segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Que música era mesmo?

Passei rapidamente pelo supermercado atrás de alguns produtos "do bem " para minha dieta. Andava com pressa, procurava aqui e ali até que passei pelo corredor das bolachas. Uma moça, de uns 30 anos, estava agachada e arrumava as prateleiras de baixo. Outras três pessoas no mesmo corredor olhavam as mercadorias sem enxergar, apenas ouviam. A moça, enquanto trabalhava cantava docemente, afinadíssima. Estavam todos boquiabertos. Não sou de falar com estranhos mas ela me pareceu literalmente familiar, cantando assim por prazer.  Disse a ela - nossa, que voz linda você tem!  Outra pessoa disse - o que você está fazendo aqui?? e ela olhou sorrindo e não parou de cantar, para nosso deleite. Que benção, meu Deus!

domingo, 30 de janeiro de 2011

Rádios de pilha

Neste mundo contemporâneo em que os produtos três em um (ou mais) se multiplicam, temos em casa uma variedade de aparelhos, muitas vezes com funcionamento parcial. Em um só funciona o DVD, no outro só o rádio e assim por diante. Aos domingos, durante nossa habitual leitura, ouvimos música diretamente do "receiver" multifuncional que fica ao lado da TV.  
É difícil encontrar um rádio, pura e simplesmente um rádio para comprar. Os rádios de pilha então... Temos dois semi destruídos, oxidados em várias pontos, que funcionam à força, na base da tortura, espremendo os botões, manobras de ressucitação.
 O Miguel sempre gostou de rádio, estudava com música, algo que não consigo fazer e invejo. Quando ele conta que durante a faculdade estudava no quartão dos fundos da casa dele, usando a bancada da máquina de costura aberta como mesa, consigo vê-lo plenamente. Até me lembro com muitas saudades do radiozinho de menos de um palmo de altura, com uma capa de couro marrom desbotada.  Segundo ele, está aqui em casa, em algum lugar. Sim, pelo menos em algum lugar do passado está o radinho, que o acompanhou em noites de estudo, em plantões lá na Penha e durante eventuais bricolagens.
Alguns ítens do passado precisavam ser acessíveis, ao alcance da mão feito mágica. Assim, quem sabe seria menos penoso sentir a força do tempo.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Tempo de massagem

Já tive um trabalho, um violão, um bebê para criar. Imaginava que o tempo passava tão depressa porque eu não tinha o tempo. Agora tenho. Está aqui preso em minhas mãos mas continua escapando, inexorável...

Ganhei de presente da minha Helena, uma massagem. Apesar de certo constragimento em ser tocada por alguém desconhecido, cheguei no spa e segui as instruções com um certo embaraço e hesitação. Depois fui relaxando e sentia músculos adormecidos despertarem. A medida em que liberava tensões ouvia várias ideias brotarem em ramas de dentro da cabeça e discutiam aos gritos tentando chamar minha atenção. Terminada a massagem, meu corpo agradecido pela benção, senti aflorar um choro.  Era inesperado e manso mas como me fez bem.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pássaros

No meu pinheiro, em frente a minha janela, vejo um farfalhar de galhos, alguma agitação que não combina com o vento. O cachorro vai às vezes até lá perto e olha para cima, muito concentrado. Investigando, descobri um ninho lá no alto. Não sei quem são mas ficaram logo à vontade para estabelecer moradia. Aliás, há muitos visitantes por aqui. Rolinhas, beija-flores, canários, sabiás.  Mas no pinheiro é a primeira vez. Desconfio que seja por causa da buganvilia que foi plantada ali perto e floresceu recentemente.
Saudades do Juca, meu canarinho tão festivo, cantava com o biquinho aberto, o papo tremulando, virava a cabeça de um lado para outro, pura beleza e alegria.
Lembro-me da varanda de minha mãe onde há uma bandeja com frutas que são trocadas diariamente. É assim que ela convida os pássaros para sua companhia. Bom seria o mundo se todos fossem assim gentis e bem intencionados.
Decidi colocar aqui,  numa altura segura, uma cumbuca com grãos para os meus convidados. Já escolhi a posição e posso vê-los aqui do meu canto.
Receber companheiros, fazer amizades, lembrar dos que já se foram.
Preciso muito de um grupo de cantores para multiplicar felicidades.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A intolerância e os danos

