sexta-feira, 31 de julho de 2009

Uma bolsa triste

Chove no paraíso tropical. Faz frio também. O gato e eu esperamos a chuva acabar de chover. Olhamos pela janela, as mãos no queixo, os cotovelos no parapeito. Enquanto isso caraminholas brotam, emergem, do fundo falso da minha bolsa. Olho para dentro e o espaço vazio está cheio de pequenos pulgões e traças. Alguns vermezinhos brancos e molengas deslizam entre fios de algodão. Alcanço algo macio e descubro que é um bem- casado esquecido depois de um casamento bêbado. Uma mancha escura com cheiro de chocolate lembra-me que comprei toblerones na última viagem. Um pedaço de fita do senhor do Bonfim era o desejo de ter algo que despedaçou. Um batom vermelho meio torto, salpicado de fumo de cigarros amassados pela pressa, também estão lá. (Só as pessoas que já carregaram maço de cigarro e batom sem tampa na bolsa conhecem essa imagem.) Ahn, também encontro uma lente gelatinosa da minha filha, ressecada e opaca. E uns pelos de gato amarelo, muito antigos, um gato que já morreu...
Cá entre nós, ainda bem que este fundo era falso.
Vou deixar isso pra lá e sair pra comprar uma bolsa nova, com cheiro de novidades.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Místico

No Rio, é comum encontrar pelas esquinas, oferendas aos espíritos, aos orixás. Nada sei sobre o assunto, não sei diferenciar macumba, de Candomblé, de magia negra, de simpatia. Mas tudo o que é místico, eu respeito. Mais que respeito, eu temo.
Assim, encontro garrafas de bebida pela metade, lenços bonitos, grãos em cumbucas, pulseiras brilhantes, pipoca estourada, espigas de milho, flores, pentes, leques, tudo muito colorido e sempre disposto de uma maneira estudada, com método.
Confesso que sinto medo de olhar, de prestar atenção... afinal, eu não tenho nada a ver com isso.
Este medo de olhar torna tudo ainda mais intrigante. Procuro pelos espíritos, será que me vêem, querendo-não querendo olhar? As oferendas, me disseram, devem ser deixadas ali até se deteriorarem. Mas alguém tira de lá... Alguém tira. Estas pessoas que não temem, não ligam, não estremecem diante do místico, devem ser mesmo pragmáticas... Ou são os lixeiros, cujo pragmatismo está no salário do fim do mês.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sampa

