sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cuidado com a cisterna!

Vai brincar lá embaixo, criatura! Ela abriu a porta da cozinha que dava para a comprida escada em direção ao pátio de cimento. O menino, de cócoras no chão da sala, media com uma régua um bezouro preto e zonzo. Tinha dúvidas se deveria incluir na medida as antenas e as patas. Diante de tal bezouro e respeitadas as proporções, ele era bem franzino e pálido. Ficaria horas ali observando o inseto e adivinhava o próximo giro ou a abertura das asas. Não queria ir brincar no pátio. Ali ficavam os lençóis impecavelmente brancos e fantasmagóricos a se agitarem nos varais. Também havia a cisterna, um ser  desconhecido e perigosíssimo que se escondia sob a plataforma de madeira que cobria o murinho circular de cimento. Sempre que resolvia ir ao quintal procurar insetos ouvia a mãe dizer:  cuidado com a cisterna!  Ele passava longe e entre a curiosidade e o temor da entidade,  a busca perdia o encanto. Preferia o chão encerado da sala e os ruídos costumeiros da rotina: a enceradeira, o frigir do bife, o cantarolar da mãe. 

Um comentário:

Renata disse...

Titinha,

A sua descricao do quintal com os "lencois brancos e fantasmagoricos" e o "ser desconhecido e perigosissimo" me levaram de volta aos tempos em que viviamos em Patrocinio, eu bem pequenininha, aquele medo da cisterna, os "ruidos costumeiros" de dentro de casa e, principalmente, "o cantalorar da mae". Viajei! Foi uma delicia!