segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mas isso não é um sonho, é um pesadelo!

Meu cachorro teve um sonho. Sonho, não, pesadelo.
Gania e ladrava e ao mesmo tempo se remexia em patas e focinho, sobre um agonizante tapete.
As vezes ele tem desses sinais de ser vivo.
Em geral se o vejo muito inquieto, chamo, para acordá-lo, e ele me olha bobo com tamanha confusão. Depois cochila de novo, mais brandamente.
Não há como interpretar o sonho dos cães. Nem dá para saber se teriam algum insight em decorrência deles...
Eu o chamo de longe,  não sou boba de tocar nele, que poderia me cravar os dentes como se eu fosse o pitbull da vez.
Soube que algumas medicações podem causar pesadelos terríveis nas pessoas  e que o pobre parceiro acaba apanhando quase  toda noite. Se ainda continuam a compartilhar a mesma cama depois de tanta injustiça o jeito é colocar um travesseiro bem grande e macio entre os dois.
Quanto a mim, meus sonhos são sempre bem vindos. Aprendi a compreendê-los e amá-los.
Eles fazem tanto sucesso quanto meu café da manhã.
Um sonho quentinho é tudo de bom!

domingo, 30 de outubro de 2011

Doidos varridos

Cada vez mais encontro zumbis pelas ruas e calçadões!
São pessoas de todas as idades e raças, mas as mais perturbadoras para mim, são aquelas que se parecem comigo. Altos, meia idade, mulheres ou homens, com ou sem cachorros, se exercitando na rua.
Às vezes em lamentável estado de decomposição hidro-cremosa pelo sol adstringente, ou ainda sequinhos  iniciando a caminhada ou nos alongamentos para a corrida.
Todos tem a marca dos zumbis:
Falam sozinhos!
Houve um tempo e nem faz tanto tempo assim, que falar sozinho e gesticular no meio da rua era alucinação!
O doido mereceria internação ou cuidados intensivos;  exames gerais e  pesquisas na família para se descobrir de onde vinha a loucura.
- É da sua família, dizia um parental.
- Nada disso, minha família já tem o câncer, a loucura vem da sua!
O doido, jogado de um lado para outro, ficava envolto numa atmosfera ainda mais profícua e alucinava ao bel-prazer.
Depois a gente perdia o rumo dessas histórias na cidade e os doidos se sedimentavam neste papel ou eram curados.
Atualmente os malucos são logo reconhecidos e tratados, não ficam por aí envoltos em mistérios.
Por isso chamo de zumbis os seres que agora vejo.
Vem rápido em minha direção, olhos bem abertos, gesticulando e falando, muitas vezes vociferando e eu  apavorada só descubro neles  um incipiente fone de ouvido, quando cruzam por mim e nem me  ligam.
Então relaxo e continuo eu também cantando a música que ouço, ou discutindo o cardápio do jantar com a cozinheira lá de casa.
Eu também sou um zumbi moderno, não me levem a mal.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pés chatos

A pediatra  tinha indicado o ortopedista.
Ele a colocou descalça sobre um artefato engenhoso - um quadrado de vidro de uns 40 com de lado com a base inferior  espelhada. Deu pra ver muito  bem a curva dos pezinhos. Definitivamente ela não tinha  os pés chatos.
Lembro-me de meu irmão que tinha pé chato e para o diagnóstico precisou pisar no talco ( ia dizer palco)  e andar para o médico.
No caso da Helena o problema eram os joelhos, que precisavam ser protegidos . Ela usou aquela botinha branca por um bom tempo. Gostava de vê-la arrumadinha, sempre tinha uma roupinha nova. Bem, pelo menos enquanto pude escolher suas roupas. Então comprei vários cadarços coloridos que combinavam com as roupinhas. Parecia brincadeira de boneca.
Não durou muito.
Desde muito pequena ela já era determinada e sempre soube o que vestir.
Então saíamos juntas para comprar roupas novas.
E eventualmente tomávamos um sundae farofino no Frevo!
Era bom!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lirios brancos

Efêmera é a flor, efêmeros os lírios brancos.
Transitória é a vida, bem vinda a vida e seus lírios brancos.
Então vem a morte, passional e rígida.
Para sempre a dor, até a morte do substantivo, do sujeito da dor.
Daí será o pó, efêmero lírio branco.
Então escreva, guarde, fotografe.
Não deixe passar sua curta vida sem registros.
Mesmo a dor deve ser registrada.
Ela  também passa, não é perene.
Perene é a figueira, centenária árvore, que nos viu passar a todos e resistiu.
Quando soprar o vento a levantar o pó, quantos de nós estarão na poeira reunidos?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rio-São Paulo

