segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Coragem!

-"Não tenho coragem".
-"Vamos, pule, pule."
-"Estou com medo."
-"Medo de que? Atire-se!"
-"Eu não...vai você primeiro".
-"Voce que inventou a brincadeira, vai. "
-"Mas voce é mais velho."
-"E voce é mais novo!" Vai, vai!"
"-Para de empurar! 'Vô não..."
-"Droga."
-"Vamos voltar para casa."
-"Eu não volto de jeito nenhum!!"
-"Então vou sentar aqui e esperar por você, mas não vou pular".
....................................................
-"Quer saber? Vou pular agora!"
E se atirou.

domingo, 29 de novembro de 2009

Espelho

Você é tão bonita, eu nem acredito. Sempre que amanheço venho visitá-la e a encontro feliz.
Podemos conversar horas seguidas, sem cansaço, acho que juntas poderíamos viver para sempre.
Já vi em seus olhos, vislumbres da tristeza crônica, algo que só quem conhece, reconhece. Já percebi também umas lágrimas, um choro contido, que pena, poderia desaguar completamente ao meu lado. Entendo seu recato, mas não precisava.
Acabei de encontrar um pontinho vermelho na pálpebra, de onde surgiu?  O tempo escolhe a noite para pincelar novidades e as vezes é bem infantil! Imagine, mais uma manchinha vermelha! O mais difícil é que quando ele apronta temos que aceitar, ele é soberano.
Mas algumas vezes passo por aqui tão depressa, que nem reparo em sua alegria, seus dentes branquinhos, seu olhar brilhante. Não reparo porque compartilhamos, dou-me para a vida sabendo que mais tarde a verei cansada, mas cheia de novidades.

sábado, 28 de novembro de 2009

Flor

Quando fazíamos nossa caminhada, semana passada, meu namorado colheu uma florzinha e prendeu no meu cabelo. A florzinha murchou e foi perdida. O gesto, o carinho ficarão guardados para sempre.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Um castelo

Mamãe segurava  sua mão esquerda bem presa a dela e também carregava a irmã no outro braço.
Iam atravessar a avenida e chegar ao mar.
Às 8:00 hs era bom aproveitar o sol e a praia.
Na areia não gostava dos pequenos animaizinhos que apareciam dos buracos.
Queria uma areia sem sobressaltos, um mar mais doce, um sol menos brilhante e o vento sem embaraços.
Mas ali, naquela hora, tudo que podia fazer era uma construção um pouco torta com a areia que tinha umedecido com àgua do baldinho verde.
A irmã suspirou na esteira. Ela olhava os próprios dedinhos, encantada com a luz entre eles.
Mamãe estava de óculos, não podia saber para onde ela olhava.
- " Olha o meu castelo?"
-"Que beleza filhinha, quem vai morar nele?"
Ela não sabia. Virou um pouquinho a cabeça e pensava nas princesas que conhecia.
Mamãe perguntou se ela queria um picolé. Chupou o gelo-uva com força, até que ficasse totalmente branco.
Agora tinha o palitinho do picolé!
Com ele, pensou, vou poder construir um castelo muito mais bonito.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Memória

Que estranhos caminhos estes da memória...
Para os fatos que  recordo, existem versões contrastantes por pessoas que também participaram ou ouviram falar, são muitos os fios que conduzem ao mesmo "grand finale".
Minha cabeça e as associações que faço, inventam uma nova história, a minha história.
Algumas lembranças, tênues, apagadas, retornam vivamente se comentam ou relembram.
É que nossa grande família gera um emaranhado de linhas coloridas, que dificilmente se desfazem em novelos firmes e bem enrolados. Mamãe tem máquinas de enrolar fios  que usa para fazer os novelos e mesclar as cores. Ela tem máquinas de tecer e o tecido produzido conta com texturas, cores e estruturas para desenvolver o enredo.
Quando nos reunimos, velhos fatos ganham nuances novas e se solidificam reinventados.
É assim que estamos construindo nosso tapete persa e mágico
 

