sexta-feira, 25 de março de 2011

Vida marvada

Era uma casa pequena e antiga, dessas em que as janelas são construídas para se debruçar sobre elas e olhar a rua nos fins de tarde. Era nessa moldura que já adivinhava meu amigo, assim que saía do colégio e subia em direção à Praça do Tênis.
Ele me chamava: Ó, boneca! em contraponto ao irmão dele que me chamava: Ó Lumumba, cabeça de bagre! Os dois adoráveis, os dois meus melhores amigos adultos daquela época, os dois meus anjos mais saudosos. 
Minha lembrança do tio Lúcio passa pelo azul intenso, cor dos olhos e frequentemente da camisa do pijama, que ele mostrava sem pruridos naquelas tardes mornas e aposentadas.
Havia grilos e cigarras, a tarde virando noite e eu em plena adolescência parava para uma prosa contida e envergonhada. Aqueles olhos acariciavam. A risada macia confortava sempre.  Não queria ir para casa. Era bom ficar ali e ouvir sobre profissões e poesia. Acreditava que já era adulta; ele me tratava assim.
Foi uma pena perdê-lo tão cedo. Pena tê-lo descoberto tão tarde.
No site que a Fernanda montou por ele tem a foto da fachada de sua casa. Mas enquanto ele morou ali, não havia grades na janela. Era no peitoril que ele apoiava os cotovelos e deixava num suspiro, a "vida marvada" passar.

http://www.luciomendoncaazevedo.com.br

quinta-feira, 24 de março de 2011

Vícios, "melhor não tê-los"!

Opa! Mas.... já?
Levei um susto quando entrei no supermercado e estava armada a cabana de ovos de Páscoa.
Tempo de perigo: nervos, olfato, gula e paixão aflorados. E nem posso fingir que não estão ali, porque com a minha altura às vezes esbarro neles. Pensei em comprar só um coelhinho, sabe aquele que é só uma casquinha de chocolate. É justamente isso que me dá tanto prazer na Páscoa. Chocolate bem fininho que a gente pode quebrar em pedaços pequenos e deixar derreter no céu da boca. Mas se eu começo com um coelhinho hoje, quando ainda falta  um mês para a semana santa, até lá...
Já sei! Vou inventar um chocolate do desejo, algo muito particular, que só exista... algo que não exista! Talvez não tenham inventado ainda um ovo feito com chocolate meio amargo, crocante, lindt, casquinha fina e ... nada de recheios! Acho que é isso! Não existem ovos de Páscoa sem recheio. Pelo menos um saquinho com ovinhos menores, sempre tem.
Bom, definido o chocolate do desejo, inatingível, sobra tempo para ir me engambelando durante esse mês.
Quando chegar a hora vou comprar meu coelhinho e deixá-lo derreter aos poucos, eu também um pouco derretida de prazer!

