Devíamos poder decretar -
quero morrer hoje- como se fosse comprar no mercado um quilo de carne para churrasco amanhã ao
meio dia. Deixo pago, tudo organizado, mande entregar.
Assim, sabendo quando e como, a
morte deixaria de ser um mito, seria casual como uma limonada. Adoce para mim,
gosto de açúcar, nem sou diabético. Melhor com gelo e lascas de limão, para
alegrar os olhos e aguçar os sentidos, quero minha limonada com limão galego,
nada de limão da china. Faz favor de jogar o bagaço e as cascas no lixo
especial que será queimado e transformado em pó. Assim passarei daqui para ali
sem mistérios, com a tranqüilidade de quem já viu demais e se despede sem
mágoas. Cansei de ouvir o estalar do elevador. Tarde da noite e a meninada
chega sem escrúpulos, os pais já dormem e a moçada mora para sempre na casa dos
pais e o barulho do elevador, que traz e leva as risadas histéricas das meninas
bêbadas e dos rapazes malemolentes, querem viver assim na flauta e depois vão
querer morrer com dignidade, aquela que não tem e nem vão ter a tempo. No meu
tempo de moço era 18 e cai fora vai ganhar a vida, quem ficar era o bobo, logo
namorada, noiva mulher, vai se sustentar vai trabalhar e traga algum dinheiro
para a mãe, para o pai, depois pode fazer seu ninho, crie filhos que te turvarão
os olhos quando adoecer, que te negarão o colo quando faltar, que cobrarão com
juros os erros que nem sabia que fez, pobres; querem viver e a morte vem a
galope, quem acha que demora está enganado, eu que me demoro demais e fico
noite a noite na espera de que a morte
me leve no sono não quero saber que fui, porque no começo nem pensamos, viver é
complicado, o tempo vai passando e lá pelas tantas vem a dúvida e a certeza –
vou morrer, um dia vou morrer, estou morrendo faz tempo e nem sabia, vou morrer
e não sei quando, será hoje? Não, não foi hoje, será agora, não, nada ainda,
vou ter que esperar; tenho tantos anos nem sei quantos, estou sem porque, estou
cansado e sem porque, preciso que ela venha mas tenho medo, tenho coragem mas e
o medo, daquilo que desconheço, do outro ser que serei ou não por isso um monte
de pó, que não quero a alma perdida que minha alma vire pó também; é preciso
pesar o corpo e depois o pó, temo que o pó seja ligeiramente mais pesado que o
corpo seco por causa da alma, umas graminhas de nada a alma deve pesar, talvez
fique aprisionada no pó e fuja pelo vento quando espalhamos, tenho medo de ser
espalhado e me debater àtoa pelos telhados e casas, virar o pó que trazem da
rua e limpam no tapete -bem vindo- antes de entrarem no elevador, quando jogaram fora os cinzeiros dos prédios muitas
almas devem ter sido expulsas daqueles caixoezinhos de metal e sem tampa,
talvez se as transformaram em x as almas se amalgamaram ao x; e presas estão dentro das casas, as almas são
os olhos dos objetos, principalmente aqueles de metal reciclado, ficam lá olham
e olham e a gente da casa pressente alguém está ouvindo, parece que nos pegam
no pulo, pare com isso está me machucando e vai olhando desconfiada pelos
cantos, os objetos de metal tão frios, sua essência são as alminhas.
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