segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Berenice

Hoje, vocês vão me dar licença, mas vou ver Berenice.
Figurinha premiada, bilhete carimbado, ela é tudo de bom, como dizem os cariocas.
Vou caprichar nos detalhes, um brinco bonito, um batonzinho...
Ainda bem que estou tão feliz, porque é assim que ela gosta.
Vou mostrar a ela que valeu a pena acreditar e não desistir de mim, eu, que sou um senóide no tempo, basta esperar para ver.
E sempre que lembro dela, contente por mais um prêmio , lembro-me de sua foto do fim do curso primário. Ela está tranquila, muito arrumadinha e com um sorriso simpático parece querer dizer:
-"Eu sei!"

domingo, 27 de setembro de 2009

Desmanche

Faz um ano, levei a sério a decisão de parar de fumar. Com ajuda de medicação, muita disciplina e força de vontade, fui diminuindo, diminuindo até parar por completo.
Usei todas as receitas que as pessoas que não fumam e as que pararam de fumar me aconselharam.
Intimamente sentia que era importante manter as mãos ocupadas, já que, se estava distraída com alguma coisa manual, o cigarro queimava brochando no cinzeiro.
Comecei a escrever, voltei às tintas, aprendi a fazer mosaico e o melhor de todos os hábitos, resolvi fazer croché. Já tinha aprendido alguma coisa, nem sei quando e nem sei com quem. Sou naturalmente curiosa e quero experimentar mesmo que seja para deixar de lado em pouco tempo. Mas como frequentemente acontece, depois de alguns meses, acabo novamente interessada e em um patamar mais alto e mais experiente, como se subisse por uma escada helicoidal, experimento de novo.
"- Como você sabe que está na hora de fazer a trancinha?"
Ângela parou de trabalhar, olhou-me por cima dos óculos e disse: Você tem que contar, ?
Contar as carreiras? Desisti. Como poderia viajar meus pensamentos tendo que contar os pontos? Ah, nem...
E de uma outra vez:
"- Como faço este quadradinho? "
E a Martha: "- Faça uma trancinha de três pontos, dê uma laçada, faça outra trancinha."
"-Mas olha, não deu certo, está torto!"
"-Então, desmanche! Comece de novo."
Arrepiei. Desmanchar??? Ah, não, não vou desmanchar.
Muitas tentativas e erros depois, olhei desanimada para a pilha de pedacinhos de croché sobre minha mesinha. Com raiva, peguei todos e joguei no lixo.
Tinha feito um tapete simpático mas enrugado e olhei para ele com pesar. Não posso jogar tanta linha fora, é até pecado.
Peguei o tapete e estoicamente desmanchei.
Nada poderia ter sido tão restaurador.
A bolota de linha pedia para ser extinta. Precisei usá-la e desta vez, caprichei.
Fiz um outro tapete. Menor, mas menos enrugado.
Ok, vou desmanchar de novo!
Agora, já posso!

Crisma

Assim que saí do prédio, com pressa, procurando um táxi, senti a mão pesada e grosseira no meu peito. Ele arrancou minha corrente de ouro com a cruz, presente de crisma de minha madrinha Fernanda. Ele correu e eu, loucamente, corri atrás. Ao cair em mim, desisti, não tinha chances.
Fiquei um pouco atordoada, mas parei um táxi e fui, fazer exame para pilotar motocicleta. Estava zonza, confusa, acabei queimando a faixa, fui reprovada. Voltei para casa de táxi, entrei no apartamento tensa, as mãos frias e um formigamento no rosto. Por fim, ainda com a carteira de identidade nas mãos, desabei!
Telefonei chorando para minha mãe.
- Mamãe, fui assaltada, um grandão roubou a corrente que a Nanda me deu quando fui cremada!
Ela deu uma risada gostosa. Cremada? Está doida, Tita?
Eu estava mesmo fora do prumo.
Perdi minha corrente tão querida depois de levar um soco no peito, perdi a dignidade e a ousadia que o momento exigia, enfim... fui assaltada mesmo!
O primeiro dos muitos assaltos que aconteceriam pela minha vida.

