terça-feira, 10 de novembro de 2009

Plantão

Ainda sonho com os horários e as noites dos plantões.
Acordo com susto, porque estou atrasada e em falta com o mundo.
Os plantões noturnos sempre foram um pesadelo para mim. Sinto um sono atávico, herdado do meu pai; as dez horas da noite estou dormindo e pronto. Acordo depois de uma meia hora e se for preciso, continuo, tropeçando até a manhã seguinte.
Saía de madrugada, mais ou menos as cinco e meia, depois da última leva de trabalho. Ia à pé até a padaria, em geral ainda com as portas semi-cerradas e o cheiro do pão no forno era inebriante.
Esperava por ali, sentindo o frio natural do sono e da cidade. Assim que abriam, entrava e pedia uma média e um pão na chapa. Era reconfortante, um auto-afago e vinha com a sensação de dever cumprido.
Depois ia para casa, sentindo o alheamento e o entorpecimento das noites mal dormidas, o corpo sujo e dolorido.
Chegava quando já começava a amanhecer; tomava um banho ritual, caprichado, de chuveiro.
Com o cabelo molhado envolto por uma toalha, ia até o quarto da Helena dar-lhe um beijo, um cheiro, uma mordiscada. E ela esticava os bracinhos, se espreguiçava e ainda não sabia do tamanho do mundo, nem da importância que teria em toda a minha vida.

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