terça-feira, 30 de novembro de 2010

Amalgama

Tem nervo, está vivo, é mesmo, mas nem dói, ainda bem tá longe da raiz,  põe amálgama, não existe  faz tempo  só coroa, algo baratinho tem, o mais baratinho é a coroa. Puxa, então arranca, imagina um dente tão bom, mas nem uso, usa sim, não uso, não mastigo deste lado, mastiga sim senão não tinha quebrado, foi o fio, que fio, o dental, vou deixar por último,  mas e se doer, se doer passamos na frente, quero arrancar, eu não arranco, quero por mercúrio, está fora da lei, mas é barato, eu não faço amálgama, vou pensar volto na semana que vem, está bem.
Não voltou, morreu sem amálgama, sem coroa, sem nada.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Meio dia


Manhã de tráfego intenso neste cubículo  infernal agora, as onze horas, outros virão para o almoço e outros cheiros mornos e molhados entrarão nas sacolas, misturas de sabores de cada andar onde comentam a novela e o tempo e também impregnam de miasmas intestinais um espaço destinado ao publico popular. A velha que finge, entra cigarro aceso e faz questão de dizer que não sabe que não pode fumar no elevador que é publico então pode, mas é fechado, mas abre, e o cheiro barato do pito e seu cheiro de barata arrependida, pequena bruxa desencantada dos contos, ela sabe que será julgada bem depois da inquisição. Para ela isso é o que importa porque criar impasses está nas veias desde a adolescência hippie pop agora tão velha como as tarântulas em suas teias, tece qualquer coisa que a distraia, para rir depois sozinha, das proezas do dia e já pensa no próximo ciclo que de desconstruções sobrevive. No Zênite, franze o nariz em seu esgar risonho, brilham os olhos dessa formosura em decadência. O distraído agoniza, desespera, pena. E ela nem desconfia que incomoda mais do que planejara porque será eterna na memória indestrutível do aço inox.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

pedaço especial

Acordou com dor de garganta, dor de garganta, olhou no espelho colocou a língua bem pra fora, nada enxergou, buscou a lanterna e olhou de novo. Nada. Deu de ombros passou batom e saiu, apertou o botão do terceiro andar e Aninha não estava pronta.
Depois saíram as duas rindo à beça, não sei de quê. As duas iam ao casamento à noite, e sapatos eram o que faltava. Mas que sapatos, difícil acertar, sapatos de salto, brilhante, sandálias, da cor do vestido, da cor da pele, olhar e ver o que mais combina, nunca é o mais prático. Depois das compras  ela foi ao pronto socorro, cismou com a garganta, doía doía doía: examinaram - mas não é nada, é vírus! - uma dor de lascar - tome essa injeção e observe, se piorar volte. Voltou, não foi ao casamento, desistiu. Chegou ao hospital para a  internação, era grave era urgente, ficou a tomar antibióticos, antiinflamatórios e outros órios e óticos que curam ites; às vezes perdemos casamentos e festas ótimas, vamos passear no hospital, é tão divertido, gente doente, caras boas, tudo muito sortido e sem caráter a não ser o sentimento de não estar  bem ; procuramos quem entende do assunto, um mecânico para um carro, um vendedor para um sapato e ela o hospital como todos ali, gente nova a todo momento e os atendidos encaminhados, para casa, e depois voltar, ou o casamento, e depois casar, ou sair pelos fundos.
Sei que ela vem, tenho certeza que vem talvez vá só à recepção muita gente faz assim, vamos dançar a macarena, ou a rumba;  mas como posso ir assim, agora que me internaram, puxa nem sabia que estava tão mal existe tanto que a gente nem desconfia, mas ficarei bem e farei uma surpresa especial a eles, ela vai compreender ainda que fique triste porque não fui; amigas de infância, desde que a conheci e perguntei de que era feito seu cabelo vermelho e ela riu, deu um sorisão para mim e me abraçou vamos logo para a gangorra, de assentos vermelhos e cordas, nossos sapatinhos de verniz vermelho lá na frente e lá atrás, brincávamos de roda, de pique e de casal e logo no casamento eu, logo no casamento dela, quando senti não dava, e ela vinha correndo para descer ao porão e desencantar umas pedras e tralhas estranhas a que dávamos sentido exótico e especial, depois as bruxarias e compromissos de sangue; no casamento ou no hospital.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Outro pedacinho...


Aperta o botão do terceiro andar, olha-se no espelho, está mais redonda e radiante. Faz 2 meses que não aparece, a academia é a mesma, a música, a recepcionista, tudo. Entrou e a receberam com alegria, está sumiiiida! É que estou grávida, estou grávida de 4 meses, por enquanto não posso fazer exercícios; conte como foi isso! Foi assim estava namorando e a camisinha, era tabelinha e camisinha e aconteceu, menstruava e rasgou.    Então já não estava mais namorando e pensei, porque não, se posso sustentar minha criança, posso ter meu bebê, tenho independência, trabalho e sou feliz, independo, posso; mas o namorado voltou atrás, quis ficar, quis voltar, então disse a ele, contou a novidade, depois de terem reatado ela contou a novidade e - você é quem sabe eu sei de mim e do meu filho, sinto muito mas é isso, é a vida, é a vidinha e eu vou em frente. Estão morando juntos e ela está alegre, serena e não pode fazer exercícios pesados por enquanto. Ela sente falta e exibe a nova tatuagem – oath - e o cabelo tem pontas roxas como sempre. A casa de festas está bombando, seus peitos estão bombando e ela quer mais é que o mundo se dobre aos seus pés. Prefere uma menina, para ensinar a ela sua dança. Eu que ouvia tudo, curiosa, imaginei a cena – mãe e filha sincronizadas na pole dance da vida, sensuais, fortes e vigorosas, no ritmo naturalmente cadenciado de quem tem postura e determinação. Quando foi embora eu queria dançar.

domingo, 14 de novembro de 2010

para degustar...