Partida

Ah, as criancinhas pálidas que carreguei no colo.
Os pensamentos atróficos, os tensos, os inflamados que avaliei sob a lupa.
As cicatrizes genéricas de batalhas vencidas, que revelam a luta renhida que se travou ali.
As pequenas interferências do dia a dia, que anotei em meu caderno e passei ao largo.
Os traumatismos e as confusões, as calcificações esporádicas que desdenhei pela falta de importância.
Os grandes corações cheios de dores e lembranças, numa síndrome definitiva de ninho vazio.
Ah, a primavera. Um corpo jovem, atlético, negro que repousa agora sobre miríades luminosas do campo visual profanado, hemorragia cerebral.
A ingenuidade de um corpo jovem, grávido, sólido, que reluta em adormecer antes de acordar.
A insensatez da desnutrição do menino pardo e louro.
Um grito rouco e metálico de faca no metal, que não avisa sua indiferença diante do trágico.
O folhetim que se joga fora depois da página virada.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Quarto torto

Está torto este quarto!
Sempre que vejo um quadro meio torto lembro-me desta exclamação.
O " torto" da frase foi para um desenho que fiz no primário e que a professora rabiscou em cima, reclamando. Nunca fui boa com retas, quadrados, retângulos. Tenho uma natureza sinuosa, faço pouco uso de borrachas e as réguas me dão arrepios. Cheguei a comprar uma com cortiça por baixo para firmá-la no papel. É toda bonitona, de aço inox, comprei nos "States" como diz a Graça. Continua muito útil, enfeitando o atelier.
A minha falta de jeito com formas se estende a fórmulas e números.
Se preciso usar a lógica e o raciocínio, sou a Alice do País das Maravilhas. Maravilhas? Aqui e lá, a lógica já desanda no título. Um coelho estressado, um sorriso ao léu, uma rainha déspota. Um cachorro aborrecido, uma ração rejeitada, uma dama no vermelho.
E na hora da solução de problemas? Como é possível saber que fórmula usar a não ser por um raciocínio torto? Bom se a matéria é matriz, devo usar uma fórmula de matriz... Partiu para o quebra cabeças: hum, este problema não tem tantas incógnitas quanto esta fórmula, devo usar a outra fórmula...a não ser que eu coloque esta menor antes e depois tente encaixar a grande. Que viagem, que maravilha!
Bom, cada sorriso de macaco no seu galho.
Felizmente tenho alguém pra quebrar o meu e resolver meus problemas mais cabeludos.
Até que a morte nos separe, Deus há de querer..

Desculpe, senhora

Desculpe, senhora, se pareço triste, mas é que meu nego morreu. Vivemos juntos por mais de 14 anos, dividindo a cama e as contas e agora estarei sozinha.
Desculpe se me atrasei, chove por toda parte, a descida da serra está um perigo, além disso meu bem morreu; aqui está seu pão e seu leite.
Sinto uma falta custosa, parece que estou com fome, dói-me o estômago, ele, ontem à noite, não telefonou. Depois ligaram do hospital. Passei a noite chorando, veja meus olhos inchados, veja meu coração inflamado, o coração dele parou.
Os pimentões não estão vingando, apodrecem ainda novos e caem no chão de lama. Tenho lama nos sapatos, minha alma não vingará sozinha, veja como vai murchando.
Desculpe, senhora, se não a ouço. Estou surda de tristeza e desamparo, nem posso ir despedir-me, que bem longe de mim morreu.
Vou rezar por ele e por mim e por todos que perderam alguém para sempre.
Não somos mais as mesmas, de hoje em diante sou um pouco menos, aqui está seu açúcar, senhora, adoce seu café.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reciclagem

No sótão, ajoelhada em frente ao baú aberto, retiro vários objetos. Bem do fundo, pesco uma bolinha de gude feita de vidro reciclado.
Reconheço os riscos de viver, os vícios de morrer e os acidentes de percurso. E infelizmente, reconheço que não sou reciclável. Faço parte do lixo orgânico, vou ser desprezada. Tendo a virar adubo, mas não serei petróleo. Sou descartável, espécie em risco de extinção.
O vidro é infinitamente reciclável. Basta derretê-lo, dar-lhe nova forma e resfriá-lo.
Assim, mesmo que se quebre, não se acaba como eu.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Dor de cabeça

