quinta-feira, 30 de junho de 2011

Antepasto

Escrevo para meu próprio consumo, assim como faço o jantar.
Volto aos assuntos que mais gosto e também às receitas preferidas.
Atualmente, estou em um dilema entre o saudável e o saboroso.
Aquele saudoso prato, revisitado pode tornar-se um desperdício.
E a escrita? Fugaz é a memória que a ninguém perdoa. O que era mesmo o que queria dizer? Enquanto não lembro vou cozinhar um pouco.
Comprei berinjelas e pimentões, juntei tomates pelados, cebolas e alhos, misturei tudo com um pouquinho de azeite e coloquei no forno para assar devagarinho.
Pensava em fazer um antepasto delicioso e de baixa caloria. Com pouco azeite e pouco sal, alguma pimenta que acrescentei depois, ainda faltava um toque... Das outras vezes colocara muito  azeite, uvas passas, castanhas e um pouquinho só de vinagre de vinho. E comíamos com pão, bastante pão.
Uma receita tão boa... que eu destruí ao colocar quase meio litro de vinagre em substituição ao saboroso e calórico azeite.
Não dava para comer de tão ácido. Ardia os olhos e depois de algumas horas um vulcão lançava suas labaredas de dentro do meu estômago.
Lavei os legumes, aferventei, acrescentei berinjelas e tomates, um pouco mais de sal...
Lembrei-me que para diminuir a acidez do molho de tomate colocamos açúcar. Experimentei colocar uma modesta colher de chá. Olhava para a travessa, provava aqui e ali, o que estava faltando?
Foi aí que  desisti de lutar contra as evidências. Peguei um bom azeite derricei fartamente sobre a receita. Só o brilho do azeite acendeu minhas expectativas! Que cheiro bom!
Foi então que deixei a dieta para amanhã, comprei um saboroso pão italiano e é claro um bom vinho português.
Vamos jantar soberbamente!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Inverno

A chuva balbuciava lá fora.
Um vento assustou as cortinas e eu acordei transida de frio.
Aqui, entre quatro paredes - as minhas paredes - espero o amanhecer da segunda-feira.
Ontem passeávamos em um céu sem nuvens e no meio da noite, a chuva, a chuva.
Andar nas nuvens? Mais dificil que correr na areia fofa...
E assim, divagando, deixo que o dia se arme; uma luz difusa e tênue.
Hoje os aviões atrasarão, o trânsito estará ainda mais complicado.
Mas temos que viver o ruim também. Um contraponto.
Mesmo em um dia assim, que começa inesperado pela madrugada, haveremos de comer pão, tomar café e escrever um pouco.
A vida continua e o tempo é circunstância.




quarta-feira, 22 de junho de 2011

23

Fiquei acostumada a vê-la caminhar pela sala, pequenininha, sempre muito cautelosa, raramente caía. Segurava com firmeza as pontas de apoio, os dedinhos  brancos da força que fazia para sentir-se segura.
Alguém disse que coragem é sobrepujar o medo.  Como os cães animosos que eriçam os pelos mas partem para o perigo.
Tem medo sim, minha menina, mas é cheia de coragem. Não se atira não, que isso a mãe é quem faz, ela se entrega. Envolve-se  com seus projetos, que escolhe com cuidado, e vai em frente.
Fiquei acostumada a vê-la chorar muito por qualquer incidente ou repreensão. Chorava com efeito "blockbuster" - o mundo ouvia. Com os anos foi ficando mais contida na garganta mas os olhos marejados traem.
Qualquer suspiro mais fundo de alguém querido e ela fica muito preocupada: o que foi? O que aconteceu?
Depois se acalma, discute com bons argumentos, quer resolver tudo. Então segue adiante.
Quem já ouviu aquela risada cintilante sabe o que quero dizer. Delícia. Se pudesse me transformava em um palhacinho sobre seu ombro, só para vê-la gargalhar mais amiúde.
E o abraço? Como pode ser tão envolvente e quentinho?  Vem lá de dentro, gente e se expande numa aura cálida.
Reconheço às vezes em um reflexo o meu bebezinho, mas 23 anos depois ela tem muitos poderes.
Tomem cuidado, vocês intempestivos.
A única kriptonita para ela é a injustiça.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O primeiro dia