terça-feira, 22 de março de 2011

Passar roupas, uma questão

Quando a Graça sai em férias, mais ou menos nessa época do ano, cuido de tudo sozinha aqui em casa. É bom que revejo os cantinhos da casa e tento facilitar de alguma forma o trabalho dela. Por exemplo, ano passado descobri que uma mesa pesada que ficava em cima do tapete, atravancando tudo e sem nenhuma utilidade, poderia ser colocada de lado.  Também descobri novas formas de iluminar a copa com luz natural e aumentar a ventilação da cozinha.
Gosto de cuidar da casa. Adoro limpar, organizar, lavar. E mais do que tudo adoro cozinhar! Fico bem feliz entre as panelas e o calor do fogão, invento à beça!
Mas tem uma tarefa importantíssima no dia a dia de que não sou capaz! Passar roupas!
Algumas pessoas tem esse dom, eu só me desespero.
Hoje resolvi encarar as camisas do Miguel. Nossa, como estão gastas, ele precisa com urgência renovar o guarda-roupa. Conferi botões, armei a tábua de passar em uma posição confortável para mim, aspergi as peças com "passe bem", liguei o radio de pilhas e comecei. Tinha decidido que hoje faria tudo com o maior capricho e calma. Mesmo que só conseguisse passar duas, se ficassem boas, já estaria ótimo. Lembrei-me que a Tice certa vez tentou me ensinar a passar. "Faz assim, foi o Edmur quem me ensinou e ele aprendeu com a dona Rosa!"
Primeiro passamos as costas - são as que menos vão aparecer e mesmo que fiquem um pouquinho amassadas, não tem tanta importância. Depois são as mangas e depois a frente:  primeiro a parte que tem os botões e por último a parte das casas que é a mais externa de todas e a que mais chama a atenção. E a gola? Não me lembro quando...
Começo pelas costas, vou desamarrotando de baixo para cima e tudo parece ir bem, até que chego perto da gola e começa a encrenca. Passo aqui, amarroto dali, tudo fica cheio de vinco, feito papel amassado. E quanto mais tento tirar os amassados do ferro mais confusa fico. Resolvo passar só a pontinha do ferro em um dobrado e assim que consigo e estendo a camisa já fiz outro três dobrados, nas partes da frente, tão importantes. As pobres mangas a esta altura são um origami e nunca consigo fazer um vinco só entre as partes da frente e das costas delas.
Suspiro, começo de novo. Jogo "passe bem", checo a temperatura do ferro em um dedo distraído; ai, droga;
e lá vamos nós para outro round. Depois de uns quarenta minutos com a mesma camisa, penso na Renata e quero fazer como ela - deixar a roupa ali, apaziguando sobre a tábua e ir fazer qualquer outra coisa mais agradável. Aliás, qualquer outra coisa.
A minha frustração é tão grande que coloco a camisa no cabide e nem olho mais para ela.
Pego a próxima. "Não, dessa vez vou fazer direito, tem que dar certo," penso com energia.
Parece que consegui passar pelas costas e vou indo em direção a segunda manga. Nova catástrofe. As duas partes da frente me aparecem completamente vincadas, que maravilha! Desta vez apelo! Coloco a camisa dentro de um balde de agua limpa e ela volta pro varal.
Cumulus nimbus escureceram a tarde e são só duas horas. Concluo que não estou enxergando bem, acendo as luzes, coloco os óculos e começo outra camisa. Desta vez destruo o botãozinho da gola.
Ô, tristeza! Levo logo as que consegui deixar mais ou menos passadas para o closet e volto para a diversão desta vez com alguns inofensivos e co-retos panos de prato.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Obama, natureza bonita

Obama, Michele e as meninas estiveram aqui na cidade.  Acompanhei tudo pela televisão, meu pensamento o tempo todo em Minas.  Gostei que estivessem contentes, será que representavam? Não, não teria sentido, não precisam disso. Obama não joga bola. Acompanhou muito pouco o ritmo da capoeira. Quase não apareceu para o público que queria tanto vê-lo, nem que fosse através da vidraça, como um "super star". É a segurança disseram...
Ele é um orador brilhante. Desses de quem não se tiram os olhos, toda a atenção voltada para o que diz e como diz. Uma  fortaleza, bem disposto, o tempo todo agradável e atento. Aprendeu detalhes sobre o Brasil para poder tocar o coração da gente.
Eu gostei. Mesmo tento ficado aqui no meu cantinho, folgada e preguiçosa, observando tudo através da midia, senti muito prazer. E hoje pela manhã, quando os vi embarcando para o Chile, senti um certo alívio. Que bom que deu tudo certo. O Brasil que tem uma natureza tão bonita, ocasionalmente rende terremotos humanos dos quais ninguém quer se lembrar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Arrogância

Chamaram-na : arrogante!
Sinal de alarme!
Não era uma boa palavra, sentia, não gostou do tom... mas o que queria dizer mesmo?
Foi ao dicionário e pesquisou: A; (abcdefghijklmnopqr) R, R e foi virando as páginas; (abcdefghijklmno) O; (abcdefg) Gância: Falta de humildade, orgulho excessivo, soberba, altivez, excesso de vaidade. 
Soberba é um dos pecados capitais... Mas não se sentia assim, cometendo um pecado. Estaria então pecando dia após dia? Não seria jamais perdoada? Porque se sabe quem é e tem razão em ser, não há arrogância, apenas consciência. Quem a considera arrogante sabe do que se trata? 
Sente o maior orgulho em ser, em existir. Não é vaidade excessiva, é amor demais pela vida. 
Não, não é mesmo humilde. Tem coragem de  assumir a própria opinião e luta, luta não, briga por ela. Defende seus argumentos com  garras de judoca.
Cansada, suspirou, fechou o dicionário e deitou-se de lado se embalando.
De qualquer forma melhor ser arrogante que dissimulada; melhor ter vaidade que inveja.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Ora, abobrinhas

