terça-feira, 25 de agosto de 2009

Mordidas

"-Já levei sete mordidas de cachorro!"
"-Sete? Tem certeza?"
Eu tinha. Fiz as contas de novo, lembrando cada incidente e eram sete.
O meu tio descascava uma laranja para mim, de uma forma toda especial em que, depois de descascada, com um canivete, ele fazia uma tampa em forma de cone. Ao espremer a laranja, formava-se um poçazinha de suco, deliciosa.
"- Quando for assim, fale que foram seis ou oito. Porque sete é conta de mentiroso."
Fiquei muito nervosa. Meu Deus, ele achava que eu estava mentindo. Mas eu não estava. E se dissesse que foram seis ou oito, aí sim estaria mentindo.
Em casa eu havia aprendido direitinho a não mentir. O máximo que se permitia era uma ou outra omissão, mas mentir, jamais.
Fiquei numa sinuca e nunca mais fui a mesma. Sempre que preciso dizer um número, esfrio só de pensar que pode ser o maldito sete de mentiroso. E se for o sete vou ter que mentir e se mentir vou estar mentindo, se não mentir vão achar que estou mentindo. Droga. Lembro-me que meu tio apertou levemente a laranja descascada e me mostrou o suco. Não tinha mais graça.
Depois disso, sempre que me encontrava com ele ficava infeliz, não tinha assunto, queria ir pra casa. E ele sempre que me encontrava, beijava meu rosto e sua barba por fazer me machucava um pouco. Resolvi que não queria encontrá-lo mais. Pelo menos até que eu levasse mais uma mordida e pudesse dizer com sinceridade -" Já levei oito mordidas de cachorro."
Acho que foi por isso que resolvi estudar veterinária. Uma mordida eventual acabaria acontecendo ao lidar com os animais...
Estou mentindo até hoje...

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