Há uns 30 anos, tive um professor de desenho
clássico em São Paulo, de que me lembro com saudade. Seu atelier era repleto de
figuras de gesso e de trabalhos feitos por ele e por seus alunos.
Era um espanhol de
altura mediana, hirsuto, de olhar falconídeo. Suava ácida e profusamente e
soava áspero e incisivo enquanto nos ensinava.
Dizia que
deveríamos "deitar" sobre o papel, e morrer em cima dele para obter o
melhor resultado possível. Era muito grafite, muita borracha e vários desenhos rasgados pela fragilidade do papel depois de tanta lida. Só
então partíamos para a folha da arte final, impecável, limpíssima. Era preciso
uma assepsia cirúrgica para não macular o suporte da “obra prima”. Bons tempos!
Depois disso, fui
pintar grande, gestual e emocionalmente, numa técnica que aprendi com outro
querido professor, quando misturava cera de abelha e tinta óleo.
Desta forma era
possível trabalhar por mais tempo do que quando usava tinta acrílica - gosto de
pintar no quadro todo, o tempo inteiro - e a secagem era mais rápida do que com
a tinta a óleo pura - sou aflitíssima.
Descobri que era
aquela a minha mídia.
Pintei muito e
emoções à parte, fiz bons trabalhos.
O problema era
guardar aqueles painéis enormes de 2 x 2,5 mts ou mais. Enrolava, enfiava em um
canto com os outros e partia para o próximo.
Quando a bandeira
verde acenou para mim: - Trate de ser mais ecológica, mocinha!
Essas telas vão levar séculos para se acabarem! – comecei a usar o computador e
o Photoshop e viajei até me cansar da falta da "pega" da tinta e do
cheiro de mel a atrair abelhas para me fazerem companhia.
Passei muitos anos
sem pintar, comecei a escrever o blog e a inventar histórias.
Perdi mamãe faz
uns 15 dias e ainda estou convalescendo. Difícil pensar com clareza, imagine
escrever.
Mas, ontem, ganhei do
Miguel uma mesa digitalizadora moderna, Bamboo, e comecei a desenhar para me
distrair. Em poucas horas estou mais leve e vejo uma sombra de tranquilidade.
Com a Bamboo posso
criar grande, fazer e desfazer quantas vezes desejar e quando canso de um
desenho, começo outro, assim, num clique.
Precisava muito!
Poder exorcizar minha tristeza de maneira ecológica. Sem papel, sem tinta, sem
pincéis e sem a complicada terebintina.
Posso criar e
jogar fora! Ou posso guardar e depois jogar fora com danos ambientais mínimos.
Vieram me observar:
- Que lindo! Mas como vai transformar em quadro?
E eu respondi: -
Para quê?
Tudo que eu
preciso agora é arrancar daqui de dentro a granada que ameaça meu coração.
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