Quando comprei aquelas abobrinhas bem verdinhas e firmes, não imaginava o que faria com elas, mas eram tão lindas.
Lembrava de tê-las comido gratinadas ou recheadas , mas queria manter aquele frescor de verde recém colhido.
Atualmente não ficamos mais restritos aos livros de receitas clássicos que ganhamos da prima no chá de panela  ou aqueles cadernos laboriosamente estruturados, escritos à mão, com as melhores receitas da familia e dos amigos.
Entrei na internet e googlei: abobrinhas. Na primeira página, três ou quatro referências às abobrinhas como sinônimo de bobagens! Sim, é mesmo um lugar comum...
Escrevi então abobrinha, receitas - bem melhor não é? Havia de tudo, mas principalmente as receitas que já conhecia. Procurava um prato leve, não uma lasanha.  Vá lá: abobrinhas grelhadas - hum, algumas sugestões interessantes, mas mesmo assim...
Apelei: abobrinhas cruas! Pois lá estavam as receitas! Delirei, era aquilo mesmo! Por exemplo, cortadas em cubos, marinadas em um molho caprichado com limão siciliano e especiarias e cruas!
Havia uma receita que aconselhava deixá-las chorar um pouco, fatiadas e embaladas em um manto de sal grosso. Elas choraram muito, são tão lacrimosas, depois sequei-as com papel toalha. E aí, sem dó ou  cerimônia  coloquei todas as fatias direto na grelha quente por uns minutos!
Estavam crocantes, sequinhas, deliciosas! 
Cá entre nós, que "abobrinhas" que nada!  

terça-feira, 15 de março de 2011

Travessuras do Inti-illimani histórico

Faz um bom tempo que a Tata, minha irmã musicista, descobriu o Inti-illimani.
Um grupo singular, afinado na música latino-americana, seus integrantes tocam instrumentos especiais e são de uma sonoridade rara, ao mesmo tempo alegre e melancólica.  Ela vem falando com todos da família, vocês precisam ouvir, vocês tem que ouvir, mas a roda viva...
Faz um tempinho ela me presenteou com o último CD,  Travessuras.
Da primeira vez que ouvi, reconheci algumas melodias e prestei atenção. Desses Cds que a cada vez que se ouve mais se gosta, tenho carregado para todo lado, no carro, na corrida, no computador. Não reconheço todos os intrumentos, infelizmente. Mas a harmonia é belissima e eu quase entristeço, para em seguida ser invadida por ternura e animação. Vale a pena!
No momento minhas músicas preferidas são Lineas para um retrato e Drume Negrita. Mas depende da hora, todas são lindas.
É assim que começa uma paixão.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Desafeto

Criatura dissimulada e ferina, Capitu do agreste, fez seu ninho no meu viveiro e agora eu peno.
Esfreguei com esmero toda a superfície que ela tocou mas continuam impregnados sua peçonha e o cheiro.
Esquece, menina, deixa para lá. É assim que me engambelo.  Mas estou tão aborrecida... 
Um curto-circuito neurótico rende faíscas para todo lado. Vê-la traz um desconforto esquisito, quero forçar na esteira e arrebentar no leg press.
Vidinha miúda, uma alma  tão pequena.
Em casa, encontrei uma pedra estranha, queimada e cinza, no meio de livros e cadernos muito pessoais; deve ser feitiçaria, tem ares de macumba...
Caprichei, catei todos os pedacinhos da pedra denegrida e joguei fora lá na lixeira da praia, entre os restos de peixe frito e comida rejeitada.
Um lixo em parte orgânico, que fim levará?
Lembrar das cinzas da pedra ainda me dá calafrios.
Torça para que amanhã eu esteja em paz. E que a tal criatura tenha feito lá pelos terreiros suas falcatruas de pomba-gira.