Enquanto espero meu pezinho de limão galego florescer e dar frutos, experimento novos sabores. Hoje fiz uma limonada suíça com limão siciliano e hortelã. Ficou muito bonita e tive muito prazer em beber quase que de um gole só. Assim, pouco a pouco tento eliminar os vilões: refrigerantes e refrescos com muito sódio. Enquanto cuido de mim,. vejo em volta descuidados e abusos. Tem um moço que vem aqui em casa uma vez por semana a serviço. Esteve muito doente com miocardite e após duas semanas de tratamento resolveu voltar a trabalhar. Está muito fraco, abatido, ele que sempre é agitado e objetivo. Dei-lhe uma bronca porque ele precisa de repouso, senão terá que fazer repouso pelo resto da vida. Senti que ele ficou assustado mas era preciso. Eu não tenho nada com isso? Tenho sim, tenho muito carinho pelos meus funcionários, em especial por ele, que é muito eficiente e está sempre de cara boa.  Segundo ele outros patrões começaram a telefonar porque o serviço (feito por pessoas menos experientes) não está bem feito. Disse ainda que ficar de repouso com gente ligando o tempo todo para reclamar é até pior.  A intolerância é de amargar. É mais amarga que  limonada suiça e neste caso só causa perdas e piora os danos .

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Refluxo

Dói-me o de dentro. Cá fora procuro o culpado e ninguém. Então fui eu, a vítima e meu algoz.
Bom, vou estabelecer prioridades: Comerei frutas no café da manhã,  sem abdicar do pãozinho francês, está bem assim? Meu dia começa com um bom dia ou dois e um pãozinho quente.  Depois, ali pelas dez horas tem a colação...não sei porque tem este nome de festa, mas trata-se de um lanchinho para não passar mais de 3 horas sem comer. Hoje por exemplo comi duas colheres de coalhada- eu mesma fiz e desta vez saiu certo, com uma pitada de aveia e um pitaco de melado. Ficou bom! 
Dói-me por dentro, dor de engolir e perco a concentração, que desânimo.   Procuro o que é dificil de engolir em minha vida... sim, há pessoas que não engulo, não tenho a persistência do pelicano. Algumas emoções também são dificeis de deglutir: a inveja (inveja é emoção?); o estresse no trânsito, gente no contra-fluxo... bem, atualmente são poucas.
 Hora do almoço, vamos lá, capriche na proteína. No grill enorme para uma família de 5 pessoas coloco meu magro bifinho ali pelo meio e daí a pouco o cheiro é muito bom. Arroz? Sim, só um pouquinho. Caldinho de feijão e pouco caroço, mandioquinha - será que me fará mal? Ah não, é comidinha de bebê.  E a saladinha básica que de tão trivial, se parece comigo, uma mulher de hábitos. Hummm, alguma coisa saiu errado. Dói-me um pouco mais aqui na boca do esterno... Comi demais ou de menos, nunca acerto!
Antes de sair para caminhar como a frutinha com vitamina C - sim porque há horários certos para as cítricas. As laranjas não são mais como eram. Uma parte sempre está ressecada, devem ter problemas de fígado. Agora vou sair. Aproveito que estou melhor da dor, que acaba passando, mesmo porque até a dor se cansa de doer. 
Quando for jantar vou ter muito cuidado, comer pouco e devagar, para a noite ser de sonhos e nada de incômodos pesadelos.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Vento

Nossa estrelinha brilhou o dia todo hoje. Muito calor, poucas nuvens no céu azulíssimo. Perdoem se falo tanto do céu e do sol. Não me canso de admirar, enche minha alma. Mas como ia dizendo, no meio da tarde a brisa quente foi encorpando, encorpando, agitou-se, difícil até andar de bicicleta. Pensei que fosse acabar em um vôo rente ao chão mas nem por isso menos emocionante. Na volta, depois de alimentar o cachorro e beber um litro de água, senti uma inquietação; é que o vento às vezes  insano  fazia pausas...tudo muito parado, uma quietude de deserto. E de novo o vento e eu sozinha aqui neste casarão... Anoiteceu, tem uma lua... e eu só escuto o vento prender a respiração...e começa a soprar... Acho que vou trazer o cachorro para aguardar comigo aqui no sofá. Somos só nós dois, as cigarras chamando chuva e o vento que enche o peito de ar e segura! 