Eu tinha uns 13 anos quando formei minha primeira ideia sobre São Paulo. Para mim era um outro país, muito, muito distante. Naquela época viajar de carro por meia hora para ir ao clube já era tempo demais, imagine ficar no trânsito por duas horas...Só podia ser mentira...
Em umas férias, na fazenda, conheci uns garotos paulistanos, lindos, diferentes demais dos meus amigos mineiros. Falavam uma outra língua, falavam de si com desenvoltura, usavam shorts curtinhos e tinham as pernas mais brancas que eu já tinha visto em minha vida.
Um deles tinha também olhos azuis resplandecentes, o que me transformou em uma meninazinha apaixonada e sonhadora.
São Paulo foi ficando menos vago quando minha irmã mudou-se para lá para estudar medicina. Eu me dava ares de importância quando dizia: - " Tenho uma irmã que mora em São Paulo! " Então aconteceu de um roqueiro loiro e cabeludo dar um show na paulicéia. A Renata precisava ir e também precisava de companhia e lá fui eu com ela. Não tinha a menor noção do tamanho da encrenca. Fomos ao show, lotado de gente, música linda e altíssima e lá longe no palco eu podia ver - mais até do que a pequena Renata- aquele cabelão girar fulgurante como um cometa. Na hora da saída, um conflito: Não tinha mais ônibus, não tinha mais táxi; e o tempo passando; e cada vez menos gente; e a escuridão substituindo os faróis; e o silêncio, as buzinas. Ela então resolveu perguntar para um moço que estava dirigindo um carro chique, acompanhado de uma moça perfumada e muito bem arrumada, como poderíamos ir até os jardins. Acho que era um anjo... Ele nos disse que nos levaria aos jardins e nós entramos naquele carrão cheio de luzes e som. Pouco se conversou naquele trajeto. Eu, pelo menos não ouvi, estava surda de pavor e vergonha, querendo voltar pra Minas, querendo voltar pro meu quartinho, seguro e quentinho.
Mas, finalmente ele nos deixou em frente ao prédio em que estávamos e a cidade, naquele momento pareceu-me acolhedora e suave.
Uns anos depois a própria Renata casou-se e mudou para São Paulo, que cresceu aos meus olhos ainda míopes demais para a grandeza da cidade.
E o sábio destino que foi me apresentando São Paulo aos poucos, apresentou-me definitivamente a cidade quando eu própria me casei e mudei para lá.
Mas ficava ali, no meu mundinho, protegida, só ia por perto e em geral a pé. Sempre gostei de caminhar. Ônibus para mim são entidades do mal, aquilo não pode dar certo...Táxi, era caro demais... O medo limitou meu espaço e São Paulo continuou pequena. Mas nos fins de semana, Miguel me levava de ônibus para o centro da cidade. Íamos em busca de todas as novidades fotográficas, comprávamos muitos filmes, em preto e branco, porque montamos um minúsculo laboratório de fotografia, que nos rendeu muitas noites entre produtos químicos e imagens de São Paulo. Lembro-me de ter fotografado meninos da rua, eu no centro da cidade com uma máquina, com certeza melhor que a média e fotografava assim de improviso, sem susto, quase sem medo.
E ali vivemos, quase vinte anos. E ali tivemos nossa única filha, que criou raízes profundas e invioláveis em sua cidade natal. Durante este tempo, eu aprendi a dirigir pela cidade e pasmem, eu andava de moto. Ia pra onde tinha que ir, mas meu medo interior era maior e eu nem me dei conta das situações de risco sério que eu devo ter passado. Trabalhava perto de casa, comia perto de casa, passeava perto de casa. Mas com Helena, precisava levá-la a todo lugar onde se levam as crianças e perdi o medo de dirigir, transportando minha pequena. Fui vivendo dia a dia... e puxa, como passou depressa.
Agora já moro no Rio há mais de dez anos e vejo São Paulo pelo prisma da maturidade e do distanciamento. Tenho simpatia pelos paulistanos. Ainda são muito brancos, ainda tem ocasionalmente olhos azuis, ainda falam uma língua familiar, mas estrangeira.
E minha filha, uma semente que brotou naquela terra, mora lá. Ela adora São Paulo e sempre que vou visitá-la vejo que a cidade pertence a ela e a cidade contem Helena.
Ela tem me apresentado sua versão de São Paulo que é muito mais gentil e complacente, mas que continua gelada.. Usa com confiança os transportes públicos da cidade. Vai onde quer ir, mesmo que seja longe. Ela está sempre vestida, sempre esbanjando sua própria interpretação da moda.
Não me lembro de ter visto nos shoppings de lá, cartazes que dizem - Proibido entrar sem camisa. Puxa, porque uma pessoa iria ao shopping sem camisa? Morando no Rio, eu sei porquê. Em Sampa ninguém aguenta.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Cabernet e Brie