Abriram-se as cortinas na sexta-feira passada!
Quando chegamos a São Paulo o tempo estava lindo, só um vento um pouco frio denunciava a primavera. Depois de viver no Rio, onde de um lado da avenida costuma haver  o mar e o  horizonte a se perder de vista, São Paulo parece mais contida em suas avenidas e parques.
Mas o sol ficou por toda a parte durante todo o fim de semana  e já de volta à rotina do Rio, temos ainda o azul radiante.
A estrada Rio-São Paulo tem paisagens de perder o folego, as vezes de susto e outras de puro deslumbramento.
Imagine uma colcha de retalhos em tons verdejantes variados, tons terrosos, azuis, brancos espumosos e cinza-asfalto.
Enrugue com vontade uma das extremidades  para simular a serra das Araras. Depois vá amarfanhando um pouquinho aqui e acolá até deixar esticadinha na outra ponta.
Este é o relevo que liga as duas cidades mais constantes em minha vida.
Amado relevo, queridas cidades

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Meu vigia

Vou-se embora!
Vou pra São Paulo e deixo você aí a cuidar de tudo.
Concentre-se nos portões e nos muros mais baixos, não se deixe ver por quem está fora.
Esconda-se.
Faça suas rondas, todas as noites, todas as horas.
Você não sente medo, não encrespa o pescoço, mas não seja tão possessivo, deixe em paz os passarinhos...
Cuidado com a piscina, não vá escorregar e afogar-se.
De dia pode descansar, com as bochechas pregadas no chão e seu novo olhar amendoado e saudável.
Ou deitar-se ao sol, ou as vezes à sombra.
Barriga para cima, se espojando relaxado.
Vou-me embora, mas eu volto.
E se tudo estiver bem você ganha um abraço, um cheiro e um bisckoc

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Agave-dragão

Em volta do corredor de pedras que leva até a frente da casa, tenho umas plantas  robustas com folhas grossas de um verde claro e um tom acinzentado dependendo do angulo em que se olha. Ocasionalmente algumas mudinhas se desenvolvem aos pés da matriarca. Seu verde intenso,  recepciona todos que entram.  O sol bate direto nelas, adoram o calor.
Um mês atrás, início da primavera, aqui no "Rio Incandescente", elas amanheceram doentes. As folhas tão verdinhas estavam com manchas castanhas e aspecto envelhecido. Estavam morrendo?!
Meu jardineiro então explicou. As folhas sofreram com a geada.
Geada?????? No Rio????? Como assim?
Achei que ele estivesse enganado e que elas morreriam para sempre...
Hoje estava reparando nelas. As folhas novas estão verdinhas e saudáveis. Daqui a um tempo estarão completamente renovadas.
Sim, era geada mesmo!



terça-feira, 18 de outubro de 2011

Feliz dia!

Acordei e pensava: 18 de outubro.... o que há de especial hoje?
Algum aniversário? Qual comemoração?
Tinha uma lembrança vaga de ser um dia importante e bom.
Miguel foi para o hospital, eu fui tingir os cabelos brancos e acabei deixando uma nota no salão:
- A senhora não quer aproveitar e fazer as unhas?
-Vamos fazer uma hidratação neste cabelo?
- Que tal fazer um corte repicado e moderno?
Fui dizendo que sim, como um mantra, mas o que eu queria era  voltar logo para casa e esquecer que perdi a validade.
Então, nem sei porquê, lembrei!
Hoje é dia do médico.
Faz uns 30 anos que o conhecimento médico encorporou-se a minha identidade.
Mas não faço jus a  uma homenagem...
A medicina é para mim um jaleco, uma roupa de centro cirúrgico, um avental de chumbo.
A partir daí e cada vez mais para dentro é que começo a ser de verdade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cartas

Bons tempos aqueles que que se escreviam cartas de próprio punho, com a letra carregada de emoção e direito a rasuras e rabiscos.
Dependendo do assunto, da formalidade da relação, era preciso passar a limpo com todo o cuidado para não errar uma segunda vez.
Assim era possível corrigir eventuais erros de concordância ou grafia, que por descuido pudessem ter escapado.
Era bom receber uma carta com o cheiro de tinta e as vezes algum borradinho de café ou chocolate.
O querido amigo estivera com aquele mesmo papel nas mãos, o trabalho todo estava ali, vivo, com suas impressões digitais inclusive.
Em tempos modernos as conversas fluem muitas vezes mais rápido que a capacidade de raciocínio e escrevemos tantas bobagens...
Quem nunca se arrependeu de ter acabado de enviar uma mensagem?
Às vezes gostaria de rabiscar toda uma frase, apagar até mesmo da minha memória um texto tão inoportuno.
Sou da geração da transição.
Quem nunca escreveu uma carta de próprio punho nem vai compreender!

