domingo, 14 de novembro de 2010

para degustar...


Devíamos poder decretar - quero morrer hoje- como se fosse comprar no mercado um quilo de carne para churrasco amanhã ao meio dia. Deixo pago, tudo organizado, mande entregar.
Assim, sabendo quando e como, a morte deixaria de ser um mito, seria casual como uma limonada. Adoce para mim, gosto de açúcar, nem sou diabético. Melhor com gelo e lascas de limão, para alegrar os olhos e aguçar os sentidos, quero minha limonada com limão galego, nada de limão da china. Faz favor de jogar o bagaço e as cascas no lixo especial que será queimado e transformado em pó. Assim passarei daqui para ali sem mistérios, com a tranqüilidade de quem já viu demais e se despede sem mágoas. Cansei de ouvir o estalar do elevador. Tarde da noite e a meninada chega sem escrúpulos, os pais já dormem e a moçada mora para sempre na casa dos pais e o barulho do elevador, que traz e leva as risadas histéricas das meninas bêbadas e dos rapazes malemolentes, querem viver assim na flauta e depois vão querer morrer com dignidade, aquela que não tem e nem vão ter a tempo. No meu tempo de moço era 18 e cai fora vai ganhar a vida, quem ficar era o bobo, logo namorada, noiva mulher, vai se sustentar vai trabalhar e traga algum dinheiro para a mãe, para o pai, depois pode fazer seu ninho, crie filhos que te turvarão os olhos quando adoecer, que te negarão o colo quando faltar, que cobrarão com juros os erros que nem sabia que fez, pobres; querem viver e a morte vem a galope, quem acha que demora está enganado, eu que me demoro demais e fico noite a  noite na espera de que a morte me leve no sono não quero saber que fui, porque no começo nem pensamos, viver é complicado, o tempo vai passando e lá pelas tantas vem a dúvida e a certeza – vou morrer, um dia vou morrer, estou morrendo faz tempo e nem sabia, vou morrer e não sei quando, será hoje? Não, não foi hoje, será agora, não, nada ainda, vou ter que esperar; tenho tantos anos nem sei quantos, estou sem porque, estou cansado e sem porque, preciso que ela venha mas tenho medo, tenho coragem mas e o medo, daquilo que desconheço, do outro ser que serei ou não por isso um monte de pó, que não quero a alma perdida que minha alma vire pó também; é preciso pesar o corpo e depois o pó, temo que o pó seja ligeiramente mais pesado que o corpo seco por causa da alma, umas graminhas de nada a alma deve pesar, talvez fique aprisionada no pó e fuja pelo vento quando espalhamos, tenho medo de ser espalhado e me debater àtoa pelos telhados e casas, virar o pó que trazem da rua e limpam no tapete -bem vindo- antes de entrarem no elevador, quando  jogaram fora os cinzeiros dos prédios muitas almas devem ter sido expulsas daqueles caixoezinhos de metal e sem tampa, talvez se as transformaram em x as almas se amalgamaram ao  x;  e presas estão dentro das casas, as almas são os olhos dos objetos, principalmente aqueles de metal reciclado, ficam lá olham e olham e a gente da casa pressente alguém está ouvindo, parece que nos pegam no pulo, pare com isso está me machucando e vai olhando desconfiada pelos cantos, os objetos de metal tão frios, sua essência são as alminhas.

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