Depois de uma semana com boas companhias, voltei ao meu estado natural de solidão planejada. Gosto de ficar sozinha. Mas assim, imediatamente depois de ter hóspedes, tudo fica um tanto silencioso aqui em casa.
Mas, fiz meu esquema habitual das segundas feiras. Tomei café, fui correr, academia, passeio com o Haus e por fim, pedalei na ciclovia do Recreio. Desta vez fui um pouco mais longe, por um caminho que desconhecia e que para uma primeira vez, pareceu-me meio ermo. Depois que pensei nisso e já voltando por onde tinha ido, aquela música que a Elis Regina cantava tão lindamente. " ... a barra do amor é que ele é meio ermo, a barra da morte é que ela não tem meio termo; " grudou em meu pensamento e ainda está bem aderida. Como é muito linda apesar de triste, deixei que povoasse o dia.
Almocei um "matinho" trivial, temperado com alho e cebola torrados, aceto balsâmico e sal.
Depois fui ao salão para "hidratar o cabelo" o que para mim significa uma boa massagem na cabeça.
Voltei para casa relaxadinha e a solidão continuava aqui na sala e perguntou-me se eu queria um café.
- "Café? Pode. Sem açúcar e sem adoçante, por favor."
Fiquei rindo e lembrando que a Marthinha pintou meu cabelo e brincou comigo perguntando se eu queria café. Conheço esta garota desde os 15 anos, é uma das poucas pessoas que grudaram feito chiclete em minha vida mas tem sempre sabor, chiclete suculento. Quando vai perdendo o gosto, tudo se renova e lá estamos nós de novo em pleno momento tutti-fruti.
Quando eu a conheci, era uma adolescente cabeluda e mal humorada e por alguma confusão que nem sei explicar, tinha por certo que ela não podia falar porque tinha um problema no pálato.
Assim, imaginei que era por isso que era tão fechada, tão calada. Quando a vi dar uma sonora gargalhada é que percebi meu engano, era apenas seu jeito de ser.
Como acontece sempre, a vida vai moldando a gente na marra. Atualmente estamos bem mais serenadas mas continuamos a bater o pé quando discordamos e o tempo fecha se a "panela" esquenta.
Torço para que seja sempre assim. Amizade bem temperada com Cabernet e Brie.

domingo, 26 de julho de 2009

Go with the flow

Seu olhar mono-ocular, intenso e inquieto é verde cor de mar, no inverno. Emoldurando esta mirada há um conjunto harmonioso e tranquilo de expressões que às vezes duvida, às vezes compreende. Quando o vejo dormir ao meu lado, recostado à janela do ônibus que nos leva ao fim da viagem, reparo nas narinas minúsculas de seu nariz bem moldado, uma arte. E ele ressona tranquilo, um fluxo de ar constante e cadenciado. Em geral atento, acompanha a conversa e sorri em momentos oportunos. Sim, estou aqui. Sim, eu compreendo. As vezes o vejo distraído, os pensamentos parecem flutuar como bolhas de sabão a sua frente e ele se diverte com elas. Quando chamo pelo seu nome, as bolhas estouram simultâneamente e ele se desculpa e pede: Fala outra vez? Sim, eu falo. Tantas vezes quantas forem necessárias, para ter sua atenção e seu riso que desarma mesmo os mais belicosos. Ele é de paz. E quando passeio com ele, quero acreditar que algumas pessoas consideram que ele é meu menino e eu fico encantada com essa ideia.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Direção

Coloque as duas mãos no volante, olhe para a frente e pise no acelerador. O carro vai. Ou morre.
Você pode também ficar no banco do carona e olhar meus movimentos mais uma vez, antes de se decidir. Nada de pânico. Dirigir conforta, dirigir amadurece e você pode até gostar um dia.
Eu nunca aprendi a gostar. Prefiro que dirijam por mim. Mal consigo dirigir a minha vida que é reta, às vezes monótona como foi a transamazônica. Que bobagem...minha vida é ótima. Há sim, momentos de uma retidão de causar pânico, mas há muitos momentos curvos, íngremes, escuros e cheios de paixão. Para depois voltar ao aborrecido deixar-se levar do dia a dia.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Passar o tempo