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Próxima parada

Dizem que mineiro não perde o trem... e nem o ônibus.
Eu perco! Só não perco o trem "literal" porque não uso.
Mas ônibus....E foi por isso que precisei ir até à rodoviária Novo Rio, trocar uma passagem por outra, para minha próxima ida à Uberaba.
Fiz as contas: Bem, vou de carro até a rodoviária Alvorada, deixo o carro no estacionamento e vou de "frescão" até à rodoviária Novo Rio. Troco minha passagem e se der sorte volto no "frescão" seguinte e em menos de três horas estarei em casa! Adoro minha casa!!
Saí e no caminho, lembrei que o Alvorada-Novo Rio só sai de hora em hora!
Olhei o relógio: faltavam 14 minutos para as 13:00! Era o tempo que eu tinha para acabar de chegar, estacionar o carro, pagar, comprar o bilhete e entrar. Quando cheguei em frente ao estacionamento, havia um "mala" na minha frente que discutia o preço com o mocinho que libera a cancela. O meu  Frescão estava pronto pra sair e começava a manobrar.
Buzinei! ...pois é.... e o mala se adiantou um pouco, eu aproveitei o vácuo da abertura do portão e entrei tinindo. Larguei o carro de qualquer jeito,  fui correndo tentar alcançar o maldito ônibus na volta que ele faz dentro da rodoviária. O mocinho queria o pagamento e eu disse a ele, apontando: - preciso pegar aquele ônibus ali!!! (Sei que há uma parada no corredor e esta era minha chance.)  Ele foi compreensivo e  deixou-me pagar na volta.
Corri feito uma "Lola" e o motorista já havia engatado a primeira, quando cheguei esbaforida e consegui entrar!
Ufa! Sentei e aproveitei o balanço  e o ar condicionado do ambiente.
Chegamos à Novo Rio as 13:40 hs. Eu tinha 20 minutos antes da saída do próximo ônibus. Moleza! No guichê, eram três pessoas na minha frente. Vai dar tempo! Mas a senhora que estava sendo atendida começava a comprar 6 passagens! Ai... Quando ela finalmente terminou de escolher as poltronas, foram emitidos os bilhetes, anotada a plataforma e grampeado aquele maldito papelzinho pardo, começou tudo de novo! Ela precisava de mais 6, para a volta! Quando acabou, eu olhei naquele relógio grandão do saguão: Faltavam três minutos para as 14:00 hs... Vamos, gente, vamos! Mas o próximo resolveu sua parada rápido e o seguinte também e chegou minha vez! Ia falar e tocou o telefone do guichê. E fala, que fala, que fala... Nossa!!! Só interrompeu  a conversa  para ouvir a tal senhora das 12 passagens que voltou para dizer, polegar para cima: - agora está tudo certo, agora está tudo certo mesmo!) Grrrrrrrrrrrrrr. 
Telefone desligado, ele me atendeu com a morosidade simpática dos cariocas;  foi muito gentil, gentil demais. Precisava falar tanto?
Saí com minha passagem e resolvi arriscar, meio sem esperança. Quem sabe o Frescão atrasou? Comecei a correr lolamente e cheguei batendo a barriga na catraca: -  Dá tempo de ir para a Barra?
O motorista esperou e eu entrei, orgulhosa do meu feito.
Relaxei um pouco, um silêncio amigável no ambiente fresquinho e comecei a pensar. Mas porque raios eu corri tanto? Meu próximo compromisso é jantar com o Miguel, às 8:00 hrs da noite.
Tudo bem, eu sou filha do Gastão, vulgo, aflição. E sou mineira, a tal que não perde o trem.
Mas acho que foi mais pelo desafio. Preciso vencer obstáculos. Mesmo que eles sejam virtuais.



segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Preguiça

Hoje, acordaram animadas!
O dia estava claro e fresco, saíram para caminhar e conversaram muito.
Eu fiquei na janela, olhando aquela felicidade e sentia uma certa inveja, confesso.
Algumas pessoas tem uma natureza assim feliz e vão empurradas pela alegria para onde quer que as leve.
De leveza, flutuam e são delicadas flores girando ao vento, livres, lindas.
Elas também se emocionam perigosamente: lembram-se de uma história triste, recuperam o momento passado e sentem com toda a complexidade.
Depois vão tomar sorvete, enxugando os olhos míopes de lágrima.
Fico por aqui, sentindo a brisa artificial do ventilador...
Estou pronta para caminhar e conversar, mas cá entre nós, com este calor,acho que vou cochilar um pouco.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"O palhaço sou eu"

