terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Bamboo!


Há  uns 30 anos, tive um professor de desenho clássico em São Paulo, de que me lembro com saudade. Seu atelier era repleto de figuras de gesso e de trabalhos feitos por ele e por seus alunos.
Era um espanhol de altura mediana, hirsuto, de olhar falconídeo. Suava ácida e profusamente e soava áspero e incisivo enquanto nos ensinava.
Dizia que deveríamos "deitar" sobre o papel, e morrer em cima dele para obter o melhor resultado possível. Era muito grafite, muita borracha e vários desenhos rasgados pela fragilidade do papel depois de tanta lida. Só então partíamos para a folha da arte final, impecável, limpíssima. Era preciso uma assepsia cirúrgica para não macular o suporte da “obra prima”. Bons tempos!
Depois disso, fui pintar grande, gestual e emocionalmente, numa técnica que aprendi com outro querido professor, quando misturava cera de abelha e tinta óleo.
Desta forma era possível trabalhar por mais tempo do que quando usava tinta acrílica - gosto de pintar no quadro todo, o tempo inteiro - e a secagem era mais rápida do que com a tinta a óleo pura - sou aflitíssima.
Descobri que era aquela a minha mídia.
Pintei muito e emoções à parte, fiz bons trabalhos.
O problema era guardar aqueles painéis enormes de 2 x 2,5 mts ou mais. Enrolava, enfiava em um canto com os outros e partia para o próximo.
Quando a bandeira verde acenou para mim: - Trate de ser mais ecológica, mocinha! Essas telas vão levar séculos para se acabarem! – comecei a usar o computador e o Photoshop e viajei até me cansar da falta da "pega" da tinta e do cheiro de mel a atrair abelhas para me fazerem companhia.
Passei muitos anos sem pintar, comecei a escrever o blog e a inventar histórias.

Perdi mamãe faz uns 15 dias e ainda estou convalescendo. Difícil pensar com clareza, imagine escrever.
Mas, ontem, ganhei do Miguel uma mesa digitalizadora moderna, Bamboo, e comecei a desenhar para me distrair. Em poucas horas estou mais leve e vejo uma sombra de tranquilidade.
Com a Bamboo posso criar grande, fazer e desfazer quantas vezes desejar e quando canso de um desenho, começo outro, assim, num clique.
Precisava muito! Poder exorcizar minha tristeza de maneira ecológica. Sem papel, sem tinta, sem pincéis e sem a complicada terebintina.
Posso criar e jogar fora! Ou posso guardar e depois jogar fora com danos ambientais mínimos.
Vieram me observar:
- Que lindo!  Mas como vai transformar em quadro?
E eu respondi: - Para quê? 
Tudo que eu preciso agora é arrancar daqui de dentro a granada que ameaça meu coração.

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