Esperava uma notícia boa e abri a revista revirando as páginas. Ali havia muito lixo, muita preocupação com o lixo do mundo, mas o que eu precisava mesmo era de uma notícia boa. Podia ser uma nota de rodapé, mas queria que fosse boa. No máximo, encontrei relatos de outras pessoas que também tem esperanças. Assim, fui ficando mais calma e repassei as páginas mais devagar, desta vez absorvendo informações melancólicas. Reparei em algumas fotos muito profissionais e lembrei-me da minha irmã que faz questão de enquadrar bem seus temas, em plena era digital. E isso é muito bom. Já que é para fazer, vamos fazer logo bem feito, assim temos menos para jogar fora, menos lixo.
Pensei num salão ao fim do carnaval, todo aquele confete e serpentina embolados, misturados a cacos de vidros e cerveja derramada. O carnaval já passou, mas voltará no próximo ano. O carnaval é minha atual esperança. Laçado assim à distancia de quase um ano, tenho lastro para ir me dividindo e me divertindo enquanto a vida e a banda passam lá fora.

Ian

terça-feira, 21 de julho de 2009

Oca

Estou oca.
Acordei pensando no tempo que queria, claro e quente.
Está frio e chove.
Haveria de voltar para os lençóis se não fosse a minha fome sempre imperiosa pela manhã.
Levantei e fui pegar uma fruta e vi meu destelhado telhado, puxa vida.
Para recuperar o teto, deve-se saber que se as telhas já não existem, o telhado é um vão, com vento e chuva selvagem entrando dentro da casa, que sem teto não é casa, mas um espaço delimitado sem função.
Pretendo recuperar a lucidez, mas preciso de uma boa noite de sono.
Por enquanto, estou oca.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Somos oito


Somos oito.
Muitas vezes é demais da conta; muitas outras vezes parece tão pouco...
Temos o mesmo prazer com a música e desafinamos ocasionalmente, mas sabemos disso.
Podemos ser melancólicos, atrevidos, ranzinzas, engraçados, tudo ao mesmo tempo, ingredientes de um delicioso bolo branco e fofo, coberto de muitos suspiros.
Falamos alto, muito alto e quando juntos, somos um bando de maritacas, Cecis donas da própria vida.
Sonhamos enriquecer para repartir, acreditamos na recompensa pelo trabalho, mesmo que a "vida marvada" diga que não.
Na última vez que nos abraçamos, na casa da mamãe, cantamos todas as canções habituais dos nossos saraus, mas não cantamos o menino da porteira. O menino da porteira já morreu e sentimos tanta falta...
Todos temos animais de estimação, gatos ou cães. Sabemos como dói perdê-los, mas mesmo assim queremos mais um.
Só uma não teve filhos, mas adotou toda a família. Junto com a mamãe é nossa mãe também.
Cada um seguiu seu caminho, agregou-se a outras famílias, tornou-se uma outra mistura. Assim, idéias diferentes entram na roda; e na ciranda, às vezes as mãos se perdem, para em seguida se acharem. Imaginem uma casa cheia de gente, nós e nossas crianças em quem nos reconhecemos nos detalhes. É muito bom.
O que sei é que juntos somos lindos, felizes à beça. E falamos e cantamos e falamos mais um pouco.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Que remédio!

Todo mundo que tem ou já teve um gato sabe como é difícil dar remédio para eles. Comprimido até que é possível, se a pessoa for esperta e for objetiva e bruta.
Pega-se o gato preso entre as pernas, com a mão esquerda abre-se bem a boca até ver a goela lá no fundo e coloca-se o mais profundamente possível, o comprimido.
Mas existem riscos. Se não for fundo o suficiente, o gato cospe e se for fundo demais pode ir parar no pulmão...
Tenho gatos há 14 anos, sempre deu certo, nenhum acidente.
Mas hoje foi diferente. O veterinário receitou gotas e mls...
Fiz o procedimento habitual, o Felipe muito estressado depois da visita ao veterinário com coleta de sangue e pareceu-me que tudo estava bem, primeiro as gotas depois meio ml da seringa.
Soltei o gato e fui lavar as mãos.
Quando voltei - pânico! O gato babava horrores! Uma gosma branca e preguenta, e babava e babava. Será que intoxiquei o coitado?
Levei um tempo para lembrar que as gotas de plasil são muito amargas...Coitado...vidinha mais ou menos, como diz minha cunhada.
Mas o mais triste de tudo é que ele deve ter "secretado" todo o remédio. E agora? Aplico uma nova dose? Espero o próximo horário?
Resolvi passar na farmácia e comprar a medicação em comprimidos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Tenho