Caminhava e olhava interiormente.
Pisou nas flores recém caídas que tingiam o chão de vermelho.
Dentro dela um jardim florescia.
Fora escolhida para trabalhar e era seu primeiro emprego.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O último por do sol do outono

Passou-se o último fim de semana do outono. Que presente! Dias radiantes, temperatura amena, uma brisa e nada sério para fazer. Só conversar, caminhar, ver bons filmes e comer muito bem.
Para encerrar o domingo, em geral cheio de presságios, houve um por do sol desses de tirar o fôlego.
Amigos de outras cidades fotografaram o fim do dia, na internet muitas fotos cálidas estão expostas.
Foi lindo, foi lindo.
Fiquei aqui pensando porque o por do sol arrebata a gente.
Como sabemos que é bonito. Será que aprendemos com nossos pais...
Não pode ser, não é como aprender a apreciar a arte, ninguém teve aulas de fins de dia.
Emoção, quase dói.
Penso que são as cores quentes, mas e o mar azul, verde e branco que é tão frio em suas cores e nos enleva também?
É preciso aprender a ver pinturas para saber apreciá-las. Mesmo assim muita gente não entende as abstrações, por exemplo.
Surge uma menininha que pinta quadros com os pés e é um enorme sucesso de vendas.
 Talento? Talvez... Marketing? Com certeza.
Nenhuma criança pintou o por do sol, que nem tem preço. Como sabemos que é belo, como?
Todos ocupados trabalhando no dia a dia, nem se sente que as horas passam, e já é noite. Que tem lá a sua "boniteza" também! A lua redonda, a falta dela no eclipse, tantas imagens divinas...
Até o lixo pode ser belo. Mas é uma beleza composta, fabricada. Reconhecemos os ensinamentos dos fotógrafos, dos artistas, dos críticos.
Não o por do sol.
Explode no coração da gente.
Penso nos deficientes visuais, aqueles que nunca viram a luz.
Como interpretam as cores, hein, Helena?
É a voz embargada de quem faz a audiodescrição que sensibiliza?
Para mim, este é um grande mistério.
Um mistério lindo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

É bom!

Não me importa se encontro alguém pretensioso e arrogante.
Vejo beleza onde ninguém vê, pequenos detalhes me dão súbita alegria.
Não faz mal se hoje à noite jantarei sozinha.
Compartilho minha muda solidão com os violões e os cães.
E amanhã, outro dia lindo, mesmo que chova demais, mesmo que frio demais.
Vejo brilhantes nas gotas de chuva e também antecipo um gostoso capuccino enrolada em um bom cobertor.
Viver é bom!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Tarde de domingo

Tenho a minha frente uma fotografia adorável, clique da Irina, minha boa amiga de São Paulo, dos tempos da faculdade.
A foto mostra em primeiríssimo plano do lado esquerdo, um poste e um tronco de árvore, que  "emolduram" e dirigem o olhar para o restante da cena. Tanto o poste - vertical, quanto o tronco que está deitado na horizontal atrás do poste,  tem ranhuras e  relevos, luzes, manchas, alguma sombra fugidia e uma definição marcante. À medida em que o olhar se desvia para a direita vemos ao fundo uma parede também manchada com pixações em tons vermelhos. Há a sombra de um objeto que não vemos, uma árvore ou um arbusto. Pinceladas de cor aqui e ali aparecem nos tons róseos e acinzentados da pintura envelhecida da parede.  E então mais uma vez emoldurada, desta vez pela esquadria  vermelho vinhosa de uma porta branca  que tem vários recortes na madeira, observamos uma criança de uns sete anos, que veste calça jeans e um blusão que temporiza o outono frio da Argentina. Ela está em uma bicicletinha rosa e inicia o movimento de pedalar. Quase não vemos suas feições, seu perfil está voltado mais para dentro do quadro, (e de si mesma) e a pesada cabeleira presa em um rabo de cavalo frouxo a mostra concentrada e livre. Toda a atmosfera da foto é de uma aconchegante e bem vinda solidão. 
Não me canso de olhar e descobrir nuances de cores, parece-me até que as sombras se movem e a menina foi aprisionada em seu momento de equilíbrio estático.
Mostrei a foto emoldurada para minha funcionária. Ela virou ligeiramente a cabeça e comentou.
-" Olhando assim até parece a Helena..."
Deve ser por isso que a fotografia me enfeitiça tanto.
Ou então é pela fantástica composição de luz, sombra, movimento e pequenas variações de cor que sempre me fascinaram nas pinturas, bem mais fáceis de criar que em um instantâneo.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um dilema