sábado, 12 de março de 2011

Formigas

Nesta manhã, quando fui olhar a caixa do correio, percebi uma enorme quantidade de formigas, dessas pretinhas, mínimas. Do lado de fora também havia multidões delas, que muito atarefadas seguiam caminhos bem definidos, somente para mim aleatórios. 
Por alguns meses convivi com elas, incomodada, mas pensava que afinal estavam vivendo a vidinha delas, como todos nós.  Hoje, bastante alarmada com as invasões da natureza,  resolvi dar um basta na comunidade, que vinha se expandindo dia após dia.
-" Sr Antonio, poderia por favor jogar querosene na caixa do correio e depois lavar com a mangueira?" 
Lá foi meu jardineiro e sua bomba. Começou do lado de fora da casa e quando entrou me chamou.
Inúmeras das  formiguinhas que estavam fora entraram pela abertura da caixa e se espalharam na parede, que em um instante ficou preta. Elas caminhavam rapidamente em todas as direções e em franco alvoroço, carregavam folhinhas, gravetos e muitos, muitos ovos e tentavam escapar daquela nuvem tóxica que se abateu de repente sobre elas.
Em seguida veio a água da mangueira que lavou tudo e deixou a parede sem formigas ou sujidades.
A comparação foi inevitável...
Quem será que chacoalhou o mundo,  mobilizou multidões e lavou a terra, confundindo tudo e destruindo tanto?
Um jardineiro?

sexta-feira, 11 de março de 2011

Tenho que falar

Terremoto. Tsunami. Muitos mortos. Infra-estrutura japonesa. Japão. Internet. Comunicação Global.
Aconteceu e foi ali no fundo do meu quintal.
Apreensiva,  desolada, vejo os estragos; e o filme que se repete eternamente na tv e no computador.
E no rádio, nas conversas de bar, nas esquinas.
A imagem mais marcante para mim foi o redemoinho das águas em mar aberto. Tão lindo e tão trágico.
Uma oração lá do fundo da alma.
Vão em paz, fiquem bem, reconstruam-se.
O mundo todo vê e aposta.
Dá-lhe, Japão!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Vista cansada

A mãe de uns quarenta anos está com os dois filhos de 10 e 12 anos mais ou menos, fazendo compras no hortifruti. Os meninos olham os iogurtes enquanto a mãe visita a prateleira das verduras. Ela pega uma embalagem de berinjelas e sem nem mesmo olhar o pacote de perto exclama: Henrique! E estica a embalagem na direção dele. O garoto vem, pega o pacote, lê o preço, diz para a mãe e  lhe devolve o produto, como se tivessem ensaiado.  A mãe coloca a compra no carrinho e segue olhando as prateleiras. O Henrique volta para o lado do irmão e discutem os sabores das bebidas lácteas. 
E por falar nisso preciso começar a levar meus óculos para perto dentro da bolsa.
Cada dia que passa mais nebulosas estão as informações nutricionais dos alimentos... 

domingo, 6 de março de 2011

Ah, o carnaval

Estamos vendo o desfile das escolas de samba pela TV.
Há trinta anos, quando saíamos todos, jovens e em plena forma para o baile no Barbacenense, não compreendia como nossos pais e tios podiam ficar horas, às vezes a noite toda acompanhando o samba enredo dos outros. Naqueles primeiros tempos juntos, Miguel e eu vestidos de pescadores -  as roupas básicas brancas que já tínhamos, devidamente dobradas e amarradas; um chapelão para cada um e eu com sandálias de salto dez, que joguei debaixo da mesa assim que chegamos ao clube. 
A lembrança daquelas noites é intensa e viva: lança perfume e uisque, confete, serpentina e inevitáveis cacos de vidro nos pés descalços.
Ao fim do baile, enquanto a multidão descia as escadas de acesso a rua, Miguel abaixou-se para afivelar minhas sandálias amarrando de vez meu coração ao dele.
Hoje em casa  e em paz, comentamos  os erros e acertos na avenida. 
O nosso samba enredo ainda tem muitas estrofes e nosso refrão é muito feliz.  

sexta-feira, 4 de março de 2011

Só depois do carnaval

Porque você está rindo? perguntou intrigado com um sorriso sem graça de quem perdeu a piada. O outro se sacudia todo, tinha o rosto vermelho e lágrimas nos olhos. Cada vez que tentava contar a história começava a rir e não se podia entender uma palavra.
Que coisa irritante... o curioso saiu de perto, foi tomar café.
Na volta, ninguém na sala.  Talvez ainda descobrisse o motivo de tanta risada, mas só depois do carnaval.