Lembro-me da única vez que ganhei o beijo de um palhaço. Ele era ator e a peça, literalmente, uma palhaçada. Chamava-se Ado e esperava pelo público ao fim do espetáculo, na saída do teatro. Sentia muito respeito pelo ator, aquela figura mística, cheia de sombras, inatingível...
Teatros eram antros; atores eram drogados; atrizes, vagabundas.
Neste mesmo teatro conheci a Derci Gonçalves, por quem sentia curiosidade e interesse, apesar da aspereza de seu linguajar.
Naquele palco, alguns anos depois, eu também ensaiei uma peça, que nunca foi encenada porque a censura não permitiu, nunca entendi porque...
Mas a experiência deixou sua marca e hoje, quando Helena vai ao palco, para interpretar ou sapatear, reconheço que os teatros são casas-cenários, os atores, pessoas sensíveis e as atrizes, mulheres intensas.
Frederico é um ator e quando criança ganhou um presente inusitado. Renata e eu construímos um boneco-palhaço, cuja estrutura, montada em um cabo de vassoura, foi trabalhosamente elaborada. Ela no comando e eu ajudando no que podia.
Frederico era criança ainda e não tenho bem certeza de sua reação diante do presente. Mas outro sobrinho, que certa vez o visitava, não conseguia dormir no quarto do palhaço que, segundo ele, o olhava com "aqueles olhos" e dizia ho, ho, ho.
-"Mas então, é o Papai Noel!", disse a Fernanda, mãe do Frederico.
Não sei como aquela noite acabou nem que fim levou aquele mimoso palhacinho, mas na mesma época, levamos as crianças para assistir ao circo que passava pela cidade.
Picadeiro para os atores e poleiros para a plateia, debaixo da grande tenda colorida.
Parece mágica mas mesmo aquele circo simplesinho, com as trapezistas em roupas muito brilhantes já puídas pelo tempo de uso e os palhaços barulhentos, com a voz metálica dos microfones, enfiados em seus sapatos enormes, calças de barril e colarinho dançante, induzem o meu respeito.
O circo mambembe e o Cirque du Soleil, ambos extremos de mesma grandeza, agradecem os aplausos que arrancam de suas plateias.
E todos merecem um "quebre a perna" antes de cada espetáculo.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Garis e margaridas

Os garis e as margaridas cortavam a grama e recolhiam a infinidade de folhas que caiu no vendaval de ontem. Os montinhos de grama e folhas, prontos para serem ensacados, exalavam o cheiro agreste de mato. Na ciclovia, durante todo o percurso de minha casa até a praia, eles trabalhavam com o uniforme e as ferramentas de jardinagem de um alaranjado berrante, que contrastava com a paisagem verde desmaiado.
Também passei por uma área da avenida, que esteve interditada muitos meses para obras de saneamento básico. Era a hora do almoço e os rapazes, todos de uniforme azul escuro, estavam deitados um ao lado do outro fazendo a sesta. Quando passei por eles falei: - estão acabando em gente? e todos responderam com sons vagos mas assertivos.
Amanhã já estarão em outro endereço.
Que triste deve ser terminar um trabalho assim e ir-se embora.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Positivo

Um dia, num post-it cor de rosa, estava escrito: o exame deu positivo.
A letra trêmula era da Dona Lourdes, a faxineira, que antes de sair deixou este recado, sem saber do que se tratava.
Havia um número de telefone. Eu liguei; e depois de ler, ouvi. Seu exame deu positivo.
Queria compartilhar mas tinha medo. Depois perdi o recato e espalhei a novidade:
Chegou minha vez, estou positiva!
Desde então, espero e diariamente me preparo para ver e brotar e ter e ver nascer a minha boa ideia.