Minha casa, meu caminho, minha vida. Minha mãe, meus irmãos, minhas irmãs. Minha filha, meu marido, meu cão, meu gato. Minha bolsa, meu celular, meu computador.
Sou uma senhora de posses...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Bolo

Hoje, ao bisbilhotar a geladeira, encontrei um pedacinho de bolo de chocolate meio velho, e lembrei do gosto de um dia especial. Vinha confeitado com bolinhas coloridas e insossas. Ao morder, lembrei da chuva daquele dia em que compramos e comemos nosso bolo de aniversário.
Faz tanto tempo que comemoramos, muito tempo mesmo. Muitas vezes só acrescentamos um número ao pacote de números, outras vezes, comemoramos em um festa linda e chique, feita de encomenda para outra pessoa, mas que aproveitamos como se fosse nossa e melhor ainda, uma festa surpresa. Dançamos de rosto colado e renovamos o sabor alegre do nosso beijo.

domingo, 5 de julho de 2009

Lobo

Fui à padaria, não fui comprar pão, fui pegar um troco pro fim de semana. Enquanto escolhia um picolé, olhei em volta e meu olhar cruzou com o olhar de um senhor de uns 70 anos, muito agradável de se ver. Pareceu-me familiar...de onde conheço ?
Depois descobri. Tinha visto imagens suas na Flip e fotografias nas orelhas de seus livros.
Que pena! Meu autor favorito! Como pude perdê-lo?

Sinuosas

Fiz um cachecol bonito, de cordão. Preferi não fazê-lo assim óbvio, ele tem umas ondas, é ambíguo, uma estrada sinuosa, mas que tem chegada e partida. Muitas franjas, muitas, completam esse mimo, que fiz pra ela se enrodilhar e ficar em paz.
Falávamos ainda outro dia de montanhas e vales, bem mais estimulantes que as estradas retas, longas. Estradas previsíveis são enfadonhas, dão sono...um perigo.
Por falar em enfadonho, alguns domingos são assim. Sempre que antecedem uma semana que promete!

sábado, 4 de julho de 2009

vc

Estou um pouco irritada com meu braço, que ainda dói, mesmo para teclar.
Mas hoje, como é sábado, tenho vontade de ficar mais tempo em casa, esperando que alguém venha me chamar para sair, vamos ao cinema; ou para comer uma pizza de noite e beber.
O tempo lá fora cheira a rosas mas eu respiro o ar viciado da sala de jantar, eu respiro o gosto dos pressentimentos.
Palavras, palavras, são como as pamonhas de Piracicaba, alento dos domingos de manhã em São Paulo.
Latem os cães da minha rua aqui no Rio e chamam, venham cuidar de nós, que estamos aqui presos para sempre e isso não é vida, nem de cão. Eles latem vogais, as mesmas de sempre.
Quem diria que eu teria uma filha que tecla com todos os dedos das duas mãos, isso em tempos contemporâneos, é tão pouco comum...
Começamos a lidar com teclados, cada vida mais cedo na vida, depois já está tudo automatizado, monótono e ninguém mais apreende o jeito datilográfico de teclar.
Pior ainda, já se aprende a teclar quando se aprende a falar e acabam falando truncado como se fala hoje, palavras curtas, as vezes só consoantes que se fazem bem entender, juntas ou separadas. Por exemplo vc. Tudo tão óbvio nesta palavra que um dia já foi enorme e se consumiu no tempo; quando não se escrevia quase nada ainda, ela ocupava uma linha inteira. Agora, duas consoantes autonomáticas já dizem tudo: é vc que quero, é vc que vejo ao meu lado. Fico preocupada pensando se vc também virou consoante; eu não, sempre fui feita de vogais, eu combino com todo mundo, vou aos passeios agregada a tantas outras palavras, mesmo em rimas sou mais fácil de combinar. Vc, que pode fazer valer um argumento, subtrai a possibilidade de ser cordial e compassivo.
Pode ficar aí mesmo, do lado de fora, enquanto eu descanso em um casulo matinal.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Julho

