domingo, 10 de outubro de 2010

Refém

Hoje amanheci antes do dia. Uma pressa de vida, uma urgência.
Conferi as portas da geladeira, verifiquei com cuidado se todas as lâmpadas estavam apagadas. Depois dei uma volta no jardim, retirei folhas mortas, flores murchas...
Ainda sinto o coração agitado, inquietudes...
Ontem acabei de ler o livro de Ingrid Betancourt e sua saga como refém das FARC. Acho que com tanta sede e tanta fé ela é a sobrevivente possível, das que ficam para contar.
Eu, refém de mim mesma, as vezes me maltrato e perco a fé.
Presa às correntes que me imponho, peço autorização para gritar quando o caos se instala.
Meu grito é rouco, sinal de muitos dias sem falar, onde estão meus companheiros?
Calculo que, se caminhasse pelas matas e encostas e margens de rios, ao sentir o cheiro pungente do verde decomposto, talvez me libertasse desta vocação para mártir.
Porque reconheço que vivo amparada pelas redes invisíveis dos que me querem bem, acredito que jamais me deixarão e assim mato minha fome de amor, esta carência em saco sem fundo.
Escondo meus tesouros nas dobras das roupas e finjo que não os tenho. Desta forma tornam-se mais valiosos e ao reencontrá-los fico repleta de júbilo.
Meu pobre espírito, sôfrego e náufrago cala-se diante da grandeza e coragem das Ingrids que acompanho.
E eu, com minha vida tão boa, volto para o calor e a penumbra do quarto de dormir.


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