Papéis

Dúvida atroz. O tempo alterna momentos de lucidez azul e solidão cinzenta. Quando vejo a luz-penumbra, decido: vou andar de bicicleta. Em seguida sinto um vento frio e barulhento e tudo são sombras.
Calculo o tempo que perdi nestes pensamentos melancólicos, quantas vezes mais o tempo vai oscilar assim, sem cumprir seu compromisso de ser verão.
Espero pelo Apocalipse, que se não tem data marcada pode ser a qualquer hora.
Sinto os cheiros mais intensos e meu nariz investiga com desânimo, que há muita comida deteriorada nas prateleiras da minha memória.
Mesmo assim, decido salvar alguns dos objetos cobertos de pó e reminiscências.
Depois de limpar, escovar e classificar, poderei usá-los como peso de papel, quantos papéis.
Já fui uma bruxa, um alfinete de cabeça grande, Romeu, o pai Tomás, Joana D'arc, o Gato de Botas.
Observo que preferi papéis de essência masculina, para expor nos personagens a força que pretendo em mim.
Distraída em representar, assimilo a couraça e escondo em uma redoma de ferro, meu coração sensível.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Dúvidas

Quando começam a chegar, vêm em bando, sacudindo as penas e abrindo o bico. Olham assustadas umas para as outras, como se para si mesmas, interrogando, interrogando.
Qualquer agitação no terreiro, correm todas, deus-nos-acuda, para o galinheiro. O galo mantém seu humor possessivo e também balança a crista interrogativa, um só pé apoiado na terra.
O que tanto querem saber essas coitadas?
As mais robustas logo irão para a panela, darão bom caldo e um almoço animado.
As outras vão botar e chocar e criar.
Os galetinhos serão logo despachados, somente um galo canta e janta naquele quintal.
As meninas começarão sua roda viva, bota-choca-cria.
Afinal, que dúvidas têm essas galinhas?

domingo, 15 de novembro de 2009

O fim do mundo

É o fim do mundo!
Quantas vezes já disse isso, tão àtoa, blasfemando quase?
Se vemos crianças magras e barrigudas, ao presenciarmos o desrespeito por idosos, deficientes ou animais, quando chove demais ou de menos, se criam um muro que divide uma cidade, quando espancam uma blogueira entusiasmada...
É uma expressão tão cotidiana quanto: "vamos almoçar?"
Mas se for para pensar bem, com todas as letras: É o fim do mundo!
Isso é muito intenso!
Fui ao cinema, passar o tempo e assistir ao 2012.
Efeitos visuais fantásticos, muito barulho, o ufanismo americano em sua mais larga escala e algumas cenas absurdas na concepção do Miguel, um grande estudioso de assuntos cósmicos e geológicos. (Aliás ele já pensou seriamente em ser de geólogo a ginecologista.)
Confesso que sinto muita tristeza e angústia quando assisto aos programas que tratam do fim dos tempos, do Big Bang, ou da morte dos dinossauros, sobre buracos negros, ou meteoros se aproximando...
O Miguel adora estes assuntos siderais, além de ter uma memória tão fantástica que às vezes até penso: Este cara é o fim do mundo mesmo!
Mas, saí do cinema aliviada, que bobagem!
Sentir-me ínfima, um cisquinho invisível no universo infinito, deixa-me melancólica, sem esperanças. Mas o que me assusta mesmo é pensar que pode doer, meu Deus, que posso passar horas debaixo de escombros, que posso ser queimada viva... estou sempre torcendo por uma morte rápida e indolor, destino dos justos, dizem.
Mas não precisa ser o fim do mundo para qualquer desses eventos me afligirem.
Posso estar no próximo avião que cair, certo?
Assim mesmo, quando estou muito aflita, gosto de conversar com pessoas sérias e fortes, com boa capacidade de argumentação.
E neste sentido, conversando com meu cunhado Edmur e dizendo que não queria estar viva para presenciar o fim do mundo, ele respondeu dando de ombros: "Por que não, se for um grande espetáculo?
Adorei!


sábado, 14 de novembro de 2009

Espere!