Um dia frio e ventoso, que frente fria!
Estou pensando em um balanço feito de madeira e corda, os nós bem firmes embaixo do retângulo de madeira. Preso em um galho de mangueira, ouve-se o ranger do galho, a corda esfolando a árvore, a criança balançando lenta e pensativa, com o rostinho apoiado na mão que segura a corda.
Dentro de casa os sons cativos da rotina, uma torneira aberta, alguém batendo em bifes na cozinha, outra criança chora, um copo de vidro se quebra.
-"Quer biscoito de polvilho?" Ela diz que não com a cabecinha.
-"Vem pra dentro, está ventando". Ela diz que não com a cabecinha e faz um beicinho.
-"Ah, não vai chorar agora, papai já está chegando para almoçar, hoje tem batatas fritas!"
Por fim desce do balanço e vai até a janela da sala, espera avistar o carro do pai.
Mas hoje ele não vem. Está ligando para casa para dizer que vai demorar, que precisa atender mais três pacientes.
Paciência.
A mamãe, a filha e a nenê vão almoçar juntas, mas sozinhas.
A menininha pega uma batata frita, molha no catchup e fica chupando o molho. Está tristinha, ninguém sabe o que ela tem. Talvez tenha febre ou dor de cabeça...
Afinal, quando temos consciência de dores de cabeça? Até quando a dor de cabeça é vaga e absorvente como uma tristeza sem sentido? Eu também não sei. Não é com um esfolado, nem como dor de barriga, nem dor de vacina. É dor de pensar, uma dor abstrata bem concreta.
Enrolada em umas cobertas, olhando o tempo lá fora, não sei se a dor é insolação ou solidão.
Mas tem um pé na saudade.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cozido e assado

Qual a diferença entre cozinhar e assar?
Comi uma cocada assada com sorvete outro dia, delícia de sobremesa.
Também comi uma cocada mole, suculenta até - é, estava na Bahia- que deve ter sido cozida.
Parece-me que o cozimento depende de se colocar o alimento na água para ferverem juntos e apurar o sabor.
Assar, por outro lado, é um processo que não sei explicar. Entendo mas não explico.
Resolvi fazer um bolo bem fofo, receita da Luciana, uma delícia.
Caprichei nas medidas, nas temperaturas, no cuidado com ventos e barulhos que pudessem assustar a massa. Mas o forno não estava bem e o bolo cozinhou. Ficou feito um pudim, daqueles feitos em banho-maria, que é uma outra forma de cozinhar. Não tinha nada de fofo. Ficou elástico, com gosto de milho e coco, mas não tinha nada isso na receita.
Improvisei uma sobremesa, recheando quadradinhos do bolo cozido com doce de leite e embrulhei.
Vamos ver se embrulho nessa os meus hóspedes...
Mas quis fazer outro bolo, desta vez assado. Caprichei de novo, usei outro forno, marquei o tempo com o despertador da cozinha e vim aqui, escrever. O cheiro está muito bom.
Daqui a pouco o despertador vai tocar e eu vou ver se saiu certo. Ou será que espero o bolo esfriar. Será que abro a porta do forno bem devagarinho para ver se cresceu. Ou acendo a luzinha do forno para ver a cara do bolo. Será que espeto um palito para ver se cozinhou? Não, cozinhou não, assou!
E ainda dizem, para as coisas muito fáceis, que são como receita de bolo. Eu, hein?
Puxa, não tenho mais nada a dizer.
Vou lá conferir.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Um pé de feijão

Há muito tempo, houve um pé de feijão. Uma semente caiu próximo a uma janela e vicejou. A terra muito fértil cobriu de carinhos e mimos aquele rebento agreste.
O pé de folhinhas tímidas tornou-se encorpado e forte, um belo pé de feijão. Até que chegou às nuvens e perdeu-se na penumbra nevoenta e fria. Estacionou à espera de novas estações. A terra minguou seus carinhos, que ressentida estava das aflições do mundo. O pé de feijão foi ficando por ali, sem frutos, sobrevivendo com sede, atordoado, dividido.
Havia um ogre no céu, que só queria comer e dormir. O pé de feijão não reagia às vociferações do gigante. Aturdido, esperava, esperava. Na terra, suas raízes enfraquecidas queriam desistir, mas a cada gota de àgua, por qualquer adubo, acordavam e espreguiçavam e cresciam.
Assim o pé de feijão sobreviveu e um dia floresceu, depois deu frutos. Folhas tenras entre galhos fortes, folhinhas verdes entre outras já maduras.
Gosto de ouvir falar desse pé. Tenho orgulho do ser frágil mas determinado.
Ninguém pode mais segurar este feijão.

