sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"Peladinha"

Durante o periodo da Residencia Médica, em meados dos anos 80, resolvi aprender a desenhar e pintar. Precisava expressar meus sentimentos e conflitos de uma forma mais pungente que cantarolar no banheiro.
Tive vários professores e de cada um guardo lembranças muito boas e descobertas incríveis.
Pintei muito, muito mesmo.
A princípio fui aprender a desenhar. Depois usei todo tipo de material e todas as técnicas possíveis para experimentações, estudei perspectiva, cores, composições; luz e sombra e por aí andei em um mundo mágico demais para ser descrito.
Muitos anos depois, fazendo uma limpeza nas tranqueiras que vamos juntando, resolvi jogar fora umas 4 ou 5 telas desses tempos de aprendizado. Quando fui colocar o lixo lá embaixo, levei as telas que deixei encostadas no muro para que os lixeiros carregassem.
Entre elas estava a tela de uma moça nua, de uma aula com modelo vivo.
Uma hora depois fui olhar pela janela - provavelmente para dar uma baforada - e vi no meio da rua um frentista do posto da esquina carregando a minha "peladinha" debaixo do braço. Achei uma delícia.
A partir daí de vez em quando olhava lá fora para ver os progressos da minha "doação".
Um último quadro acabou ficando à deriva. O patologista.
Era a pintura de um microscópio e um patologista se olhando meio pela tangente, numa perspectiva no mínimo ousada, para não dizer errônea.
Alguém passou, resolveu carregar e desistiu no meio do caminho, então o pobre quadro ficou a noite toda abandonado no meio da rua. Pensei em ir resgatá-lo e transformá-lo em pó; e não tive alento.
Mas cada vez que um carro passava pela rua de paralelepípedos e massacrava ainda mais meu pobre patologista sentia uma indescritível dor no coração.
Também pudera! Não se estraçalha assim com tanta violência nem mesmo o mais obtuso dos animais.
Porque fazê-lo com uma parte da minha vida?

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