Quando saio para correr no condomínio gosto de fazer a volta completa, vocês sabem, sou uma pessoa de hábitos. Faço sempre o mesmo trajeto, quase sempre no mesmo horário e ao final de seis voltas venho para casa cansada e feliz. Quem corre sabe o que quero dizer. Quem não corre, deve experimentar.
No mesmo horário várias mesmas pessoas estão se exercitando, ou à caminho do trabalho; alguém sempre vem do mercado com o pão quentinho para o café da manhã.
Quando cruzo com essas pessoas cumprimento e sigo correndo.
Mais estressante é quando vão no mesmo sentido que eu.
Assim que vejo uma pessoa a minha frente corro mais depressa para passar logo por ela. Alguém a frente é como a cenoura do cavalo, tenho que alcançar.
Mas sou barulhenta para correr. Talvez por ter começado tarde, minha respiração é um tanto ruidosa e ofegante, acho que sou pesada e óbvia como um rinoceronte e carrego minha tralha - a chave de casa, a garrafinha com àgua, o Iphone. 
Hoje fiquei me perguntando se acontece assim com todos que correm... mas não é a minha impressão...
Quando vou me aproximando, o dilema. Tento ir de mansinho, correndo em ovos, aperto a chave para não tilintar, prendo a respiração por alguns segundos.
Não adianta! Todos olham para trás - Quem vem lá? 
Em geral olham com um certo susto e eu quase peço desculpas...
Pelo menos é um susto só por dia. Nunca consegui passar pela mesma pessoa duas vezes na mesma corrida. O que significa que posso correr mais depressa...
Ou então estão se escondendo de mim quando ouvem minhas passadas trôpegas. O que significa que devo parar de correr.










 dentro do condomínio

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Poeira

Vulcões, tsunamis, terremotos, carros alegóricos, namorados, bombeiros, dia de Santo Antônio, traficantes, baleadores e a formiguinha que morreu.
Por aqui na vida eletrônica da minha vida, tudo passa num clicar de olhos.
Na realidade,  preciso tolerar uns rapazes que se alternam no piso da minha varanda.
- "E nós e nós?"  Perguntam o mestre de obras e seus pedreiros. Querem receber seu troco, antes de terminar o trabalho, que a vida está custosa, mesmo com esse sol azul-cristinho, mesmo em pleno e adorado outono.
Lá vão os pedreiros bem devagar e fazem um servicinho que beira a mediocridade...
"- Fica pronto em dois dias..." - depois de uns dez dias pergunto - " E então? "
"- Complicou, tem infiltração,  tenha calma, não vai demorar nada, só falta isso e aquilo, hoje mesmo termino".
Amanhã ele vai voltar, não acabou, que pedreiro aborrecido. E eu tenho que esperar para limpar só depois de lixarem tudo e a poeira é quase igual à poeira lá do vulcão chileno.
Pó, pó de tinta de parede, de rejunte, de restos de cimento. Tudo fechado mas o pó...
Tudo absolutamente hermético; por onde entra o pó? Vem pelas frestas que não vemos, pelas brisas e ventos que não sentimos; vem bisbilhotar as narinas dos alérgicos e  cobrem tudo de poeira grossa e   amarelada, que nunca mais vai sair, gente, nunca mais.
Então imagino nas hecatombes, meu Deus quanto pó!
Imagino desanimada, com preguiça de viver para limpar tamanho desserviço.
Felizmente, muita gente arregaça as mangas, amarra o cabelo, usa máscaras e luvas e vai trabalhar.
Cá entre nós, que bom que só tenho uma varanda reformada com seu pó atazanando.
Nada muito terrível.
Bom....tem tido o vento, umas ventanias insanas, chacoalhando os coqueiros e destelhando a vista.
Mas pode ser que eu tenha somente sonhado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Porteiro do dia

