sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Multiverso

Havia uma escada bem comprida que usávamos como balanço. A escada ficava apoiada na perpendicular, sobre uma mureta que separava o terreno da casa, do terreno ao lado. Eu, mais pesada, ficava do lado mais curto, que era um corredor de uns dois metros de largura na lateral da casa e que levava ao fundo do quintal. A parte mais longa da escada ficava no terreno que havia ao lado. A gente sentava no último degrau de cada lado.
O Fausto adorava balançar, ele ia às alturas. Era divertido, ficávamos embalados, um no peso do outro e passávamos um bom tempo sem conversar, cada um pensando nos próprios dilemas e nas grandes preocupações que se têm aos 10, 12 anos..
Queria me lembrar de quando foi a última vez que balançamos, o Fausto e eu.
Nem me lembro de quem teve a brilhante ideia de colocar a escada assim, que pena.
Não sei porque a memória nos dá estes tombos.
Mas acho ainda mais tristes as lembranças que temos do que não ocorreu de fato. Uma mistura de sonhos, com fantasias e uma pitada de realidade. Tenho tanta certeza de alguns momentos que não existiram, que começo a acreditar nos universos paralelos, no multiverso... Talvez eu esteja vivendo a fantasia real em outra dimensão. Será que optei por um caminho diferente meio transversal, onde não há lugar para escadas e balanços. Será que tenho um blog e falo de coisas sérias, noticias do mundo, que aqui até prefiro nem saber. Será que além de mim, sou também um menino, um ladrão, uma operária chinesa... Talvez, quanto mais universos alguém participe, mais condescendente e solidário é neste nosso mundo, por ter a experiência cósmica de se adivinhar em outros papéis. Gosto da sensação de me sentir uma pessoa plena, íntegra, multifacetada, lapidada.
Nossa, acho que desta vez viajei para longe demais...

2 comentários:

Anônimo disse...

Querida Titinha,

Depois que li a primeira parte do seu texto passei um bom tempo me lembrando da cena - a escada/balanco, voce e o Fausto - como um filme que vi ha muitos anos. Que boa recordacao...

No fim da segunda parte me peguei la no meio do universo, porque voce me levou na sua viagem bem longe. Ainda estou me sentindo nas nuvens...


Beijos,
Renata

Maria Lúcia disse...

Nossa, Tita, que talento para escrever! Você me fez sonhar . . .
E esta frase sobre ser condescendente fez muito sentido para mim. Bjão,
Maria Lúcia