Morbidez

Acabei de ver um video terrível em que um pelicano engole um pombo... Não gosto de pombos e sei que é a natureza, mas não compreendo a natureza humana. Como podem filmar isso e não intervirem? Sei que não conseguiria me conter largaria câmera e tudo para acudir o pobre pombo, sufocado dentro do papo do pelicano e tentando sair desesperadamente. Assisti ao filme todo na expectativa de que o pobre se salvasse... Para o pelicano, que não abriu o bico de jeito nenhum, não passou de um almoço indigesto. Para o pombo foi uma morte horrível. A sufocação, a falta de ar parece-me a pior forma de morrer. Agora penso nos peixes todos, alimentação básica dos pelicanos. Todos sofrem da mesma forma, não é? Talvez sejam digeridos ainda vivos.  Sei das cobras, sei que precisam comer os ratinhos vivos... Sei dos grandes felinos, da necessidade da caça, do instinto do predador. Mas não me acostumo. Por mais que tente ser racional, somar dois mais dois, não me acostumo. Prefiro não ver, nem ouvir falar. Assim estará longe do meu atormentado coração.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Júlia

Faz tempo que não vejo a Júlia. Ela vinha muito aqui visitar a Helena. Passavam horas na piscina, mergulhando, conversando e rindo alegremente. Inventavam danças com direito a shows; e brincadeiras que só elas entendiam. Ficavam horas dentro do quarto-freezer - o quarto da Helena, com o ar condicionado a mil.
 Depois de alguns dias a sereiazinha já estava com os cabelos verdes de cloro, um charme a mais. Helena e ela sempre gostaram de cabelos longos, mas no verão e em férias no Rio, acabavam um tanto descabeladas, vermelhas e descascando (a Helena mais descabelada e menos vermelha, tostava logo.) Protetor solar direto, mas a menina sempre foi tão branquinha...
Chegava para as férias linda, toda produzida pelas ideias da mãe e dela própria que sempre foi muito independente. Quando voltava para Minas estava destruída, sujigada pelo sol, praia, piscina e pelas noites  acordada com a Helena, fazendo o quê nem me pergunte. O assunto nunca acabava! Eu ficava até um pouco envergonhada de devolvê-la assim, mas sabia que ela estava feliz!
Os quatro primos - Juju, Helena, Gabriel e Frederico - aprontaram muito. Para mim era uma alegria, acostumada que fui a vida toda com a casa cheia de gente, todo mundo falando alto e gesticulando.
Aqui quase tudo era permitido - tomar sorvete e picolé até não poder mais, comer fornadas de pão de queijo e coca-cola e sanduiches e pipoca ...e o que mais gente?
Mas o tempo, ah o tempo. Passou e virou passado. Hoje cada um com sua vida, novos amigos e novos projetos - já estão todos trabalhando - tem pouca chance de repetirem aqueles dias. Mas se lembram, com certeza se lembram; e serão primos para sempre! Depois que Helena mudou-se para São Paulo e ela própria só vem para ficar dois ou três dias não tem mais jeito de juntar aquela meninada. 
Lembro- me bem de que a Júlia às vezes ficava pensativa, triste mesmo; eu perguntava: que foi, menina e ela - nada, tia... . depois de um tempo, ela voltava a ser alegre e divertida. Penso que eram momentos de melancolia tão frequentes em nossa família. Mas como sempre dizia para Helena nos maus momentos - vai passar, vai passar.
A vida é ilusão e acreditem ou não, muitas são as histórias para contar!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Vacinas

O veterinário veio vacinar meu rottweiler, o Haus, neste fim de semana. O bicho é bruto com quem é estranho, faz cara feia e rosna, mas é um bobão engraçado e peculiar com os da casa. Montei um esquema infalível há alguns anos. Aviso ao veterinário que prepare tudo  na sala, o cachorro preso lá no canil. Qaundo ele já está com as seringas na mão, armo o barraco. Cachorro com enforcador e focinheira, o caseiro passa a guia do enforcador por baixo da dobradiça do portão mais forte que tenho e puxa com toda a força; e  eu dou uma prensada vigorosa nele, entre a parede e o portão, entendeu? Ele fica imobilizado - que é o que ele mais detesta, mas é rápido e sem complicações. O veterinário chega nesta hora, seringas prontas em punho faz a aplicação, sai de cena, liberto o cachorro e faço-lhe um agrado - "muito bem, bonito"- bolachinha, carinho, bolachinha - e ficamos todos contentes. Mas mesmo que nada saia da rotina, sempre fico tremendo por uma boa meia hora. Quero que dê tudo certo, mas que aflição!
Pensando bem deve ser a emoção de ver meu animal vacinado e saudável pelo próximo ano.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Oração

