sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cuidados paliativos

Tanatologia. 
Cuidados paliativos...
Precisamos todos! 
Dentro de cada indivíduo existe o medo do obscuro e do inevitável. 
Não vamos em direção à morte; é ela quem vem ao nosso encontro.  
Seria o susto maior, a expectativa ou a certeza? 
O que fazer agora que não mais podemos, se já fizemos tanto e sempre?
Ah, quimera, querer viver e ser mortal; ter trabalhado e  tornar-se incapaz.
Resta esperar que tudo seja leve para si e para os próximos.
Pode-se acalmar a dor, o desconforto... Mas há perdas; é uma perda.
Deixar-se ir rumo ao desconhecido, assemelha-se a deixar-se nascer...
De qualquer forma, não cabe a nós a decisão.
Mas, cabe a quem?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Bate-bate

Atualmente, voltou à moda um brinquedo que na adolescência enchia meu braço de equimoses.
O bate-bate ou teco-teco.
São duas bolinhas de acrílico presas por um barbante grosso. A mágica é conseguir bater as bolinhas acima e abaixo da mão. Inesquecíveis: os arroxeados no braço e o som cadenciado e agudo das duas bolinhas se chocando. Bate-bate-bate-bate-bate-bate. É preciso treino, resignação e persistência. Quanto melhor o artista, mais ritmado e uniforme é o som. Mas, o barulho gruda. Vou dormir e bate-bate-bate-bate. Venho para a sala escrever e bate-bate-bate-bate. Hoje capitulei:
- Diabo desse menino que não para de brincar com essas bolinhas aqui em frente de casa! Por que não vai bate-bater no ouvido da mãe dele?
Fui lá fora, abri o portão muito irritada e ninguém...
Bate-bate-bate-bate.
Enervada comentei sobre a praga com o Miguel. E ele:
- Que isso, é o passarinho!
Entramos em uma discussão cheia de asteriscos. Por fim ele me mostrou e me fez ouvir.
São os beija-flores!  Fizeram um ninho e estão em polvorosa com seus prováveis rebentos!
Eles são meus queridos, podem bater e rebater à vontade.  Faço muito gosto. A casa é deles.
Mesmo que eventualmente eu precise sair de fininho e ir escrever no silêncio do quarto.



terça-feira, 26 de junho de 2012

É noite ainda?

Eram oito horas e acordei com fome. Tudo estava escuro, parecia madrugada. Tentei voltar ao sono, mas pensava nas tarefas do dia; era minha hora. Saí da cama devagar e bem agasalhada, abri as cortinas. Chovia. Mesmo assim deixei  que o ar úmido entrasse e acordasse todos os pequeninos animais que nos habitam.
Ao passar um creme nas mãos, em meu lento processo de despertar, vislumbrei entre os dedos um ponto de luz que procurava se esconder de mim. 
E ele crescia.
Em poucos minutos, era uma bolota brilhante e iluminava inclusive o dia cinzento lá  fora.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Exposição

Gostaria que inventassem um "filtro solar" para os sentimentos e ações das pessoas com quem convivemos, aquelas que nos orbitam.  Algo que se pudesse passar sobre a pele, uma fina película; um líquido para o gargarejo, e gotas para pingar nos olhos e nos ouvidos.
Talvez fosse o bastante para amenizar o desconforto de ser observada continuadamente; coitadas das princesas, essas verdadeiras mártires da mídia e do diz-que-me-diz-que. Uma roupa repetida, uma nesga de perna que aparece, uma olheira mal disfarçada...
Bem, convenhamos, não tenho nada de realeza.
Mas sinceramente pretenderia passar despercebida até mesmo pelo meu cachorro, se isso fosse possível. 
E em imagem especular, a paródia: eu mesma tecer a rede de intrigas?  
Evito sempre que possível comentar sobre a vida alheia. 
Não passo adiante, mas me divirto a observar os viventes.
Todos são muito interessantes quando se quer ser um artesão das palavras.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um suspiro na rotina.

Olhe, vou viajar e voltarei na quinta.
Para o jantar de hoje, prepare o repolho, daquele jeito, assustado, com pedaços de maçã e cebolas. As casquinhas de siri, para acompanhar.
Amanhã, faça a sopa de ervilhas, bata em creme e refogue um peito de frango, parta em pedaços grandes e adicione à sopa.
Na quarta, faça o restante do repolho, dessa vez refogado e em lascas. Coloque batatas inglesas e uma boa porção de carne de sol.
Deixe as frutas picadas e acondicionadas dentro da geladeira, como sempre faz. Três porções por dia. E um café fresco.
Na quinta feira, quando chegar, retomaremos a rotina até a próxima viagem. 


sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Ana

Ana e eu passávamos muitas horas juntas.
Era em um casarão que servia de ateliê de pintura e onde tínhamos aulas com profissionais de muito gabarito. Eu ia pintar quase sempre e no dia de aula chegava antes do professor.
Um dia ele capitulou: Fez uma cópia da chave para mim; e quem quisesse pintar durante a semana ou mais cedo no dia da aula, saberia que eu estava lá. Os planos de cada aluno eram variáveis, mas eu tinha uma companhia infalível. A Ana! Cada uma em sua parede, pintávamos telas enormes e nossa comunhão pairava ali no ar carregado de cheiro de tintas e solventes.
Bons tempos!
Mas mudamos.
Eu de cidade e ela de país.
Eu de profissão e ela de perspectiva.
Se antes pintava telas enormes - em tecido preparado para pintar e esticado nas paredes com grampos ou pregos - que eventualmente eram enquadradas -  passou a pintar pequeno, com se olhasse lá das nuvens. É como se ela estivesse um tanto mais afastada das imagens que tem para compor seus quadros.
Lindos, coloridos, felizes!
Eu sei porque; e ela também sabe.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Saborosos

É muito curioso observar como funcionam os marcadores dos blogs.
Em geral, coloco palavras que estão no texto e que me parecem mais importantes. Não é assim que se faz?
Mas invariavelmente, duas postagens antigas estão sempre presentes nas estatísticas:
Receita de merengue - onde comento a experiência de fazer um merengue emocionalmente delicioso com a Helena;
e um texto que denominei: Peladinha.
Explico! Trata-se de uma viagem intelectual aos meus quadros (pois é, gosto de pintar) que dispensei no lixo em um mau momento. Entre eles havia um estudo de nú artístico,  daí o nome.
Alguém rapidamente carregou o quadro para casa e foi esta história que postei.
É claro que este título nada tem a ver com a busca:  "peladinha".
Desta forma, constato  que peladinha e merengue são meus textos mais...saborosos!


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Quer namorar comigo?

Ela é bonita, sacudida, muito alegre, o cabelo sempre curto e arrumado, cor de ferrugem. Vem cedo para o trabalho e cruza com os pedreiros do sobrado que está sendo construído na esquina. Disse-me que perde o passo, porque os rapazes ficam olhando para ela até lá na frente. Particularmente um deles, que a chama de querida. "Bom dia, querida!" Ela dá bom dia sorrindo e anda mais depressa. Sente o rosto afogueado, mas não transparece porque tem a pele morena.
Semana passada, assim que a viu ele perguntou:
- Minha linda, quer namorar comigo?
Ela olhou para ele sem graça, reparou bem naquela boca com só quatro dentes de um lado, segurou firme a bolsa e tropeçou na calçada antes de responder:
- Eu não!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Dia dos namorados

Neste dia dos namorados, além das flores e chocolates, quero compartilhar com os amigos o meu ser feliz de todo dia. Aquele arranjo ideal de amizade e persistência em um objetivo comum.
Faz muita diferença viver o arroz com feijão depois de ter escolhido, lavado e cozinhado esses grãos. Também é importante transformar a batata quente em purê e o doce de leite que sobrou em recheio de bem-casado.
E usar todos os segredos para criar um mistério que deve existir sempre, porque a surpresa alimenta o amor.
E cá entre nós, nada como um casal bem alimentado.
Sem excessos, claro!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Estrelas matutinas

Vênus transita em frente ao sol e sua sombra se mostra aos mortais, viúva negra e sólida; ponto de partida: hoje, e ponto de chegada: 2117.
Porque Vênus transita e se mostra envolta em brumas, eu a exploro dentro dos meus próprios mistérios, mas não tenho a majestade da rainha Elisabeth, que ao quedar-se firme por quase quatro horas a ver navios, ainda sorria.
Ao compartilhar essas femininas personas lembro-me também da Márcia que faz aniversário e segue seu curso como o Rio que se entrega ao mar.
Vejo da minha janela que um cobertor de algodão cinzento cobriu o céu, mas graças à tecnologia poderei assistir a Vênus pela TV, assim como vi a rainha em seu jubileu de diamante e pude saber que é  hoje o aniversário da amiga!
Parabéns a todas as estrelas matutinas que pude ver passar.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

"Ausência de presença"

A manta do sofá guardava ainda a forma do corpo dela, hoje pela manhã. Pude vê-la aqui ao meu lado, a descansar sobre as almofadas e, muito moderna e encantada ler Machado em seu Kindle,
Peguei a coberta e desfiz a ilusão. Com uma chacoalhada pulverizei sua presença por toda a sala.
Micro bolhas multicoloridas pairaram no ar e depois se assentaram sobre os móveis, as frestas, as persianas...
Algumas eu fiz explodir com um toque, ao saborear um brigadeiro, tomar um Nespresso, ou caminhar na praia.
O dia está lindo, mais uma vez.
E sei que as microbolhas de presença que se espalharam por aqui vão nutrir meu cotidiano até a próxima vez.