quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Aterrissar


Desfazer as malas.
Separar joio e trigo.
Lavar o pó da estrada.
Viajar nas lembranças; em cada recordação, uma extra-sístole.
Varrer a casa. Limpar a poeira. Abrir as janelas.
Deixar entrar o ar e outras paixões do vento. A brisa, o cheiro da estação.
Abater-se um pouco, bater-se um tanto, enxovalhar-se e reagir passando a ferro.
Depois é só exorcizar uns pesadelos.
E abrir-se para as novas viagens, desta vez, experimentais.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ah, o desejo!

Até mesmo o sol do Rio de Janeiro fez uma pausa, na eminência das viagens que parte da família faria, cada um para um lado, rumo aos seus próprios destinos.
Estou de volta ao meu canto e aos meus sonhos de sucesso... Quem sabe?
Todo mundo quer ser feliz, queremos arrasar e ter a alegria da missão cumprida.
Ou comprida? Minha missão parece ser eterna, nem mamãe acredita, mas eu devo ser eterna porque não compreendo de onde virá algum sucesso.
Talvez devesse voltar no tempo e descobrir se deixei passar alguma brecha significativa.
Talvez devesse esquecer, agora que tenho mais de cinquenta e perdi o lirismo que os estrógenos propiciam...
Mesmo assim, acreditem, sinto-me extremamente lírica, apenas estou madura e meus sonhos são mais realistas.
O que desejo está a milhas de distância do que é possível...
Paciência.
Desejar não realiza.
Desejar dá esperança!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pijama


Quando abriu os olhos e viu o teto manchado com as nódoas da última chuva, virou para o lado e quis adormecer outra vez. Mas o sono... O sono já se fora para fora do quarto, pela janela. Sem muita alternativa, a cama agora quente e amarfanhados os lençóis, levantou-se e foi até a sala atrás de... O que mesmo tinha ido buscar ali? Coçou a cabeça, prendeu o cabelo em um nó e foi lavar o rosto e se arrumar para a rotina do dia.
Uma pena precisar trocar o confortável pijama por sapatos de salto e batom...



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Azulzinho


Azul, azul, azul. 
Pequenas pinceladas de branco fosco meio esparramadas.
Nada se mexe, mistério...
Aqui e ali,  poças de água  refletem redentoras, o azul.
Os ipês amarelos começam a florir, algumas folhas no chão tornam-se castanhas.
Chapinhei numa poça, encantada em desvirtuar aquela plenitude.
Com os pés molhados e uma gota de inveja desejei ser também volúvel, mas eterna.
Só em nossas vidas tudo passa. 
Na natureza volta-se sempre ao início, repetem-se as cenas de tempos em tempos.
Por sermos passageiros, temos a necessidade visceral de deixar nosso legado para as próximas gerações.
Eu e minha natureza sonhadora escrevemos.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A viagem


Talvez eu volte com ela.
Vai ser bom viajar assim e ver a paisagem  familiar; conversar livremente, jogar a conversa pelas janelas, morrer de rir e fazer troça. Vamos recontar histórias e trocar alguns detalhes; relembrar das novelas que passamos juntas e mesmo os dramalhões da existência tão boa que temos tido.
Ela deve falar do amigo, aquele que era professor de pintura e já morreu.
Bom amigo, que lástima. E eu talvez diga mais uma vez, que mesmo assim valeu a pena, porque a emoção é soberana sobre o lugar-comum de ir vivendo atoa, sem um sentido e com o único destino inevitável.
Não, deve-se pagar o preço e ir buscar alento nas cidades novas, nos países desconhecidos e mesmo naqueles cantos onde se quer voltar. Devemos rever conhecidos e renovar amizades esquecidas nos jardins.
Talvez eu volte com eles desta vez.
Inusitada viagem de quem vai partir com quem vai voltar.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

As questões

Não é fácil, é apenas possível...
É complexo, quase uma armadilha.
O coração acelera e suspira na mesma batida. Baticum de saudade e pesar, da falta que se vai sentir, ao lado do baticum da novidade e da alegria do desafio.
Podem ser fugazes todas as coisas? Podem ser eternas todas as apostas?
Como subir os degraus? Devagar? Segurar "o" corrimão? Correr escada acima explodindo balões de gás?
Em que nível estamos, quando estamos bem? Quando é a hora de virar a página? Pode-se, como em um livro, voltar atrás, reler o texto e as entrelinhas, se divertir outra vez?
Questões... Dúvidas...
Entretanto não é como repartir um bolo, nem mesmo dividir um doce.
É trabalho para um Hércules, para alguém que tenha força, determinação e ousadia.
A maior tristeza é saber que não podemos voltar a ler o livro da nossa vida.
O que está feito está feito, já é história.
Tomara que sua história seja um romance com final feliz!