Gente querida

Adoro receber gente querida aqui em casa.
Dias antes da chegada, já estou aflita, quero ser a fada-madrinha, quero que meus queridos se sintam especialmente felizes.
É certo que já hospedei pessoas amigas que depois se transformaram. Cheguei a cogitar se as mimei demais e descobriram que sou tola.
É uma pena porque, quando desisto de alguém, é para nunca mais, é para sempre.
Um amigo promissor se transformou, de um patinho novo, em um pato feio, estúpido, canalha.
Outra roeu a corda, libertou o leão e fugiu pela escada.
Relendo vejo que espontâneamente fui pontuando meu relato com lembranças de contos de fadas.
É que estes contos me impressionaram muito e sacodem ainda aqui dentro, sempre que sou traída e sempre que sou muito amada.
Na casa dos meus pais havia uma belíssima coleção de contos dos irmãos Grim. A coleção era acessível para qualquer um que se interessasse, ficava em uma estante sempre aberta, no hall de passagem, bastava colher, como uma fruta, do pé.
Passei muitas horas sozinha, lendo e relendo por puro prazer e aprendi muito com rãs e sapos que substituíam palavras, aprendi a calar na dúvida; o silêncio trata.
Quando vou receber um hóspede querido, quero que ele tenha disponível os livros de que gosta, o hobbie que pratica, o esporte que prefere, as comidinhas que dão prazer.
Quero cães e gatos adormecendo juntos e tranquilos, quero a maciez dos colchões da princesa da ervilhas, quero poder consolar completamente, preencher todos os cantinhos tristes ou difíceis.
Preciso que comam bem, preciso de boas risadas, gargalhadas também, preciso que chorem de rir. E também preciso de que sejam verdadeiros quando se emocionarem.
Porque quando forem embora, ficarão felizes e gratos por terem vindo, cheios de boas lembranças. Vão querer voltar.
E esta é a parte de que eu mais gosto.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Baianas

Depois de mais de uma hora de caminhada, resolvemos sentar em um banco de praça e recuperar o fôlego. Ficamos conversando e vimos, do outro lado, uma cadela bem vira-latas, velhinha, que cochilava ao lado de um sem-teto adormecido.
- " Vem cá, meu docinho", ouvimos de uma baiana magra, simples, de uns 30 anos. Foi chegando com um prato de plástico azul cheio de ração e muitos ossos de frango. A cadela levantou com dificuldade, chegou perto do prato, deitou-se e começou a comer os ossinhos, mastigando com vontade. Não parecia estar faminta como meu pobre cachorro, que está em dieta. Aquele encontro era uma rotina. Foi comendo devagar, escolhendo no prato. A baiana, enquanto isso, falava com ela e conferia tudo, a barriga, as orelhas, os dentes. Conversava normalmente como se falasse com uma boa e querida amiga. Quando sobrou só a ração, "docinho" parou de comer. Bahiana ralhou com ela - "quer dizer que você só come osso e carne! Assim não dá, precisa comer a ração". Com um garfo, pegava alguns grãos e tentava dar de comer à cadela, que já estava mais que satisfeita. Ficaram as duas conversando mais um pouco. Quando a cadela voltou pro seu canto, Bahiana sumiu, deixando por ali o prato com ração. Daí a pouco ela volta e traz nos braços outra cadela do mesmo tipo, mas meio sarnenta e recém- parida. Bahiana falava com o motorista de táxi da praça - "Pois sabe que ela resolveu parir no fundo daquele terreno baldio, cheio de entulhos e mato com espinhos. E queria que eu entrasse lá, para ver os filhotes, vê se pode. Assim que eles estiverem crescidos, vou arranjar a castração."
Nisso, a cadelinha branquela mastigava com prazer a ração do prato azul. Comeu tudo enquanto Bahiana apertava-lhe as tetas cheias de leite, procurava carrapatos e falava com ela. Quando uma terminou de comer, a outra encheu o prato azul de água; a cadelinha bebeu bastante. Só quem já amamentou pra saber a sede que dá.
Ficaram por ali mais um pouco e do mesmo jeito que chegou, foi-se embora a baianinha.
Miguel e eu, hipnotizados com aquele amor, mas já descansados, fomos almoçar moqueca de camarão.
Nosso Senhor do Bonfim certamente abençoa essas criaturas do mundo e da complacente Bahia.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Salvador

Hi, lux

Não precisa ser uma Hilux. Quero um carro com cambio automático, vidros elétricos e ar condicionado. Ah, se os bancos fossem de couro e se houvesse computador de bordo e mp3...
Quero uma picape, robusta mas sofisticada, a óleo diesel.
Tração 4x4...air-bag para todos os passageiros...
Nem precisa ser da Toyota.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Direção