Oh, Maria ensina-me a pedir por eles. Fico o dia todo aqui, paralisada diante da TV vendo órfãos de todos os tipos se multiplicarem e  o sofrimento das perdas e as lágrimas e os raros milagres desta natureza desumana. Ouvi falar de heróis que se entregaram às águas no afã de salvarem quem nem conheciam.
Maria mãe, o castigo atinge os inocentes; os bandidos do mês passado saíram ilesos mais uma vez. Se é castigo, mãezinha por que? Se não é, onde está Deus que dizem  estar sobre todas as coisas? Será que derriça a torto e a direito seus decretos, ouve os delatores e acredita neles, ou distraiu-se criando novos seres...estou com tantas dúvidas. Ensina-me a rezar e a ter fé, que sofro sem consolo por eles, eu que nada perdi e ainda nada fiz. O que devo fazer? Será que um jejum, uma penitência, podem ajudar? Será que recolho em casa tudo que desperdiço e mando entregar? Ilumine minha alma Mariazinha para eu fazer o bem, para eu sentir leveza em minha compaixão, para eu estar pronta quando for minha vez.   

domingo, 16 de janeiro de 2011

Sofás

Faz quase 25 anos que tenho este meu conjunto de sofás. Lembro-me que estava doente demais, sofrendo uma das minhas mais violentas crises de depressão. O Miguel pelejava para me animar a todo custo e levou-me na marra para comprar um conjunto novo que substituísse o destroçado Tok Stock. Naquele shopping de móveis experimentei meia centena de sofás. A medicação me deixava com dores no corpo e era dificil sentir algum conforto. Quando experimentei este, parei de procurar meio que por inércia e o levamos para casa.  Nem me lembro mais dos dias e semanas que se seguiram, só dei por mim quando soube que estava grávida de quase quatro meses. Fui melhorando dia a dia consciente de que o tempo é o remédio mais abençoado e envolvida pela aura curativa da gestação. Assim, este conjunto cor de palha, macio, baixinho e com abas muito interessantes nos assentos, no encosto e nos apoios para o braço, tem vivido conosco desde que Helena começou a existir. Participou das brincadeiras dela com o pai, das birras épicas entre mãe e filha, das sonecas da família toda em frente a tv; foi esconderijo e arranhador do gato Felipe, foi testemunha das noites de vigília durante as crises de bronquite e das noites em que eu resolvia varar a madrugada pintando ou escrevendo. Participou de tudo como um discreto mordomo, serviçal, eficiente e caladão.
Quando mudamos para o Rio mandei fazer lindas capas de tecido macio e o conjunto, renovado, garantiu a sensação de segurança e felicidade que sentia há tantos anos.
Em outubro último decidi que precisava de uma reforma maior, mais enchimento, alguns ajustes na estrutura. Pesquisei preços e meu "feeling", enquanto conversava com cada um dos estofadores da região. Acabei optando por um rapaz que poderia buscar a dupla no dia seguinte e esperei ansiosa pelo resultado. Demorou quase um mês - o tecido que eu tinha escolhido estava em falta. Quando chegou fiquei feliz, quero dizer, só um pouquinho decepcionada... O rapaz tinha eliminado as abas todas que davam um ar aristocrático ao sofá, a cor caramelo era ligeiramente mais amarela do que eu gostaria e horror dos horrores, ele decidiu que o sofá era baixo demais e colocou pezinhos de 10 cm PRATEADOS!!!! Perguntei se poderia tirar os pés e ele disse que sim, sem compreender meus motivos. Ele foi embora, eu sentei no sofá de tres lugares que me pareceu instável - não havia pezinhos no centro e sempre acho que vai acabar se partindo ao meio. Em um ponto entre o assento e a poltrona ele usou uma super cola que  na primeira "sentada" esgarçou ligeiramente. Eu era a própria infelicidade. Meu sofá, meu querido sofá era outra pessoa. Não sou o super-homem, não entendo de magias, não tinha como voltar atrás, então tratei de me acostumar com a ideia para administrar o prejuízo. Acho que a melhor solução vai ser mandar fazer novas capas de tecido, laváveis e à prova de manchas e colas. Os pezinhos vão ficando, só eu não gostei deles; mas ainda penso em tingi-los de discretos. O que é certo é que jamais trocaria o sofá da minha vida por um novo e sem minhas histórias. Gosto de saber que intimamente ele retém suas abas, seus esconderijos e é macio e confortável o suficiente para abraçar e consolar até o mais doente e o mais infeliz de todos os seres.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Janeiro, estação das aguas

Meu querido e amigo, como vai? Estamos todos com tanta saudade que é até difícil respirar. Mesmo assim entre suspiros, sobressaltos e calmarias vamos levando com os sentidos todos voltados para as tragédias da estação das chuvas. As águas violentas borram o desenho das cidades serranas saem carregando as tintas todas numa devastação marrom e furiosa e nós, atingidos apenas por uma goteira medíocre, choramos um pouco pelas vitimas e seu sofrimento. Mas todo o tempo nos lembramos de voce certos de que não chove mais em seu paraíso

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cuidado com a cisterna!

