Achei que resolveria a parada rapidamente e fui, documentos em
punho, concluir o licenciamento anual e a liberação do veículo. Na recepção dos
carros, avisei que só estava ali para resolver aquelas pendências; um pneu
careca e a placa descolorida.
Afinal, todos os
pneus tinham sido trocados e mandamos pintar os números conforme a orientação do rapaz que nos atendera no sábado.
Ela disse-me para
seguir até o posto 15 e ir até a sala de atendimento. Bem, fiquei lá na fila
atrás de três outros veículos e esperei com paciência minha vez:
- A senhora tem
que ir ali - apontou para uma estrutura de madeira e muitas janelas - para a
liberação do veículo.
- Mas basta
conferir a placa e os pneus...
- Não, a senhora
está com o carro agendado para a liberação nesta semana, lá na sala de
atendimento.
Parei o carro no
primeiro canto que encontrei e fui até a tal sala. Abri a porta e eram mais de
cem pessoas conversando com evidente irritação, sentadas em filas de cadeiras ligadas
umas as outras. Um cartaz avisava:
PEGUE A SENHA
AQUI!
Não, não é
possível... Deve haver um erro. Enfrentei a cara de maldade dos que estavam por
perto aguardando e falei com a mocinha do guichê:
- Olha, só preciso
que vejam minha placa e os pneus...
- A senhora
precisa ir ao posto 31!
Peguei os papéis
de volta e fui feliz de não ter que enfrentar aquela encrenca.
No posto 31,
esperei novamente minha vez e o rapaz:
- Não, a senhora
não pode pintar os números da placa, tem que pagar o DUDA.
Arrepiei e
cresci:
- O moço disse que
podia pintar a placa, droga, e agora?
- Vou falar com a
supervisora...
Depois de uns dez
minutos a supervisora chegou e examinou tudo, checou o agendamento e foi
taxativa:
- Estava certo, a
senhora precisa voltar para a sala de atendimento para a liberação do veículo.
Respirei fundo e
estoicamente voltei para o antro dos horrores.
Quase que as
mesmas cem pessoas conversavam ferozmente; e eu fui de cabeça baixa pegar uma
senha.
Confesso que senti
na nuca olhares corrosivos do tipo - a há, e queria se safar hein, espertinha?
São três tipos de
senha. A minha era a 82 de uma sequência que ia pelo número 41. Fiz um
calculo rápido. Vai levar uma hora, posso esperar. Vou brincar um pouco na
internet, ver meus e-mails... Bateria fraca... Nenhum livro na bolsa, nada para
ler...
Peguei meu caderno
e anotava as feições e posturas dos colegas de infortúnio; um bom exercício...
Mas estava frio,
muitos aparelhos de ar condicionado operavam na potência máxima. A fila de
cadeiras balançava com sofrimento em função de pés inquietos, ou de pernas
agitadas. Toda a fileira chacoalhava. Cada um que entrava ou saía da sala largava a porta que se fechava automaticamente com um ruído irritante: Splec!
O zum zum das
pessoas se misturava ao barulho da tela que indicava a senha da vez: Plin plon!
À uma hora da
tarde houve a troca de turno; os colegas de trabalho se abraçavam e conversavam
depois de um longo fim de semana.
Após umas três
horas, estávamos na senha 61 da minha categoria.
Havia um falatório
- Vamos processar o DETRAN, é um abuso, se todos aderirem ganhamos esta causa.
Todo mundo concordava em silêncio com aquele advogado que chegara meia hora
depois de mim.
Mas por algum
milagre ou pela maior eficiência do turno da tarde, a fila andou mais depressa.
Antes das três estava em frente à Liliane que checou os documentos e disse que
precisava também do meu RG e da certidão de casamento.
-Ahn????
Os documentos do
carro estão no nome do seu marido, ou ele vem ou a senhora trás estes
documentos.
- E vou ficar mais
quatro horas na fila?!
- Bom, se a
senhora trouxer as cópias dos documentos até as 16 h, pode vir falar comigo...
- Não vai dar
tempo, pensei, não vai dar...
Saí bem depressa,
a identidade eu tinha comigo, mas quem carrega a certidão de casamento de mais
de trinta anos na bolsa??
Voltei pela praia,
para evitar o trânsito e senti uma ambivalência digna de um bom neurótico.
A velocidade
máxima é de 60 Km/h e eu tinha muito pouco tempo para atravessar doze
quilômetros.
Tensa, fui
dirigindo no limite e nem reparei o mar que se exibia para mim.
Voando, peguei a
certidão em casa, tirei a Xerox no shopping e tratei de me esmerar nas acrobacias
de trânsito típicas dos cariocas.
Cheguei!
Fui direto ao
guichê:
- Consegui!
Ela pediu que eu
esperasse mais um pouco e uns quinze minutos e trinta buzinadas do quadro de
senhas depois ouvi dizerem:
- Miguel Antônio!
Opa, é comigo.
Lépida, acompanhei
o sujeito que conferiu todos os pneus que tilintavam de novos e disse:
- Não pode mais
pintar a placa, não, tem que trocar, tem que pagar o Duda.
Engrossei de novo:
- O moço disse que
podiaaa!
- Ok, mas agora
não pode mais, tá?
- Tá!
Quando saí eram 16h10min.
Mas saí com meu troféu e uma sensação incrível de felicidade!
Consegui honrar o
meu dia e dar cabo de uma tarefa complexa!
Uma salva de
palmas para mim!
Um comentário:
eu costumava dizer que quem nunca foi ao detran, não sabe o que é a vida :-D parabéns por ter conseguido!!!
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