sábado, 15 de outubro de 2011

Atlética

A Helena deveria ter uns 5 anos quando aconteceu.
Frequentei a Associação Atlética da faculdade  por muitos anos depois de formada e Helena ia comigo nadar naquele piscinão azul e fundo. Ela fazia aulas de natação desde os três anos portanto se virava bem. Antes das brincadeiras na água atravessávamos várias vezes a  piscina e ela me acompanhava direitinho para surpresa de muita gente que achava que ela era pequena demais para tanto esforço. Ela usava uma boia de cortiça na cintura, que muita gente não via - acho que nem produzem mais este tipo de artefato.
Era nesta época do ano; e numa reviravolta do tempo um grande temporal se anunciou. Corremos muito, dei um banho quente nela, sequei ao máximo seu corpinho e seus cachos, e com roupas secas e quentinhas  saímos rápido para chegar em casa antes da chuva. Íamos a pé e nem tinha pensado em guarda-chuva; o dia tinha começado muito azul.
Nem passamos na lanchonete ali do lado onde havia o mais gostoso e cheiroso pão de batata.
Mas não teve jeito, a chuva desabou com direito a raios e trovoadas, ao meio do caminho!
E ela ainda com o cabelo úmido da piscina abriu um berreiro e reclamou:
- Estou toda molhadaaaaaaaaa!
E eu:
- Pois é, eu também! Quem está na chuva...
Tratamos de relaxar e curtir aquela chuva de lavar o coração!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Curiosidade...

Vejo sempre em minhas estatísticas que alguém na Alemanha sempre lê meus posts. Gostaria muito de saber quem é....

Basta estar vivo!


A notícia de uma explosão em um prédio no centro do Rio, e outra da semana passada sobre o atropelamento e morte de um idoso super saudável que caminhava na calçada reforçam o ditado:
Basta estar vivo!
Sair de casa é uma aventura, o gás é inflamável, os raios caem por toda parte e às vezes no mesmo lugar.
Faz-me lembrar do aprendiz de feiticeiro, que  comandava a varinha com maestria sem se dar conta do poder que tinha. Completamente fora do controle, os eventos ocorrem sem aviso prévio. Está certo que muita gente cumpre o aviso prévio, hoje mesmo legalmente expandido para 90 dias. Não foi assim com Steve  Jobs? E com o meu querido Márcio? E com tantas outras pessoas que se despediram lentamente, fluindo da vida aos poucos?
Mas é quando a despedida é violenta e dramática que o quebra cabeças interior não se configura.
É por isso que as vezes quero crer que há um aprendiz que eventualmente assume o comando e ao distrair-se   nos transporta para um pesadelo que é de fato a realidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Oração

Senhora de Aparecida acolha nossas crianças todas em seu colo.
Ao ninar nossos bebês criará adultos fortes e confiantes, pronto para o trabalho e a luta de viver.
Precisamos muito Mariazinha, do seu amor e benção.
E se for possível, ajude cada criança a encontrar seu par adulto, para que se beneficiem um com o outro e gerem outras crianças também produtivas.
Obrigada, mãezinha, pelas graças que já me concedeu.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Fresta de luz

Estou sequestrada aqui nos fundos do  barracão,  as portas estão vedadas por cimento e argamassa e as janelas travadas por dentro e por fora. E há cadeados e correntes por toda parte. Grossas tábuas cruzam o teto baixo e os alicerces também, deste  sumidouro, deste confim de mundo onde eu isolada e já um pouco morta aguardo um fim. Ali atrás pela fresta minima da parede por onde andam  besouros e percevejos vislumbrei uma luz, divina luz de lâmpada amarela, há vida aí fora, não é?
É por isso que senti esperança, a sensação vaga e verde de palpitação e ânsia, existe vida.
Estou sequestrada aqui, mas existe uma saída. E ela vem pela fresta de luz.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A vida continua