Vai brincar lá embaixo, criatura! Ela abriu a porta da cozinha que dava para a comprida escada em direção ao pátio de cimento. O menino, de cócoras no chão da sala, media com uma régua um bezouro preto e zonzo. Tinha dúvidas se deveria incluir na medida as antenas e as patas. Diante de tal bezouro e respeitadas as proporções, ele era bem franzino e pálido. Ficaria horas ali observando o inseto e adivinhava o próximo giro ou a abertura das asas. Não queria ir brincar no pátio. Ali ficavam os lençóis impecavelmente brancos e fantasmagóricos a se agitarem nos varais. Também havia a cisterna, um ser  desconhecido e perigosíssimo que se escondia sob a plataforma de madeira que cobria o murinho circular de cimento. Sempre que resolvia ir ao quintal procurar insetos ouvia a mãe dizer:  cuidado com a cisterna!  Ele passava longe e entre a curiosidade e o temor da entidade,  a busca perdia o encanto. Preferia o chão encerado da sala e os ruídos costumeiros da rotina: a enceradeira, o frigir do bife, o cantarolar da mãe. 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

De novo

De novo?
É...de novo...desculpa...
Esquisito...
Uai, né?
Vamos pensar.
Quando estiver chegando avisa que vou buscá-la.
Traga todos os exames e radiografias, os medos e as aflições.
Muitos abraços e beijos e uma noite de sono bom e amanhã tudo estará bem, vai ver, terá sido saudade e um pouco de solidão.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O dia dos anos

É assim: Uns envelhecem na marra, fazem anos. Outros rejuvenescem  de repente quando sorriem e aparecem para dizer bom dia... O dia do aniversário é pragmático e cruel. Não há escolha e o pior, quanto mais amigos temos mais gente para nos lembrar que o tempo está passando; quando se vê já é passado. Um bom motivo para ser feliz rejuvenesce, por exemplo um novo amor, um carro novo, uma nova morada. O prazer é pura plástica. Faz milagres e nem cobra caro. Estica até nosso coração que bate mais sincopado, sambando feliz por aí. A fortuna também ajuda, mesmo que ela seja psiquica.  Sonhar em construir, lembrar de viagens, cuidar dos bichos, programar um cineminha, rever amigos, beber um vinho.
Reformas dão muito trabalho e trazem nas contas  rugas  novas e quilos a mais pela inércia e aflição. A melhor palavra para descrever isso é: encalacrado. Pedreiros não tem muito compromisso com seus trabalhos, vão acumulando empreitadas de tal forma que para cumprir toda a agenda precisariam transformar-se em três ou quatro;  capacidade desejável, invejável porém fantasiosa. Vem as rusgas, discussões acirradas e quem sai no prejuízo é quem contratou: perdem-se cabelos, outros descolorem e a expressão cai um tanto. Reforma finalmente terminada, tudo ajustado, como é bom, o novo, o limpo, o jovem. 
Reconfortante é poder trabalhar em casa, ser bela e admirada e nem por isso precisar mostrar-se. Todas essas novidades ajudam a passar pela próxima data de aniversário, dez anos mais jovem e cem anos mais feliz.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

É ficção

Fale comigo. Estou na maior aflição.
O cachorro, antes feliz e balouçante anda pelos cantos, passa mal. Está com a cara no chão, enjoado e as vezes vomita, uma gosma com grama que ele come para vomitar. Como o bicho sabe? Se comer grama vomito, ele raciocina. Muito antes das bulímicas os cães já se tratavam. Ele está com sobrepeso, será que bulímico? Somente quando o dono chega abana o cotoco, numa semialegria, num bafejo de saúde.  Grande e soberano do quintal, corre sacolejando as gorduras e as dobraduras da cara. Quando pára, parece estátua, daquelas de pedestal, não fosse a cor tão viva, preta e caramelo, cismaria que morto e  embalsamado.  Hoje está abatido ou foi abatido por alguma doença aguda que ainda não se manifesta completamente. Preocupação. Será que deram veneno? Por que já jogaram raticida aqui no jardim, lembra? Será que comeu plástico ou papel de embrulho das festas ou um osso de frango, um calango de jardim? Pode ser uma infecção e agora e agora?
Eu estou passando mal, vou ver se ele ainda passa mal e voce faça o favor de me telefonar.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fale comigo