quinta-feira, 3 de março de 2011

O baú

O que faz lhe faz tanta falta querido, não é o almoço, não é o jantar. A falta vem lá de dentro, do fundo, daquele canto nunca visto ou imaginado, que temos todos por não sabermos de onde viemos.
Essa busca, essa busca tão agarrada, não é de fome, não é de sede. Essa busca é de amor, daquele amor de verdade que não exige pagas nem protesta, fala de mansinho devagar, devagarinho, só quem ama ouve e sabe para onde vai.
Sei que é muito difícil. O grande vazio nos faz acumular quinquilharias, velharias, pedaços de lixo e pilhas descarregadas. Quando procuramos quem somos e vamos empilhando fora todo o conteúdo do baú da alma, nada mais presta, nada consola ou completa.
Quem somos é a ação, não é matéria. É o bel-prazer do ser saciado que repousa depois de agir.
Vamos jogar tudo fora! Estes trapos, essas migalhas com bolor, este pedaço de pipa colorida.
Eu também tenho medo, quase estremeço.
Mas alguma ação tem que ser feita. Uma atitude definitiva. Um abraço de compromisso.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Destino

Hoje encontrei com a Bella. É uma menina o cão São Bernardo resgatado em Petrópolis. Ela estava com a Beatriz, da Lord cão, uma treinadora muito querida e responsável. Encontrei a dupla enquanto corria e Bella é uma menina alegre, alerta e obediente à treinadora, cada uma em seu papel bem definido. Já contei aqui que a conheci quando ela passeava com seu novo dono; (Miguel que adora São Bernardos e eu nos encontramos com eles na esquina de casa, numa feliz coincidência).  Ela foi toda tosada, com exceção do rabo, que ficou  peludo e glaumoroso.  Faz muito calor aqui e eles sofrem bastante, muito mais do que em Petrópolis, região serrana.
Passei por elas e  na volta seguinte já estavam em frente à casa e a  treinadora falava da nova aluna para a nova dona. Foi quando soube seu nome e onde morava.
Depois fiquei pensando no destino. E na sorte. E nas sincronicidades.
O destino precisava mesmo ter toda essa amplitude? Se todas as criaturas tivessem uma sorte equivalente e a ambição fosse um  sentimento relacionado apenas às ações coletivas que salvariam nossa espécie... Se aprendessemos ética ainda no berço e se ela fosse nossa primeira palavra e para sempre nossa religião... 
Nada disso. O socialismo é uma utopia, não existe o Shangri-lá.
Tomara que pelo menos os São Bernardos da vida possam cumprir seu destino e nos salvar das avalanches e outras tragédias.  

terça-feira, 1 de março de 2011

Um bicho!

-Mãe, me ajuda, tem um bicho aqui no meu quarto!
-Bicho? Que bicho?
-Parece uma borboleta, mas é tão grande!
Peguei o primeiro pano que encontrei - uma camiseta velha do Miguel e subi.
Helena tinha se escondido debaixo do edredon e estava bem quietinha.   A tal borboleta parecia mais um passarinho marron e pesado, desajeitado demais para voar. Dirigi o assustado bichinho para a área do banheiro que é bem menor e onde eu teria chance de envolvê-lo com a camiseta.
- Ih, filhinha, não é borboleta nem passarinho ... é um morceguinho.
Ele  estava inquieto e voava da  prateleira para o basculante (que estava fechado) e dali para o chuveiro.
Eu fazia movimentos com a camiseta e tentava englobá-lo na malha, mas um sentimento de horror e susto  me fazia  perder a objetividade. Sempre que ele  pousava era de ponta cabeça, que gracinha. Quando pousou no lustre pude vê-lo cara a cara, eta  bichinho feio! Tinha um beicinho cor de chocolate e pendurado daquele jeito, balançava feito uma fruta madura. Eu que podia vê-lo tão exposto fiquei envergonhada de olhar assim abertamente algo que não me via, apesar dos olhinhos miúdos. Então abri o basculante, tirei a tela de proteção, liberei o caminho para ele. Fiz movimentos bem   amplos para dirigi-lo para a liberdade que custou um pouco a conseguir até enfim voar para a noite. Espero que ele tenha encontrado sua casa. É provável que ele seja parte da família que mora no meu sótão, desde muito antes de comprarmos a casa.
Há alguns anos perguntei a um professor de veterinária como poderia dar  fim aos feiosos inquilinos.
-  Mas eles estão   incomodando? - Disse que não; raramente precisamos subir lá, apenas tinha medo de que fossem ...vampiros?!  Ele me tranquilizou dizendo que eram  morcegos  frutívoros e que  não representavam perigo algum. E que eu os deixasse em paz.