Estava muito quente. Queria entrar na piscina, mas fazia meia hora que tinha almoçado e mamãe pediu que ela esperasse mais um pouco.
Nada para fazer, ficou sentada com as mãos sob as coxas e balançava as perninhas. Uma havaiana caiu e ela esticou-se toda para alcançá-la com a ponta do pé.
Enrolou um cacho do cabelo de mamãe, que conversava com Tiamarta. Com os olhinhos pedia: - "já posso ir? já posso ir?" Ela sabia que deveria esperar mais uma volta do relógio. Lembrava daquela vez em que tinha mergulhado logo depois do almoço e sentiu-se muito mal. Bem que mamãe tinha falado, mas ela queria muito encontrar todas as cinco pedrinhas...
A nenén dormia em seu carinho, bem protegida do sol e do calor. Às vezes queria que a irmã já pudesse brincar com ela. Pequena como era, ia se afogar...
Com o indicador começou a desenhar o contorno dos azulejos e contava baixinho - um, dois, três... e recomeçava - um, dois, três. Depois, deu um suspiro, pegou um travesseirinho, colocou entre a cabeça e o braço e deitou-se no banco de alvenaria.
Quando acordou, mamãe chamava: - Vamos nadar?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Promessa

Eu prometi. Era só isso o que eu tinha a dizer sempre que perguntavam de olhos arregalados : Como você pôde??? Eu não deixaria de jeito nenhum! Sua única filha! Por que vocês a querem tão longe ? Você não tem medo, não? Coitada! E o Miguel, não falou nada? E se acontecer alguma coisa com ela, como vai ser?
Foi muito difícil. Meu coração arrebentava e eu estava morta de medo.
Já tive meus dias de virar ninguém em São Paulo, entrar na dança, ser uma a mais na multidão. Tinha mais ou menos a idade dela, mas estava casada, tinha alguém com quem dividir os sustos e as filas de pré-estreia nos cinemas. Era um porto seguro e é ainda.
-"Mas ela vai morar com quem? Sozinha? Mas que absurdo" diziam, fazendo não com a cabeça.
É que aprendi em casa, desde novinha a cumprir promessas. Sempre foi assim e é desta forma que se adquire confiança e segurança. Prometeu, cumpra!
Quando mudamos para o Rio, ela com 9 anos, completamente sem amigos, nova, a estrangeira no colégio, com um sotaque particular, foi complicado para ela.
Deixou amizades sólidas em São Paulo; algumas duram até hoje!
Via sua tristeza, sentia com ela as dificuldades de ser ingrediente novo em uma massa de bolo: bata bem as claras em neve e junte devagar, delicadamente, até que a mistura fique homogênea.
Disse: - "filha, por enquanto você precisa viver onde vivemos, não há outra forma. Estude, aprenda, desenvolva suas habilidades naturais. Quando chegar a hora, se ainda quiser ir para São Paulo fazer faculdade, você vai.
E foi isso que ela fez. Ela cumpriu e eu tinha prometido.
Ela é a mesma que não desgrudava da minha perna, que estranhava todo mundo e só queria o meu colo, e que chorava de ficar roxinha, perdia o fôlego. Ela se fortaleceu, ora, desenvolveu-se.
Não, eu não a empurrei para longe de mim.
Eu a empurrei para perto de si mesma.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Qual é o nome dele?

Alvoroço!!!
Por volta das seis da manhã, uma hora antes do despertador, acordamos com um som muito especial. Toc, toc....toc, toc... toc...toc, toc. Alguém batendo? Quem está chamando?
Um dia, ao abrir a janela mais cedo, descobrimos. Um passarinho pousado no encosto da cadeira de jardim, segura uma semente com o bico e bate com ela na madeira até extrair a castanha. É lindo. Imaginei que o espetáculo fosse durar enquanto ele vivesse, mas outras espécies aprenderam e hoje se alternam na tarefa. Vários bicudos agem da mesma forma. As vezes é um bem-te-vi, as vezes um sabiá, mas o mais comum é um passarinhozinho branco com uma listra preta que vai do bico à ponta da asa, muito comum aqui no Rio. Já ouvi o nome dele algumas vezes mas não guardei. É muito bom ouvir e ver esta interação tão espontânea e criativa, os caprichos da natureza. Miguel e eu nos deliciamos observando, escondidos atrás da cortina do quarto. Não, não fotografei... E nem vou fotografar... Você bem que "podia" acreditar...
Ou então, na sua próxima visita, eu mostro!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Cinco ou seis sentidos

