domingo, 16 de janeiro de 2011

Sofás

Faz quase 25 anos que tenho este meu conjunto de sofás. Lembro-me que estava doente demais, sofrendo uma das minhas mais violentas crises de depressão. O Miguel pelejava para me animar a todo custo e levou-me na marra para comprar um conjunto novo que substituísse o destroçado Tok Stock. Naquele shopping de móveis experimentei meia centena de sofás. A medicação me deixava com dores no corpo e era dificil sentir algum conforto. Quando experimentei este, parei de procurar meio que por inércia e o levamos para casa.  Nem me lembro mais dos dias e semanas que se seguiram, só dei por mim quando soube que estava grávida de quase quatro meses. Fui melhorando dia a dia consciente de que o tempo é o remédio mais abençoado e envolvida pela aura curativa da gestação. Assim, este conjunto cor de palha, macio, baixinho e com abas muito interessantes nos assentos, no encosto e nos apoios para o braço, tem vivido conosco desde que Helena começou a existir. Participou das brincadeiras dela com o pai, das birras épicas entre mãe e filha, das sonecas da família toda em frente a tv; foi esconderijo e arranhador do gato Felipe, foi testemunha das noites de vigília durante as crises de bronquite e das noites em que eu resolvia varar a madrugada pintando ou escrevendo. Participou de tudo como um discreto mordomo, serviçal, eficiente e caladão.
Quando mudamos para o Rio mandei fazer lindas capas de tecido macio e o conjunto, renovado, garantiu a sensação de segurança e felicidade que sentia há tantos anos.
Em outubro último decidi que precisava de uma reforma maior, mais enchimento, alguns ajustes na estrutura. Pesquisei preços e meu "feeling", enquanto conversava com cada um dos estofadores da região. Acabei optando por um rapaz que poderia buscar a dupla no dia seguinte e esperei ansiosa pelo resultado. Demorou quase um mês - o tecido que eu tinha escolhido estava em falta. Quando chegou fiquei feliz, quero dizer, só um pouquinho decepcionada... O rapaz tinha eliminado as abas todas que davam um ar aristocrático ao sofá, a cor caramelo era ligeiramente mais amarela do que eu gostaria e horror dos horrores, ele decidiu que o sofá era baixo demais e colocou pezinhos de 10 cm PRATEADOS!!!! Perguntei se poderia tirar os pés e ele disse que sim, sem compreender meus motivos. Ele foi embora, eu sentei no sofá de tres lugares que me pareceu instável - não havia pezinhos no centro e sempre acho que vai acabar se partindo ao meio. Em um ponto entre o assento e a poltrona ele usou uma super cola que  na primeira "sentada" esgarçou ligeiramente. Eu era a própria infelicidade. Meu sofá, meu querido sofá era outra pessoa. Não sou o super-homem, não entendo de magias, não tinha como voltar atrás, então tratei de me acostumar com a ideia para administrar o prejuízo. Acho que a melhor solução vai ser mandar fazer novas capas de tecido, laváveis e à prova de manchas e colas. Os pezinhos vão ficando, só eu não gostei deles; mas ainda penso em tingi-los de discretos. O que é certo é que jamais trocaria o sofá da minha vida por um novo e sem minhas histórias. Gosto de saber que intimamente ele retém suas abas, seus esconderijos e é macio e confortável o suficiente para abraçar e consolar até o mais doente e o mais infeliz de todos os seres.

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