quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cavalete

Porque temos tanto? Perdemos tanto nesta confusão de objetos... onde estão aqueles parafusos? E o betume? E a cola especial?
Chega de perguntas! Mãos a obra! Vou arrumar tudo, cada detalhe, separar por cores, intenções, motivos.
Por onde começo se o quadrado do quarto é infinito?
Lado direito da porta! Pronto.
Tenho ali um enorme cavalete, presente do Miguel quando comecei a pintar, Helena ainda era só uma ideia fixa.
Passava horas e horas, madrugadas inteiras pintando intensamente até dar-me conta de que estava gelada e tremendo de frio. Então íamos dormir - o cavalete mudo segurando uma abstração novinha em folha e eu que via as primeiras luzes da manhã e deitava ao lado do companheiro morno do sono restaurador. Levava uma meia hora para parar de tremer e depois dormia em um relaxamento de missão cumprida.
O cavalete que vejo hoje, está coberto de grossos pingos de tinta muito velha, e uma poeira fina demonstra que há muito está no ostracismo. Passo as mãos pela madeira de excelente qualidade, lembro-me de quando fomos comprá-lo e sinto um jorro de emoções.
Miguel sempre estimulou qualquer atividade que eu sonhasse fazer.
Se queria pintar ele trazia livros, aprendia cores, comprava tintas, lápis, pincéis de todos os tipos.
Quando estudei Veterinária ele passou a acompanhar os leilões de gado na TV, trazia livros, mostrava-me os programas e seus novos conhecimentos sobre os bichos. E perguntava tudo. Interessadíssimo.
Com a mesma generosidade, tão característica dele, comprou-me uma máquina de escrever Olivetti - sim estamos juntos faz muito tempo. Ela está em algum dos cantos, entre todos os outros objetos que já não servem mais, mas que tem o dom de vivificar experiências como se fossem um DVD ou  um filmezinho do You Tube. Por isso é tão dificil arrumar o quarto. Acabei de começar e as lembranças veem aos borbotões e me encantam de alegria e saudade.
Uma saudade boa, fermentada, que cresce como um pão em seu descanso antes do forno.
Bom, já deve ter crescido, hora de ir para a cozinha e brincar de cozinheira, minha mais nova obsessão.

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