Ao ver, encare a verdade de frente. Olhe para sua imagem, seu reflexo no espelho e reflita sobre o bom e o bem. Amadureça com a franqueza das frutas e aceite o significado da passagem pelo tempo.
Ao ouvir, não se deixe levar pelos floreios, maneirismos de intérprete.
Escute, sinta o som, que flui e se espalha. Se não o puder recolher como uma concha, espere, os sons viajam e voltarão.
Cheire, para destilar e purificar sua bebida, inale profundamente; miríades de efervescência excitarão seu cérebro, que compreenderá que excessos eliminar e que sutilezas faltam naquele bouquet.
Saboreie, mastigue, processe os valores da fome. Apure o paladar para definir que detalhes refrescantes, apimentados, eróticos, calmantes, enfim, toda a percepção sensorial que puder obter dos alimentos.
Percorra a superfície das pessoas e das coisas como se fosse adivinhar um presente, entusiasme-se! Até mesmo o áspero e o rugoso têm sentido e razão próprios.
Perdoe as imperfeições de ser. Não há graça no igual, apenas no equivalente e no novo. Arrisque-se!
Voce já sabe que é da natureza alternar-se entre caça e predador.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Plantão

Ainda sonho com os horários e as noites dos plantões.
Acordo com susto, porque estou atrasada e em falta com o mundo.
Os plantões noturnos sempre foram um pesadelo para mim. Sinto um sono atávico, herdado do meu pai; as dez horas da noite estou dormindo e pronto. Acordo depois de uma meia hora e se for preciso, continuo, tropeçando até a manhã seguinte.
Saía de madrugada, mais ou menos as cinco e meia, depois da última leva de trabalho. Ia à pé até a padaria, em geral ainda com as portas semi-cerradas e o cheiro do pão no forno era inebriante.
Esperava por ali, sentindo o frio natural do sono e da cidade. Assim que abriam, entrava e pedia uma média e um pão na chapa. Era reconfortante, um auto-afago e vinha com a sensação de dever cumprido.
Depois ia para casa, sentindo o alheamento e o entorpecimento das noites mal dormidas, o corpo sujo e dolorido.
Chegava quando já começava a amanhecer; tomava um banho ritual, caprichado, de chuveiro.
Com o cabelo molhado envolto por uma toalha, ia até o quarto da Helena dar-lhe um beijo, um cheiro, uma mordiscada. E ela esticava os bracinhos, se espreguiçava e ainda não sabia do tamanho do mundo, nem da importância que teria em toda a minha vida.

domingo, 8 de novembro de 2009

A ideia e a joia

A ideia e a joia perderam muito de seu vigor e brilho, depois de abolirem seu acento agudo.
A idéia, de tão iluminada, era por si suficiente para se começar a criar. Aquela lâmpada acesa com raiozinhos das revistas em quadrinhos dizia tudo. Agora, coitada, é um aglomerado de vogais em meio a um acidente de percurso, pobre d.
Sei que ainda posso usar a idéia por uns anos. Mas este acento, coroava!
E a joia? Puro zircônio. Pedra falsa. Nunca mais terá tanto valor.
Algumas palavras nem sentem falta do tônus muscular do acento.
Mas estas duas, palavra, ficaram bem tristonhas.

Christopher

De cima do trampolim, na raia 4 da piscina, está pronto para se atirar e ser!
Seu nome, ao mesmo tempo estrangeiro e familiar, traz lembranças do tempo em que carreguei no colo e embalei, a criança linda que ele foi.
Atualmente, por morar longe demais para ser abraçado, posso acompanhá-lo pela internet, a ele e ao seu gato. Vejo com prazer fotografias dele postadas pelos amigos, que são muitos, sempre foram muitos.
O que vai ser agora? Um astro? Um diretor? Um ator?
Com o tempo, espero vê-lo em outras mídias.
Aqui comigo, eu o embalo nas cordoalhas do meu coração e o vejo florescer nos meus sonhos.
Vai, menino, ser doce na vida!