Devíamos poder decretar - quero morrer hoje- como se fosse comprar no mercado um quilo de carne para churrasco amanhã ao meio dia. Deixo pago, tudo organizado, mande entregar.
Assim, sabendo quando e como, a morte deixaria de ser um mito, seria casual como uma limonada. Adoce para mim, gosto de açúcar, nem sou diabético. Melhor com gelo e lascas de limão, para alegrar os olhos e aguçar os sentidos, quero minha limonada com limão galego, nada de limão da china. Faz favor de jogar o bagaço e as cascas no lixo especial que será queimado e transformado em pó. Assim passarei daqui para ali sem mistérios, com a tranqüilidade de quem já viu demais e se despede sem mágoas. Cansei de ouvir o estalar do elevador. Tarde da noite e a meninada chega sem escrúpulos, os pais já dormem e a moçada mora para sempre na casa dos pais e o barulho do elevador, que traz e leva as risadas histéricas das meninas bêbadas e dos rapazes malemolentes, querem viver assim na flauta e depois vão querer morrer com dignidade, aquela que não tem e nem vão ter a tempo. No meu tempo de moço era 18 e cai fora vai ganhar a vida, quem ficar era o bobo, logo namorada, noiva mulher, vai se sustentar vai trabalhar e traga algum dinheiro para a mãe, para o pai, depois pode fazer seu ninho, crie filhos que te turvarão os olhos quando adoecer, que te negarão o colo quando faltar, que cobrarão com juros os erros que nem sabia que fez, pobres; querem viver e a morte vem a galope, quem acha que demora está enganado, eu que me demoro demais e fico noite a  noite na espera de que a morte me leve no sono não quero saber que fui, porque no começo nem pensamos, viver é complicado, o tempo vai passando e lá pelas tantas vem a dúvida e a certeza – vou morrer, um dia vou morrer, estou morrendo faz tempo e nem sabia, vou morrer e não sei quando, será hoje? Não, não foi hoje, será agora, não, nada ainda, vou ter que esperar; tenho tantos anos nem sei quantos, estou sem porque, estou cansado e sem porque, preciso que ela venha mas tenho medo, tenho coragem mas e o medo, daquilo que desconheço, do outro ser que serei ou não por isso um monte de pó, que não quero a alma perdida que minha alma vire pó também; é preciso pesar o corpo e depois o pó, temo que o pó seja ligeiramente mais pesado que o corpo seco por causa da alma, umas graminhas de nada a alma deve pesar, talvez fique aprisionada no pó e fuja pelo vento quando espalhamos, tenho medo de ser espalhado e me debater àtoa pelos telhados e casas, virar o pó que trazem da rua e limpam no tapete -bem vindo- antes de entrarem no elevador, quando  jogaram fora os cinzeiros dos prédios muitas almas devem ter sido expulsas daqueles caixoezinhos de metal e sem tampa, talvez se as transformaram em x as almas se amalgamaram ao  x;  e presas estão dentro das casas, as almas são os olhos dos objetos, principalmente aqueles de metal reciclado, ficam lá olham e olham e a gente da casa pressente alguém está ouvindo, parece que nos pegam no pulo, pare com isso está me machucando e vai olhando desconfiada pelos cantos, os objetos de metal tão frios, sua essência são as alminhas.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Gargalhada

Há muito tempo, vendi uma parte do meu sorriso, para uma mulher infeliz. Era uma espécie de cigana; sempre tão espertos estes ciganos...
Perdi um pouco da graça e olho no espelho de relance apenas.
Muitas pessoas me dizem - mas você não mudou nada depois que ficou meia-boca.
Acho que fazia uma ideia  um tanto insuflada da minha imagem, eu me achava bonita....
Não é como doar um rim... é como vender a alma, a você sabe quem.
Quando meu bem me diz que sou sempre bonitinha, quero mostrar meu lado risonho, gosto quando reparam. Ele também insiste em me dizer que sou bonitinha de qualquer jeito. É que ele gosta muito de mim, esta é a única explicação.
Um dia desses, vou acabar acreditando.
E por fim vou dar uma grande risada, uma gargalhada, daquelas de bebê com cócegas.

Dilema

Entre a cruz e a espada, eu prefiro a espada.
A cruz concentra o que a espada aponta.
Cruz é para míope e mais perto preciso estar. 
No espaço da espada estão as estrelas, você inclusive. 
A cruz diz aqui, a espada questiona, onde.
Uma cruz termina o que a espada anuncia.
Sei la, às vezes e se eu pudesse, comecaria tudo outra vez.