terça-feira, 30 de março de 2010

Centrista

Quando era menina havia em casa uma entidade principesca: o telefone. Era preso à parede da copa e tinha uma manivela que girávamos para falar com outra entidade, essa mórbida! A centrista!  Ela atendia ao chamado com morosidade e tédio, era sempre desagradável, tinha uma voz irritante e eu tinha medo dela. Sempre imaginava que não ia acertar o número, ou que ia gaguejar, ai, eu quase chorava.
Lá em casa o telefone era o centro do mundo. Sempre que tocava, muitos iam correndo atender, mesmo sem estar esperando uma chamada. Éramos barulhentos e alegres.
Visitei muitas famílias e nunca vi a mesma cena. Em geral o telefone tocava várias vezes antes de reclamarem: - "alguém atende este telefone, pelo amor de Deus" - sem sequer sairem do lugar.
Lá em casa se as ligações aconteciam durante uma refeição (que eram seis, pelo menos) todos participavam indiretamente das conversas, sem maldade, apenas porque interagíamos e estávamos tão próximos.
Quem estava ao telefone e queria privacidade, podia no máximo ficar de costas para a mesa ou girar para a parede do lado da cozinha e dividir a conversa com a empregada da vez, bem pior...
Atualmente minha filha sente a vibração do celular, levanta, pede licença e vai para qualquer lugar da casa atender e resolver seus assuntos. Nada de centrista. Nada de conversas compartilhadas.
Não faz tanto tempo assim, andar falando e gesticulando sozinho pelas ruas era caso de hospício.
Agora muitos caminham, correm, pedalam pela ciclovia falando pelos cotovelos; ninguém liga; mas eu procuro sempre o quase imperceptível fiozinho que sai  da orelha e se perde dentro da roupa de fitness.
Gosto muito desta mobilidade. De poder estar colocando a roupa na máquina e proseando com a mamãe ao mesmo tempo. De poder saber notícias do mundo, de dentro do carro, durante uma viagem.
Mas o melhor de tudo mesmo é não mais depender de uma tal de centrista!

2 comentários:

Anônimo disse...

Quando vc escreve sobre a familia vc se estende mais na prosa.Percebi por esse texto "centrista"
Eu lembro que na nossa pequenhinha cidade de Abaetetuba,com um nome maior que ela,nos tinhamos so 3 ou 4 telefones,na cidade.E o meu tio era importante,por isso um dos telefones era dele.Era o prefeito da cidade,no Belem -Para.
Era um telefone,horroroso,grande e preto,com fio curto e sem som.Entao ,alguem que quisesse falar mandava dizer para tirar o fone do gancho...uma piada...

Unknown disse...

Conheci este telefone também, tinha uma manivela. meu Deus como os tempos mudaram!!