Diga-se de
passagem que meus olhos batem quando vejo passar o trem do tempo que se vai,
que se vai, que se vai...
Amenidades
segunda-feira, 30 de julho de 2012
"Desacabar"
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Onde anda o formol???
Como patologista nas horas vagas, preciso de formol. Só ele fixa
perfeitamente as peças cirúrgicas; e a proporção é de mais ou menos
três partes de formol para uma parte de tecido.
Semana passada
descobri que meu precioso líquido tinha acabado e eu precisava fixar um nódulo que foi extraído do Haus, meu cachorrão. Depois da cirurgia e com a peça nas
mãos, pedi ao dono da clínica que me cedesse um bocado para eu acondicionar o
tumor. Pela quantidade que ele me forneceu percebi que o material que ele
manda para histopatológico deve estar frequentemente mal fixado...
Bom, paciência.
Tratei de ir à farmácia para comprar aqueles frascos pequenos de formol,
parecidos com os de água oxigenada que sempre encontrei em situações de
emergência.
Não achei.
Procurei em muitas drogarias e pela internet... Nada.
Parece que não
estão mais comercializando em farmácias...
Fui até a Casa do Médico, onde se encontram todos os tipos de material hospitalar - também
precisava comprar compressas e ataduras para os curativos. Não vendem mais
formol ali...
Culpa da escova
progressiva... O produto é agora persona
non grata, por acalentar vícios.
Conversando sobre
o assunto com a Nanda, minha irmã, ela argumentou que foram retirados das
farmácias todos os produtos que possam ser utilizados para promover vícios.
Pensei - puxa, mas escova progressiva???
Concluímos a Nanda
e eu que sim, a escova progressiva é um vício. E difícil de curar!
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segunda-feira, 23 de julho de 2012
Calcanhar de Aquiles
A dona dele, uma mulata cheia de carnes, vestido justo e sandálias, reclamou:
- Ai, isso dói, viu? - disse levantando o pé.
O senhor comentou se desculpando:
- Mas a senhora cruzou na minha frente...
A mulher colocou as mãos na cintura abriu bem os olhos e atacou :
- Desculpe, eu é que deveria ter dado seta!
quarta-feira, 18 de julho de 2012
O cão e a ferida cirúrgica
O Haus foi operado ontem de um pequeno tumor no pescoço. O
cirurgião fez um corte enorme, de uns dez centímetros, preocupado com a
possibilidade de ser maligno. Enquanto o material segue para o
anatomopatológico, estou aqui cuidando dele. Mas o curativo não fica no lugar.
Ele sente o micropore na pele e começa a lamber e a coçar com a pata
traseira... Um problema. Ontem fiz uma antissepsia e coloquei uma faixa
envolvendo o pescoço e a ferida cirúrgica. Não deu muito certo, em pouco tempo
estava tudo amarfanhado, provavelmente por eu não ser muito caprichosa com
faixas; vou enrolando de qualquer jeito.
E cada vez que
mexo com ele é um custo para ele "esquecer" do curativo. Como
alternativa, cortei umas camisetas velhas e enfiei a pata em uma das mangas e a
gola no pescoço. Ficou esquisito, nada elegante, mas pelo menos a ferida está
protegida da terra, da chuva e dos infernais mosquitinhos.
Bem, hoje, passado
totalmente o efeito da anestesia ele está ali fora em seu tapete e posso vê-lo
pelo menos em parte através dos vidros das janelas da sala. Enquanto trabalho
em meus textos posso observá-lo de tempos em tempos. Agora mesmo, com o canto
do olho percebi um movimento de lamber e já dei logo uma bronca: - Haus!
Ele levantou
prontamente a cabeça e parecia dizer: - O quê?
Ficou um pouco
quieto e depois lambia de novo.
- Haus, não pode
mexer!
Vi que ele estava
babando muito e concluí que deveria ser pelo gosto do antisséptico.
Fui lá conferir.
O coitado estava
bebendo água!
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segunda-feira, 16 de julho de 2012
O último
Estivemos assistindo ao Mundial Juvenil de Barcelona, durante este
fim de semana. Torcemos muito, pelos melhores, aqueles que se destacaram,
e venceram. Depois pódio, medalhas, hino.
Fiquei um tanto
triste quando pensei nos últimos. Aqueles que são superatletas, estão na
competição, mas são quase invisíveis. Aqueles que às vezes nem aparecem de
relance na TV.
