Mas deu-me tantas alegrias... E compartilhei com ela tardes tristonhas, quando sentia que também era feita de material inflamável...
Também tive as barbies do meu tempo, mocinhas com peitinhos e olhos maquiados, em nada parecidas comigo, mas eu gostava de fingir. Estas não eram minhas filhinhas, eu fantasiava que eram as namoradas do meu irmão.
Mas, gostava mesmo era das bonecas bebês... Sempre quis cuidar, ser mãe.
Trocava fralda, dava banho e bronca e todo mundo ficava feliz.
As bonecas porque não tinham alternativa e eu porque tinha muitas.
Mas a minha bonequinha de verdade é feita de éter e de luz.
Só a vê quem pode ver de dentro para fora.
Só quem a vê por dentro reconhece um coraçãozinho de louça.


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os balões dos anos

Cinquenta e três anos não pesam. O que pesa é o que deixei de fazer, estas bolhas densas que flutuam órfãs em volta de mim.  Algumas são tão antigas que perderam a cor saudável e desmaiam se as olho com curiosidade. O que foi que deixei de fazer aos quatro anos? E esta bolha dos sete? Onde foi que falhei? A dos doze anos com sua cor violeta tem a ver com procrastinação, disso eu me lembro bem.  A bexiga bem pequena e um tanto murcha é a dos dezoito anos, quando fui plena e realizei boa parte do que idealizara.
Atrás da minha cabeça há uma sequencia de bolhas médias quase do mesmo tamanho, azul-marinho e cintilantes. Reparo que são as dos anos das grandes depressões... Como estão atrás de mim e tenho que me contorcer para vê-las, vou deixar estar, não preciso delas, preciso?
A bolha dos vinte e nove parece uma bola de gude, brilha! Foi quando tive Helena, foi quando tive a certeza de ser completamente, foi quando mais me amei na vida, quando mais amei viver.
Alguns anos mais pesados flutuam à altura dos meus joelhos. Vou chutá-los todos, que desapareçam.
Também posso explodir todos eles com a ponta de uma tesoura, já fiz isso antes.
O que me impede de repetir este ato tresloucado é não ter certeza do que vai sobrar...
E se eu também, aos 53 for apenas o desalento de balões estourados, prostrados no chão?
Vou deixar as 53 bolhas por aí...
Depois desta brilhante conclusão só me resta ir até a cozinha e fazer uma limonada.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Carla

Não tenho ideia de como nossa amizade começou, sei que ficamos amigas inseparáveis; e durante os domingos  passávamos juntas todas as horas que dispúnhamos na AABB conjunta de Uberaba, Igarapava e Ituverava. Era às margens do Rio Grande que faz a divisa entre Minas e São Paulo e entre nossas cidades.  Era uma festa quando você chegava!
Falávamos o tempo inteiro, numa alegria de encontro que pouca gente deve ter experimentado.
Era mágica, Carla, pura mágica.
Lembro-me de uma torta de maçã que sua mãe fez certa vez e que eu, com muita vergonha, tive que pedir mais um pedaço, jamais tinha experimentado algo tão saboroso. Sei que o sabor inusitado para mim, era de fato uma mistura de amizade e carinho.
O gosto bom e o afeto em pequenas porções e a cada semana sempre fizeram diferença.
Estivemos juntas em Uberaba e em Ituverava, quando compreendi a diversidade de nossa existência. A começar pelo número de irmãos, você tinha um e eu sete! Você dispunha do cuidado integral de todos da sua família e eu aprendia a dividir tudo lá em casa.
Naquela semana em que passei com você e sua família em Ituverava pude vê-la escovar cem vezes a longa e linda cabeleira todos as noites antes de se deitar.
Aquele capricho que para mim era interminável, fazia parte de sua rotina diária, era seu estilo de vida e o padrão que adotara para si.
Depois da adolescência, quando comecei a namorar um moço ciumento e possessivo, nos afastamos, mas nossa amizade vai durar para sempre.
Cada uma seguiu um destino próprio, muitas vezes desigual.
Mas, minha querida, sempre me lembro de você, com uma saudade imensa do tempo em que éramos muito jovens e acreditávamos.
Eu ainda acredito. Em você, em seus sonhos, em sua capacidade de superação.
Estamos as duas um ano mais velhas, mas isso nem importa mais.
Parabéns pelo aniversário!
Toda a felicidade possível.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Normalidade

Guardei as bicicletas no quartinho de guardar, somente a minha ficou aqui na garagem. Também guardei os enfeites de Natal, dois dias antes do dia de Reis. Embalei os travesseiros novos, lavamos as toalhas de piscina e as roupas de cama dos hóspedes.
Só ontem quando minha última visita foi-se embora reparei na decoração de Natal do condomínio.
Aquelas luzes não brilhavam mais que meu interior, cheio de alegria e de felicidade.
Nas alegrias, gritei e bebi com todas as minhas forças e rouca, espantei os demônios da solidão naqueles momentos tão compartilhados.
Na felicidade, aquela que vai convivendo placidamente conosco durante o tempo que dura, estive serena e realizada.
Agora tudo volta ao normal e a minha bicicleta espera por mim para irmos à praia, sozinhas para ver o mar.
Volto a escrever e a revisar meus textos com a dedicação de quem deve fazer o melhor possível.
Minha geladeira voltou a ser espaço para verduras e frutas, não há mais sorvetes e nem pavês ou queijos gordos.
As cervejas também acabaram, olha o mundo de novo se repetindo.
Acima de tudo acredito nesse repetir-se.
Porque somente a tolerância e a empatia tornam viver  mais confortável.
E passar pelos mesmos caminhos, reconhecendo suas pedras e seus tropeços nos torna mais fortes e capazes.
Vamos descobrindo o que há de novo nas entrelinhas.
Depois de guardar a nostalgia, é de novidades que precisamos.
Vamos lá Ano Novo, mostre sua cara!

domingo, 1 de janeiro de 2012

Vira, virou

Convenhamos... não há nada de novo.
A mesma chuva indolente, o mesmo resfriado, os amigos de sempre, os desamigos...
É um dia igualzinho a todos que venho vivendo faz tantos anos.
A diferença é a mágica da comemoração. Porque comemoramos um recomeço, sentimos a esperança, plantinha tenra que agradece a chuva e cresce forte e viçosa para se mostrar.
Para as pessoas que passaram a virada sozinhas acontece de terem ainda mais pelo que esperar: um novo amor,  amigos novos e quem sabe um ano novo de verdade.
Toda novidade é  bem-vinda. Mas para valer a pena, é preciso que saia lá de dentro do peito e é preciso ter a persistência  de um  maratonista.
Ir em frente! Custe o que custar!
E quando o ano terminar de novo, recomeçar.
Ou continuar.
Confie na esperança.
Para você, um ano novo novo de verdade,  cheio de novidades.
'Bora viver!