Nunca gostei de dirigir. Carro pelo menos, não.
Aprendi com instrutor, nas ruas do Sumaré, sem grandes alardes, algo necessário, mas enjoado. Fiz exame médico, psicotécnico e deixei pra lá. Quase um ano depois telefonaram avisando que se eu não fizesse a prova prática ainda naquele mês, teria que começar tudo de novo. Exame médico, psicotécnico...
Marquei a prova e fui. Nada aconteceu de extraordinário. Fiz o que o professor pediu e passei. Recebi a carteira e pronto, podia dirigir em São Paulo.
Ganhei um fusquinha amarelo, usado, mas bem ajeitadinho, do Miguel.
Ele ficou no estacionamento ao lado do nosso prédio, por quase um ano. Dirigi 500 Km com ele.
A lembrança me vem agudamente, do cheiro do interior do carro, dos dias frios, da chuva, do medo.
Tinha a impressão de que ali dentro do carro, se reuniam muitas pessoas que tagarelavam, discutiam. Era o caos. Compreendi que tinha medo do interior.
Resolvi aprender a pilotar motocicleta.
Havia um curso excelente da Honda, ali perto do Detran.
Aprendi a dirigir moto grande, (uma CB400), fiz o curso direitinho - tinha uma parte teórica em que eram mostrados acidentes e situações de risco para assustar mesmo os mais afoitos.
Então fui fazer a prova prática. Tomei bomba. Queimei uma faixa na hora de fazer o circuito em oito... Mas assim que pude, fui fazer a prova outra vez. Tomei bomba de novo, desta vez porque achei que tivesse queimado a faixa, mas não tinha... Da terceira vez, eu consegui.
Então ganhei do Miguel uma XLX- 250 cilindradas, uma graça, uma moto de trilha, alta e elegante. Tinha que dar partida no pedal, não tinha moleza não.
Aí sim, de capacete, luva, botas e muitas vezes capa de chuva, lá ia eu onde tivesse que ir.
Levei uns sustos, passei por momentos ruins no trânsito, mas não caí, nunca machuquei. Sentia uma segurança que não tinha conhecido ao dirigir meu fusquinha. Foi assim, pilotando a moto que conheci a cidade.
Perdi o medo de dirigir carro e fazia o trajeto que precisasse, sem prazer, mas também sem traumas. O prazer mesmo era com a moto.
Depois tive a Helena, passei por uma grande cirurgia e precisei rever minhas prioridades.
Vendi a moto com pesar e comecei a carregar minha pequena para a pediatra, para a escolinha, para o teatro nos fins de semana e por causa dela, fui desenvolvendo uma coragem que não achava que tivesse.
E agora, em uma época em que ela precisa aprender a dirigir, os primos estão ganhando seus carros e autonomia, fico torcendo por eles. Afinal, São Paulo está 20 anos mais entulhada que na minha época, todas as cidades estão mais perigosas.
Espero que toda essa geração tão tecnológica possa experimentar o prazer de ir e vir no banco do motorista, dirigindo de fato.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Alô?

- Oi, você me telefonou?
- Sim, só para saber se está tudo bem.
- Tudo bem e você, onde está ?
- Estou longe, mas vou embora mais cedo.
- Oba, vamos nos ver antes de anoitecer?
- Com certeza, a menos que chova.
- A tarde está tão bonita...
- Vou instalar alguns programas no computador novo e depois caio fora...a menos que chova.
- Se chover dirija com cuidado. E não me telefone enquanto estiver dirigindo, é perigoso.
- Não telefono mais.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

apocalipse

O fim está próximo.
Ainda bem que depois do fim, tem o começo.
Não tem?

domingo, 6 de setembro de 2009

Taioba

O terreno vizinho ao lado, é um terreno baldio, é um terreno vazio. Queria poder incorporá-lo ao meu terreno, grande felicidade ter uma casa e um terreno ao lado. Ia plantar uma mangueira, um pé de goiaba, um pezinho de limão galego e outro de limão da china e taioba de montão. Há pouco tempo aprendi que se pode preparar um peixe assado, enrolado em folhas de taioba. Vou pedir o Marcos para assar um dourado assim, quando nos encontrarmos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Cabo Cunha