Alguns sentimentos são tão vorazes...  uma idéia simples, um pingo, vira um temporal que dilacera e pesa em escombros de desabamento.
Vamos mudar de assunto.
A água  da piscina está um molho de almôndegas (e se falei demais), o filme é  lento e agressivo, o diretor excelente,  (se ela soubesse como seria bom falar com ele), ontem estava ainda mais quente que hoje, nem dava para ficar ao sol, (talvez eu tenha me excedido), um diretor que fez tanto sucesso e agora este filme  rudimentar e sem poesia, (ela ficou brava comigo), uma semana inteira com o céu do brigadeiro, estonteante, esfuziante, ardente, arde, (mas eu precisava falar), valeu pela sala vip de cinema, com mantinhas e comidinhas, dava até para cochilar, (alguém tem que tirá-la deste marasmo),  andar para lá e para cá, jogar conversa fora na beira do mar, catar conchinhas e bater a areia e o sal da pele com a saidinha de praia, (sim, sempre fui saidinha, gosto de ir à frente, ir puxando o cordão, não vou mais mudar); ser um diretor famoso não dá a ele o direito de filmar qualquer bobagem; a história é ótima, o clima de opereta, mas os atores... interpretações toscas, nenhum se salvava, ( preciso saber se exagerei, se pisei na bola ou na jaca), imagino que para a semana teremos temporal e catástrofes, temporal e chuva de lama e os desabrigados aos montes, depois de tanto calor, (fala comigo, fala comigo) , a natureza dá um troco justo para tanto desperdício, lança tudo de uma vez numa torrente, (depois que ela falar comigo, sossego, vou arrumar o quarto), da próxima vez que for assistir a um filme vou pesquisar melhor, as críticas, (ela critica quando insisto mas sou assim) depois que vierem outras chuvas e outros diretores prometo dar uma arrumada neste sentimento de culpa, não vou mais deixar que me inunde a alma desse jeito, por favor, telefone, escreva, reclame,  não faça silêncio, o silêncio não, por favor.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Espreguiçar

O dia, é o dia, é o dia.
A rotina, abrir os olhos, espreguiçar, levantar; e daí a pouco abrir a porta, sentir o cheiro do café fresquinho, falar bom dia e comentar sobre o tempo, sobre o trânsito, enquanto comemos pão quentinho com manteiga e muito café num pingo de leite. Aí, com muita preguiça espreguiçar de novo e trocar de roupa para sair de casa e correr nas ruas ou nas praias. Voltar cansada,  feliz, endorfinas enebriantes e a felicidade de existir somente, sem grandes ambições. O dia é o dia e depois vem a noite, em seguida o dia e abrir os olhos, espreguiçar.  

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Tradução

As linhas tortas das minhas últimas pinturas são paisagens castigadas pelo temporal e o vento. Medi com a régua e o compasso cada pincelada, mas as frases saíram toscas, desanimadas.
Porque dentro de mim as estruturas são tão belas, as  imagens incríveis, cores que não há. Ao traduzi-las para o papel ou tela, sinto que não era bem aquilo que eu queria dizer, é diferente, é muito mais, vezes sem conta mais bonito ou mais intenso.
Quando estou triste parece-me que todo mundo está; é assim que me compreendo, ao olhar para os outros. Essa sensibilidade, esta forma tão doída de enxergar; hipermétrica... porque meu Deus, porque?

sábado, 1 de janeiro de 2011

Saudosismo

Deveria ter ficado mais um pouco. Afinal, deixei a desejar, não cumpri meus objetivos. Ao passar a faixa para 2011, fiquei comovido e também desesperado diante dessas evidências. Nunca mais serei eu mesmo, somente lembranças; Não foi exatamente bom, eu, o ano sem medidas, longas ausências, catástrofes por todo o mundo e um certo constragimento por tanto que perderam para nunca mais. Talvez eu fosse inadequado desde o começo. Mas o povo tem sempre esperanças e eu fui passando sem passar a limpo, rascunhei decisões e agora em pleno ostracismo já começo a sentir a falta que me faz estar em evidência.
O que ser agora que deixei de ser? O risco na água, um papel passado e um silêncio de dar dó!
Um brinde às mudanças!