Deve ser muito
duro ser o último.
Mas para haver um primeiro lugar, não tem outro
jeito.
Alguém tem que perder.
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Razão
Esfregava as mãos. Estava frio, mas era o
estresse que manipulava seus dedos. Não tinha para onde ir; e a escadaria do
fórum era grande demais, as portas muito imponentes, de mogno. No corredor ia e
vinha e dissimulada, encostava um ombro ou outro na parede. Se pudesse ser
invisível – ela quase era – talvez sofresse menos.
Muitas mulheres vistosas de terninho e
escarpim circulavam com rapazes ou senhores formais ou austeros.
Por trás daquela cortina havia um entreato.
Na luta pela guarda da criança quem menos a
queria era a genitora.
O filho recém-nascido foi cedido à senhora
que por mãe se tomaria até que a outra, desregrada, fosse libertada.
Seriam os laços genéticos intensos o
suficiente para que ele a descobrisse entre tantas outras mães? Entre juradas,
advogadas e mulheres comuns que trabalhavam? Que utopia. O moleque não a
reconheceu.
Quando se separaram muito cedo na vida dele,
não havia amor confesso. Grávida, ela andava pelas ruas, num desatino de fome e
pobreza.
Por ela era melhor não tê-lo.
Mas agora, em liberdade, aquelas mulheres de
terninho insistiam com ela que deveria requerer a guarda que ela mesma não
queria. Quase ninguém aceita que uma fêmea seja assim, desnaturada.
Do outro lado, uma galinha carijó defendia às
bicadas, seu rebento adquirido.
A mãe biológica não se importava. Para o
próprio filho e para ela, seria bem melhor que a outra tivesse razão.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Compotas
Há alguns anos, em uma de nossas viagens a Minas, fizemos uma
pequena pausa perto de Barbacena, onde o Miguel encontrou um amigo dos tempos
de ginásio. Enquanto eles conversavam circulei entre as prateleiras e
desencantei potes de vidro com gostosas compotas. Achei tantas delícias que em
pouco tempo a cesta pesava demais. Deixei encostada em um canto - queria
ter a placa: “não é devolução" por perto - peguei outra cesta e recomecei,
claro.
Doces compras no
bagageiro, lá fomos nós estrada afora.
Distribuí algumas entre os
amigos do Rio e comecei a degustar uma goiabada mole com o queijo Canastra.
Passei por todo aquele processo de abrir a lata, batidinhas aqui, uma ponta de
faca, chave de fenda. Por fim abriu-se e minha boca se encheu de saliva só de
sentir o cheiro bom.
Depois guardei o
pote na geladeira para evitar as formigas que também gostam de doce e ferroam
bem dolorido.
O pote já ia pelo
meio quando tentei abrir e não conseguia. Intrigada, retomei todo o processo.
Batidinhas, ponta de faca, água quente na tampa, água fervendo na tampa e
depois mergulhei o pote todo, queimei as pontas dos dedos; e a tampa
impassível. Quis jogar no chão, mas não gosto dos cacos...
Esperei com
impaciência a volta do Miguel do hospital. Ele tem mãos de ferro, parece incrível,
mas consegue manter a mão fechada mesmo com a pressão máxima no manguito do
aparelho; e como sempre conto com ele...
Assim que chegou
entreguei o pote. Ele pegou e abriu como se fosse uma bobagem.
Ele é quem tinha
fechado da última vez.
terça-feira, 10 de julho de 2012
Ordem, Seu lugar
Uma menina brinca com sua bola colorida, que
rebate na parede e recebe de volta e vai declamando a sequência de eventos, sem
pestanejar. Quando a bola cai, busca e em seguida recomeça.
No canto da sala uma boneca de olhos
esgazeados mira sua dona com descaso. Está ali frouxamente largada desde a
primavera. A poeira depositou-se sobre os cabelos de corda, e um pé está roto e
desmanchado.
A menina nem olha para o brinquedo que
ganhara de Viviane.
Combinaram de cuidar juntas do orfanato de
bonecas, planejaram tudo.
Então Viviane partiu. Disse:
- Vou-me embora para Florença, não vamos nos
ver mais, adeus.
A menina sentiu bem fundo a tristeza de
separar-se e de ser quem fica.