Julho é um mês muito especial. Chance de encontrar todo mundo e falar e falar e falar.
Nem sempre dá certo, mas é a época do ano com as maiores probabilidades.
É quando a Renata vem, os pequenos estão em férias, a agitação das moléculas aumenta e todos preparam seu dó de peito para poder ser ouvido. Na casa da mamãe, o "bunker" da família, bebemos vinho e coca-cola, nos abraçamos muito, contamos novidades e repetimos velhas e boas histórias, que todo mundo sabe de cor, mas relembrar nos emociona e sempre acabamos alegremente renovados. Todo mundo fala de todo mundo e como isso é saudável! Reparamos em cada detalhe, as novas rugas, os quilos extras de um, os quilos a menos de outro, as novas cores e cortes de cabelo, e concluímos que a vida está um ano mais velha.
É bom envelhecermos todos juntos.
E lembrar das pessoas que há anos estão completas e que não mais envelhecem .

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Quer ler a sorte?

Tenho uma prima muito sensível e muito ligada em esoterismo. Ela se impressiona com facilidade e qualquer assunto agressivo ou violento a deixa fora de si. Sempre foi muito bondosa e está sempre pronta a ajudar e ouvir todos que possam precisar, mesmo que seja um desconhecido no farol.
Uns meses atrás, uma colega de trabalho convidou-a pra visitar uma cartomante, que era muito hábil em decifrar o passado e prever o futuro.
Um dia antes da consulta com a cartomante, minha prima estava muito nervosa. Parecia que se preparava para uma grande cirurgia exploratória. Quase não dormiu, pensando que a cartomante talvez descobrisse evidências e detalhes passados que há muito havia guardado em um cantinho escuro do armário.
Outro dia nos encontramos para um café e eu logo perguntei sobre a consulta. Ela arregalou os olhos antes de engolir seu pedaço de pão de queijo e começar a jorrar palavras.
-" Ela sabia de tudo, do Ademar, meu primeiro namorado, que segundo ela era o grande amor da minha vida e que eu jamais deveria ter abandonado. Falou da minha dificuldade para engravidar e do meu sucesso com a minha filha, que aliás será a única. Em um momento, a cartomante usou as cartas do Tarot. Pediu-me que fizesse perguntas para ela responder. Resolvi perguntar se eu iria morrer jovem. A cartomante ficou muito irritada, disse que poucas pessoas tinham coragem de fazer essa pergunta, mas que ela responderia. Depois de embaralhar, começou a virar lentamente as cartas e então apareceu a figura do enforcado. A cartomante, muito brava disse-me: Agora por favor tire a figura certa do baralho para que eu não tenha que lhe dar uma má notícia."
Minha prima tremia ao contar com detalhes como escolheu a carta do montinho designado pela mulher. E, adivinhem, ela acertou em cheio a carta salvadora!
E a cartomante disse: "Você vai viver muitos anos ainda, ficará velhinha. Poderá ajudar muita gente durante muitos anos... "
Contou-me que saiu da consulta aliviada e feliz. Perguntei se ela realmente gostaria de viver assim tanto tempo. Respondeu que estava feliz não pela longevidade, mas por saber que ainda iria ajudar muitas pessoas...