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pintassilgo


Quando estive em São Paulo, no começo do ano, depois de chegar exausta na casa da Beré, tomei um café da manhã reforçado e fui para a cama preparada de antemão pela  Juranir, que recomendou: - É melhor você dormir para estar pronta para a festa mais à noite.
Fazia sentido. Deitei com os olhos bem abertos, dormir não parecia provável, mas insisti.  
Um piado monótono e persistente chamou minha atenção e aí ficou bem difícil. 
É possível fechar os olhos, mas e os ouvidos? 
A há! Eu tenho um truque! Já comentei aqui que sou completamente surda de um ouvido; então basta deitar sobre o outro lado. Bom, para alguma coisa haveria de servir, certo?
Adormeci, esquecida do piado, de onde estava, de que dia era...
Já ia entardecendo quando fui despertada pelo canto mais bonito e eclético que jamais ouvira. Eram lindos trinados, sons rascantes, melodias inusitadas, um festival de sons! Estaria sonhando ainda?
Sentei-me na cama e prestei atenção, maravilhada.
Fui perguntar:
- Mas este passarinho que está cantando é aquele que piava de manhã? Que vitaminas dão para ele, indaguei pensando na Tata, minha irmã rouxinol..
Não era o mesmo. O filhote de curió que eu ouvi antes de adormecer, ainda não havia iniciado seu aprendizado básico. Mas escondido em outras ramagens estava meu cantor preferido: Um pintassilgo maduro.
Quero um desses para mim!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Os vira-latas

Todos somos vira-latas! Não somos?
Aqui por perto, muitos que caminham com seus cães de raça, mostram na pele, no cabelo, no corpo inteiro sua miscigenação.
Há o casal nipônico, ele mais arraigado que ela em suas raízes. É habitual cumprimentarem com um aceno mesmo que eu esteja a centímetros deles. Ele anda um metro na frente. Sempre. São adoráveis mestiços.
Uma inglesinha de cabelo crespo tem seu rhodesian ridgeback tão bonito e amável que dá gosto vê-los. Ainda vou comprar um... 
Já os vira-latas são doados...
Meu cão é um rottweiler com pedigree. Bonito, arrogante, poderoso. Mas dá um trabalho doído mantê-lo, contê-lo, amá-lo. É uma grande paixão em minha vida, mas ando preferindo os vira-latas;  já tive alguns gatos sem raça definida. São mais resistentes, mais fáceis de cuidar, como somos nós, os humanos comuns, uma sopa de letrinhas. 
Os vira-latas, quando filhotes, são um enigma: Que porte terá? E o pelo? Será crespo? Será longo? E esse alegre rabo enrolado? Que felicidade!
Nós também somos uma incógnita quando nascemos. Teremos o porte do pai? A pele da mãe? A inteligência do avô?
Não saber para que lado se inclinará tal pepino, e para onde irá depois de torto é nosso maior prazer ao ter bebês para criar.
Deixemos que a sábia natureza, tão capaz de misturar ingredientes e gerar rebentos sólidos, se mostre.
Ser vira-latas é tudo de bom!



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O que partiu


Quem serão estes seres tão semelhantes, mas  desconhecidos, aqueles que reconhecemos ao sonhar e que se esfumaçam  ao acordarmos... São tão familiares que até dói saber que só existem nas sombras.
As pessoas próximas que nos fazem lembrar aquelas que não mais existem nos dão alento para continuar e ir.
O riso frouxo, a saciedade conquistada devagar, o gesto típico.
Quando todos vão embora e nada resta, sobra o cheiro de alma no quarto e um papel de bala atrás da cortina.
Uma isca, acho. Para aquela sombra  vir, curiosa, destrinchar o perfume que ficou ali. E a gente na expectativa de uma fisgada. 
Seria mágico capturar de novo qualquer momento vívido, qualquer lembrança doce que vivenciamos.
Haveria conforto e alguma lágrima.
Vontade de partir também para encontrar o que já partiu...
Mas... E se não houver encontro?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Família Mineira


Quando amanheci, pensava com palavras conhecidas, mas de pouco uso recente. Depois desandei a falar com frases que saíam da minha boca por conta própria, onde estavam todas elas antes?
Compreendi! Estavam no subsolo da lembrança, no fundo da piscina onírica, no canto esquecido onde se guarda aquilo de que não conseguimos nos desfazer.
Meu acervo de palavras foi recuperado vivamente por uma família das Minas que passou conosco, aqui no Rio, uma semana de deliciosas conversas. Como são queridas com seu sotaque, suas reticências, e o balanço inconfundível do linguajar mineiro. 
Sinto que voltei  no tempo e estou caipira de novo, estou novinha em folha neste trem!
Existe aqui dentro e em toda a casa, a calmaria dos olhares alongados, tudo é devagar, mas para sempre.
Estou recuperada em minhas origens e cheia de diminutivos. 
Pode não ser muito bonito na escrita, mas no diálogo, na conversa atoa, é danado de bão!