Viviane não vai voltar.
Um dia vai pegar a boneca e juntá-la às
outras. Muitas bonecas reunidas, diferentes e iguais não são um orfanato?
Para ela, sim.
Mas para Viviane, este tempo de bonecas já
passou. A família levou-a para longe. Por ela até ficaria... Agora, tão longe,
nem em sonhos se recorda do compromisso que assumira.
A pequena pega a boneca no colo e a abraça,
cantarolando. Ela perdoa Viviane que nunca soube que doía tanto, que nunca
compreendeu o que é uma promessa.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Exagerada
Umas vinte pessoas dividiam a ampla sala repleta de tapetes e
objetos de decoração riquíssimos e de procedências inusitadas.
A conversa era amena, todos os convidados se conheciam e se
compartilhavam entre risos e comentários ruidosos.
Até que apareceu a peça rara, uma criatura excêntrica com adornos
em todas as extremidades, inclusive um piercing no nariz, que me lembrou das
argolas para contenção de bovinos que usávamos na faculdade.
Em sua exuberância, cheia de balangandãs, ela exagerou no Bordeaux
e lá pelas tantas foi ao chão.
Havia um lindo cavalheiro que a ajudou a levantar-se. Ela parecia preferir
o porcelanato; todos os pequenos grupos interromperam suas conversas para olhar
a cena, até que ela saiu manquitola e dramática em direção ao quarto.
Quando voltou, alguém se ofereceu para levá-la em casa. Ela foi.
E a festa continuou maravilhosa, como se nada tivesse ocorrido.
E não tinha mesmo.
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Lixo
Com uma vassoura e a pá, seus instrumentos de trabalho, perscrutava cada centímetro do piso da rodoviária. Estava tão ávida por detritos que achei por bem conferir se havia deixado a minha volta qualquer sinal de desmazelo. Nada havia, felizmente. Ela passou por mim, sem interesse e seguiu em direção a um copinho de plástico amassado, dois metros a minha frente. Com eficiência empurrou o lixo com a vassoura para dentro da bocarra da pá profissional, e seguiu adiante, os olhos salientes contrastando com seu discreto uniforme azul.
Continuei quieta encostada na parede, enquanto esperava meu ônibus, satisfeita de não ter cometido alguma falta grave.
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quarta-feira, 4 de julho de 2012
A noiva
Está pronta!
Vestido branco de rendas, véu diáfano; a grinalda é uma coroa de flores.
O véu que lhe cobre o rosto pertenceu a sua mãe, única peça que restou da matriarca.
Seus sapatos forrados de cetim tem salto baixo; todos os convidados sabem por quê.
Olha para a palma da mão como se pudesse descobrir ali seu destino, depois fecha os olhos e balança levemente a cabeça, a desistir dos pensamentos sombrios que às vezes retornam.
A marca de aliança no anular direito se insinua quando pega o buquê sobre o aparador. Confere uma última vez os dentes no espelho, estariam borrados de batom?
Um suspiro.
Então, decidida, abre a porta e segue em direção ao carro que a levará desta vez para a desconhecida travessia.
segunda-feira, 2 de julho de 2012
DETRAN, uma trovoada no escuro
Achei que resolveria a parada rapidamente e fui, documentos em
punho, concluir o licenciamento anual e a liberação do veículo. Na recepção dos
carros, avisei que só estava ali para resolver aquelas pendências; um pneu
careca e a placa descolorida.
Afinal, todos os
pneus tinham sido trocados e mandamos pintar os números conforme a orientação do rapaz que nos atendera no sábado.
Ela disse-me para
seguir até o posto 15 e ir até a sala de atendimento. Bem, fiquei lá na fila
atrás de três outros veículos e esperei com paciência minha vez:
- A senhora tem
que ir ali - apontou para uma estrutura de madeira e muitas janelas - para a
liberação do veículo.
- Mas basta
conferir a placa e os pneus...
- Não, a senhora
está com o carro agendado para a liberação nesta semana, lá na sala de
atendimento.
Parei o carro no
primeiro canto que encontrei e fui até a tal sala. Abri a porta e eram mais de
cem pessoas conversando com evidente irritação, sentadas em filas de cadeiras ligadas
umas as outras. Um cartaz avisava:
PEGUE A SENHA
AQUI!