Abri as cortinas de par em par e deixei entrar a manhã luminosa.
Fui até minha cama, sentei do meu lado, me sacudi pelos ombros com força e disse:
- Anda, levanta, o Steve Jobs morreu, mas o dia está lindo, vamos caminhar até a praia.
Virei de lado com vontade de voltar ao sono e não pensar na morte de um criador.
Levantei meu braço e soltava, ele caía molemente sobre meu lado.
Fiz-me cócegas, tampei minhas narinas e quase que me sufoco.
Por fim, acabei levantando, eu não iria mesmo me deixar em paz.
Então lavei o rosto, tomei café e quando terminei todas essas atividades que fazemos de rotina pela manhã, saí para viver.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Perigo no condomínio

Colocaram em nossa caixa de correio - que anda bastante vazia por causa da greve - uma folha de papel A4 usada na orientação paisagem, com texto em caixa alta. É um texto incomum porque há vários erros de concordância, mas que  tornam ainda mais pungente a dor daquele aviso.
Dizia assim: PERIGO NO CONDOMÍNIO
ALGUÉM NO CONDOMINIO É ILEGAL E USAR VENENO ALTAMENTE TÓXICO NA COMIDA JOGADA QUE PODEM MATAR GATOS E CÃES EM POUCOS MINUTOS.
NOSSO GATO FOI ENCONTRADO MORTO À NOSSA PORTA NA SEMANA PASSADA E EVIDÊNCIAS FORENSES MOSTRAM CHUMBINO FOI USADO.
TOMEM MUITO CUIDADO COM O SEU ANIMAIS COMO ESTA É UMA SITUAÇÃO MUITO PERIGOSA NO CONDOMINIO
SEUS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NÃO SÃO MAIS SEGURAS ATÉ QUE A PESSOA CRIMINAL É IDENTIFICADO.
POR FAVOR, NÃO SOFREM A MESMA TRAGÉDIA TEMOS.
Em seguida vinha a rua e o número da casa.
Evidentemente não se trata de um analfabeto mas de uma pessoa muito sofrida de outra nacionalidade. Já vi estes erros de concordância na linguagem de alemães, húngaros,  americanos...
Hoje pela manhã durante minha caminhada passei em frente. Lembro-me de ter visitado aquela casa quando estávamos procurando uma para comprar. Era de um casal de franceses e fiquei muito impressionada com os quadros nas paredes todos fantásticos de autores que não consegui identificar..
Era uma casa cor de rosa, muito grande e cheia de "puxadinhos" - a medida em que os filhos cresciam e se casavam o casal construía mais um apartamento. Era um labirinto. Em torno de toda a casa havia um "lago" de um metro de profundidade por uns 80 cm de largura, repleto de lindas carpas. Segundo a senhora francesa, ela não tinha pernilongos nem outros insetos, as carpas comiam.
As pedras de revestimento do piso externo  tinham um desenho em baixo relevo de uma flor que muito me encantou.
Não moraria ali, mas o passeio foi  instigante.
Faz pelo menos um ano, a casa passou por uma grande reforma. Não sei se venderam ou se eles mesmos decidiram organizar o espaço.
Contei esta história para a Helena que me disse que os surdos também escrevem assim. Faz sentido, LIBRAS também é uma língua.
Notei que os gatos que circulavam pelas ruas - eram poucos, uns 5 ou 6- sumiram.
Fico aqui pensando na dor dessa família, na sua necessidade de compartilhar essa violência, esse insulto.
E penso no que eu faria se o gato fosse meu...



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Hot dog

No tempo dos festivais, muitas vezes saíamos para fazer serenatas e era comum haver uma neblina difusa a diluir a luz dos postes das ruas.
Às vezes parávamos numa carrocinha de hot dog.
Aquele ambiente tem um locus especial em minha memória. Mistura de travessura, prazer, carinho e cumplicidade ainda sinto a confusão dos sabores:  Dentro de um pão morninho com uma salsicha cortada ao meio grosseiramente, batatas fritas, maionese, catchup, mostarda.
Era bom!
Neste fim de semana comemos cachorro quente. Caprichei para ter todos os ingredientes e me surpreender novamente com aquele delicioso sabor agridoce, crocante e macio, quente e morno.
Mordi antecipando a delícia.
Então compreendi que era uma memória  virtual.
Não é o tempo, nem é a idade, nem são os ingredientes.
O que faltou para reproduzir o clima das serenatas foi justamente o clima, o  gosto de travessura, prazer e cumplicidade.
Bons e saudosos tempos.
Se então já soubesse como seria minha vida, talvez  tivesse saboreado tais madrugadas com muito mais voracidade.
Pena que naquela época ainda me preocupava com o futuro...