Houve um tempo em que eu colecionava sonhos. A princípio por questões terapêuticas, depois por hábito, depois de birra e depois porque não conseguia parar de lembrar e anotar. Estou revivendo isso porque em uma viagem que fiz a Salvador, faz mais de 20 anos, um gatuno oportunista entrou em meu quarto do hotel 5 estrelas, como se fosse meu acompanhante e levou uma máquina fotográfica, uma bolsa com várias roupas, uma sacola cheia de patuás e meu Deus, meu gravador de sonhos. Quase enlouqueci de vez. Onde estariam meus filhinhos sonhos recém nascidos?
O hotel passou a me tratar como se eu fosse uma princesa, com presentes e cortesias.
No dia seguinte escalaram o cabo Cunha, um baiano ajeitado e cheiroso que ficou circulando comigo do hotel para a delegacia porque haviam encontrado pertences de várias pessoas que haviam sido roubadas da mesma forma. Cabo Cunha me levou para ver quem era o assaltante quando conseguiram prendê-lo. O último objeto que consegui resgatar foi o gravador. Senti minha vida fluir de novo, recuperava meu inconsciente.
Voltarei a Salvador no mês que vem. Desta vez não levarei cadernos nem gravador de sonhos até mesmo porque perdi o hábito de recordá-los.
Levarei uma vontade muito grande de me acertar com a cidade que dizem ser hospitaleira, alegre e linda. Tomara que eu seja recebida de braços bem abertos.
E agora fiquei aqui pensando...qual será atualmente a patente do então cabo Cunha?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Estou preocupada

Puxa! Estou preocupada com você.
Ontem à noite havia um carro que ao cruzar a estrada foi freado bruscamente, havia um rio no meio da pista. Horas até que alguém viesse aterrar o rio para prosseguirmos. Um caminhão trouxe areia e ia e vinha, não se acertava na posição de jogar tudo no vão da pista.
Muito tempo depois chego exausta e com maquiavélica magreza nem reparo na mesa farta, pronta, pães de queijo e bolos.
Estou preocupada com o bebê que nasceu da blusa, horrível coitado, muito vermelho e torto, quem iria querer. Eu quero, eu quero, um bebê feinho a cara da mãe meio debiloide. Será que consigo lidar com isso. Acho que não mas o bebê precisa ser amamentado, nutrido, afagado.
Estou preocupada com você, que nem me viu, sumiu e eu aqui esperando esperando. Quando.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tudo jóia

Há alguns meses, participei de uma festa onde estava a maioria dos nossos amigos. Em meio a muita alegria e disposição, conferíamos as diferenças de cada um, mais gordo, mais magro, mais velho, esticado, enrugado, tudo muito realçado pelas roupas elegantes e adornos delicados. Ali estava o melhor de cada um. Enquanto circulávamos pela festa distribuindo beijos (dois) e elogios (vários) dei-me conta de que por aqui ainda se usa a expressão - Tudo jóia? Lembro-me de que era um cumprimento comum nos meus idos vinte e poucos anos, mas como passei uma temporada estudando com gente bem mais jovem, tinha perdido o hábito de ouvir.
Nesta festa, entre pessoas de meia idade bem sucedidas, o "tudo jóia" era geral. Até eu me peguei falando tudo jóia lá pelo meio da festa.
Muitas pessoas exibiam suas jóias e aí a expressão era ainda mais feliz.
Em tempo de contenção de despesas, o mundo preocupado com o que há de vir, somado aos riscos de ser assaltado, usar jóias passou a ser mais que ostentação, uma burrice.
Comprar jóias então só é viável para aqueles que desprezam o serviço de bordo da primeira classe das frequentes viagens ao exterior, por uma boa noite de sono.
Ainda assim, bem escondidinho, todo mundo tem umas jóias de família, que são guardadas pelo valor afetivo muito mais do que pelo valor efetivo.
As jóias voltaram a ser os tesouros escondidos ou perdidos da época dos piratas.
E quando podemos vê-las assim, em dias de festa, só nos resta mesmo dizer com segurança: "Tudo jóia!"

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Massacres

Massacre de Beslan completa 5 anos. Estava lendo as notícias quando vi numa fotografia, uma mulher jovem extremamente triste que visitava as ruínas do colégio onde tudo aconteceu . Outras imagens pungentes se seguem a esta primeira, fotografias onde a beleza estética bate de frente com a dor espelhada nos olhos e gestos das pessoas.
Eu olho aqui dentro, procuro a sede que não há em mim.
As dores que já senti, as faltas que sinto, os enganos, nem de longe abalam minha vida ou minha sobrevivência.
Eu tive sorte. Eu tenho sorte.
E cá entre nós, se Deus existe mesmo, ele às vezes é desumano.