Não, não é
possível... Deve haver um erro. Enfrentei a cara de maldade dos que estavam por
perto aguardando e falei com a mocinha do guichê:
- Olha, só preciso
que vejam minha placa e os pneus...
- A senhora
precisa ir ao posto 31!
Peguei os papéis
de volta e fui feliz de não ter que enfrentar aquela encrenca.
No posto 31,
esperei novamente minha vez e o rapaz:
- Não, a senhora
não pode pintar os números da placa, tem que pagar o DUDA.
Arrepiei e
cresci:
- O moço disse que
podia pintar a placa, droga, e agora?
- Vou falar com a
supervisora...
Depois de uns dez
minutos a supervisora chegou e examinou tudo, checou o agendamento e foi
taxativa:
- Estava certo, a
senhora precisa voltar para a sala de atendimento para a liberação do veículo.
Respirei fundo e
estoicamente voltei para o antro dos horrores.
Quase que as
mesmas cem pessoas conversavam ferozmente; e eu fui de cabeça baixa pegar uma
senha.
Confesso que senti
na nuca olhares corrosivos do tipo - a há, e queria se safar hein, espertinha?
São três tipos de
senha. A minha era a 82 de uma sequência que ia pelo número 41. Fiz um
calculo rápido. Vai levar uma hora, posso esperar. Vou brincar um pouco na
internet, ver meus e-mails... Bateria fraca... Nenhum livro na bolsa, nada para
ler...
Peguei meu caderno
e anotava as feições e posturas dos colegas de infortúnio; um bom exercício...
Mas estava frio,
muitos aparelhos de ar condicionado operavam na potência máxima. A fila de
cadeiras balançava com sofrimento em função de pés inquietos, ou de pernas
agitadas. Toda a fileira chacoalhava. Cada um que entrava ou saía da sala largava a porta que se fechava automaticamente com um ruído irritante: Splec!
O zum zum das
pessoas se misturava ao barulho da tela que indicava a senha da vez: Plin plon!
À uma hora da
tarde houve a troca de turno; os colegas de trabalho se abraçavam e conversavam
depois de um longo fim de semana.
Após umas três
horas, estávamos na senha 61 da minha categoria.
Havia um falatório
- Vamos processar o DETRAN, é um abuso, se todos aderirem ganhamos esta causa.
Todo mundo concordava em silêncio com aquele advogado que chegara meia hora
depois de mim.
Mas por algum
milagre ou pela maior eficiência do turno da tarde, a fila andou mais depressa.
Antes das três estava em frente à Liliane que checou os documentos e disse que
precisava também do meu RG e da certidão de casamento.
-Ahn????
Os documentos do
carro estão no nome do seu marido, ou ele vem ou a senhora trás estes
documentos.
- E vou ficar mais
quatro horas na fila?!
- Bom, se a
senhora trouxer as cópias dos documentos até as 16 h, pode vir falar comigo...
- Não vai dar
tempo, pensei, não vai dar...
Saí bem depressa,
a identidade eu tinha comigo, mas quem carrega a certidão de casamento de mais
de trinta anos na bolsa??
Voltei pela praia,
para evitar o trânsito e senti uma ambivalência digna de um bom neurótico.
A velocidade
máxima é de 60 Km/h e eu tinha muito pouco tempo para atravessar doze
quilômetros.
Tensa, fui
dirigindo no limite e nem reparei o mar que se exibia para mim.
Voando, peguei a
certidão em casa, tirei a Xerox no shopping e tratei de me esmerar nas acrobacias
de trânsito típicas dos cariocas.
Cheguei!
Fui direto ao
guichê:
- Consegui!
Ela pediu que eu
esperasse mais um pouco e uns quinze minutos e trinta buzinadas do quadro de
senhas depois ouvi dizerem:
- Miguel Antônio!
Opa, é comigo.
Lépida, acompanhei
o sujeito que conferiu todos os pneus que tilintavam de novos e disse:
- Não pode mais
pintar a placa, não, tem que trocar, tem que pagar o Duda.
Engrossei de novo:
- O moço disse que
podiaaa!
- Ok, mas agora
não pode mais, tá?
- Tá!
Quando saí eram 16h10min.
Mas saí com meu troféu e uma sensação incrível de felicidade!
Consegui honrar o
meu dia e dar cabo de uma tarefa complexa!
Uma salva de
palmas para mim!
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