Saí do prédio com pressa, disse bom dia ao porteiro, peguei o carro na rua e dirigi até a casa do meu tio na segunda esquina depois de virar à direita. Está frio e eu encapotada passei na padaria para tomar um café, comer uma média e comprar alguma sopa dessas prontas para fazer no jantar.  Gosto da sopa de cebolas que fica ótima se incrementamos um pouco com temperos e cebolas a granel. Pronto, já tinha meu jantar programado, podia deixar na cozinha e cair fora para o ponto de ônibus, encarar um trânsito até chegar ao trabalho. Bom, melhor no inverno, melhor no inverno. A não ser é claro que o ônibus lotado fique completamente sem ar fresco e todo mundo com frio e suado, babando no paletó alheio. Terrível.
Enquanto pensava nisso cheguei ao meu prédio, carregando uma sacolita de papel pardo e o porteiro me olhou como se tivesse acabado de me cumprimentar. Tinha mesmo, não sou uma miragem, bobão.
O que será que pensam os porteiros durante todas as horas do dia? Um chega e sai de repente, outro não chega e volta sem bagagem, um sobe de elevador e desce de escadas vários andares. Deve ser uma vida muito cheia de assunto, acho que eu teria o que dizer para sempre só bastava ficar algumas horas na portaria.
Quem vem lá? É a moça da limpeza do 13 andar. Vem sem a chave e pede a cópia na portaria. Depois esquece de devolver e a mocinha fica presa do lado de fora, como haveria de ser? A outra moça precisa chegar e abrir a porta, as duas dão risada mas a mocinha está contrariada, passou frio e se resfriou.
Imagine a quantidade de histórias o porteiro armazena todos os dias...
Coitado do porteiro. Mal sabe ler, imagine se vai guardar histórias. Criá-las então a partir da rotina é impossível para ele.
Bom, como diz uma música bem antiga mas que sempre gostei:
Ora, deixa ele pra lá!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dia dos namorados

Na mesa em frente a minha, na hora do almoço, havia um sujeito com um olhar inquietante. Pensei tratar-se de um distúrbio físico, alguma patologia que desconheço e fiquei até envergonhada de ficar perscrutando. Ocorre que não podia engolir porque aquele olhar torturante olhava para mim; insistia nisso.
Então resolvi encarar de frente. É assim que pessoas corajosas fazem. O rapaz devolveu a mirada com alegria e triunfo. Era a mim que ele engolia. Senti um certo empuxo mesmo, segurei firme na cadeira e olhei de volta  interrogativa. O que há com você?  Então os olhos sorriram ligeiramente. Entrei em pânico. E agora? Mudar de lugar? Desistir? Não, ora. Voltei para meu almoço que a essa altura esfriara no prato e tinha pouco sabor. Já não ouvia mais meus colegas de mesa. Meus olhos estouvados, buscavam olhar para o lado, para cima, mas os bugalhos me atraíam.
Levantei-me para ir embora com fome e certa fascinação.  Com os diabos, que falta de controle...
Ao passar pelos olhos, eles piscaram vivamente.
Então era comigo!
Voltei para o trabalho e pensava que o dono do olhar deveria estar sozinho assim como eu.
Nada mais saudável e adequado que engatar um romance, faltando poucos dias para o 12 de junho.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Frustrações

Devagar, bem devagar vai passando a raiva e a frustração.
Eu já sei de mim há tanto tempo e não me acostumo. Fico a mercê de um curto circuito muito rápido, nenhum outro pensamento me distrai.
Com o tempo, o correr dos dias, vou ficando menos ultrajada e mais triste, com esta infelicidade crônica de quem não sabe perder.
Ausente, incapaz de sair desse carrossel implacável, tonta, aguardo que tudo pare e que o circo apague suas luzes para que eu possa dormir embalada em um pequeno fragmento de comprimido para insônia.
Tenho que esperar  meu tempo de dor e cicatrização.
Só então estarei novamente íntegra, completa e eventualmente feliz.