sábado, 7 de novembro de 2009

Apagão

As luzes do bairro se apagaram quando eu estava a dois quarteirões de casa. Acabei de chegar, já pensando onde teria colocado as velas; e antes de abrir o portão, chamei o cachorro para ele saber também pela voz, que somos amigos.
Quando saí de casa, ainda estava anoitecendo, mas depois de uma hora, era puro breu. Quando consegui colocar a chave na fechadura e abri a porta de entrada, fui tateando, procurando o móvel onde costumo guardar velas, clipes, tesourinhas, fósforos. Achei as velas e nada dos fósforos. Fui seguindo pelas paredes em direção à cozinha, arregalando e piscando os olhos, um pouco tonta e aturdida.
Chutei a perna da mesa da sala, (quem mudou a posição dessa mesa sem me avisar?), cheguei depressa demais ao pequeno corredor e entrei na cozinha onde o pote de água do gato passou na minha frente e molhou meu pé. Finalmente cheguei ao fogão, acendi uma das bocas no automático, vi as horas no relógio do micro ondas e morrendo de tédio fui buscar a lanterna que fica no criado mudo do Miguel. Com a lanterna, as duas velas e uma cerveja que escolhi na geladeira, voltei para a sala, para o meu canto do sofá e esperei. Aqui dentro, eu e o gato, no quintal o cachorro e o resto do mundo, na rua.
Um calor absurdo - sempre ocorrem apagões no verão porque, é lógico, todo mundo liga o ar condicionado ao mesmo tempo!
Sem croche, sem livro, sem rádio, sem TV, sem Internet, sem Miguel, sem Helena, fui ficando comigo, me engambelando como diria a mamãe e quando vi no relógio do vídeo que eram dez horas, resolvi ir para a cama. Apaguei as velas, fui com a lanterna para o quarto, tomei um indutor de sono e desanimada com o calor, tive a ideia de deixar o ventilador ligado, caso a luz voltasse enquanto eu dormia. Quando apertei o interruptor a máquina começou a soprar. Oba, a luz voltou. Pena que tomei meu remédio para dormir...
Mas, espere aí... como acendi a vela com o acendedor automático elétrico, quando cheguei em casa? E a luz da geladeira quando escolhi uma cerveja? E os relógios???
Pois é...a luz voltou logo que cheguei e eu não tinha percebido.
A solidão e a saudade, mesmo compartilhada com os bichos, me deixam sem energia.
Além disso, miolos cozidos ao calor não funcionam bem.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Vidinha

Olha, mamacita, eu já fui ingênua, não sou mais.
Sei um pouco de tudo: receita de bolo, bula de remédio, bola de palhaço; estudei pessoas e bichos.
Só não sei viver, que a vida foi passando enquanto eu lia e estudava.
Espero que eu tenha ainda mais uns 30 anos... Ensina-me a ser engraçada e leve; até hoje só aprendi a pesar e ser triste, sisuda.
Um dia acabo aprendendo a fazer o seu pudim de pão.
Um dia acabo aprendendo a fazer o seu tricot
Por enquanto deixa-me ficar a seu lado, que meu coração, de acelerado, tropeçou e tenho dores.

Aprendizado

Ganhou uma balinha e nunca tinha visto uma. Ficou segurando o embrulhinho bem apertado na mão direita. Quando mamãe chegou para buscá-la e abriu a mão melada, sorriu e levou-a para lavar. Deu-se conta de que a criança não conhecia a gulodice, foi até a cantina e comprou duas novas. Mostrou para a filha como desembrulhar e colocou a bala na boca. A menina repetiu o gesto. Enquanto caminhavam para casa, -"Olha mamãe, os gatinhos fazendo folia!" deixou cair a bala...
Abaixou-se para pegar, mas mamãe explicou que estava suja. Ela chorou um pouquinho e deixou-se levar pela mão e enxugava o choro com a outra.
Quanto aprendizado!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ninguém é de ferro

Sinto falta de quando vivia sem mim e não sentia falta. Acordava e ia. Vestia a roupa, saía no vento, eu não era importante. Ficava leve, os sons eram mais distantes e os prédios altos e cinzas olhavam pelas janelas, para mim. Às vezes flutuava a centímetros do passeio, tinha mais velocidade nas passadas, atravessei cidades pequenas que me acompanhavam pelas ruas.
Agora peso, cada passo faço um som de poça, não flutuo mais.
Soube que a densidade se incorpora aos poucos à alma, enquanto vai saindo dos ossos.
Depois de entreabrir minha blusa descubro que meu peito fareja o ar com a avidez dos famintos.
Hoje, comerei sem excessos, um pouco da cada vez e estarei satisfeita antes da noite. (Mesmo porque, reflito, a voracidade da noite é buraco negro.)
Agora como uma página de livro, mais tarde como um cheiro florido e por último vou comer um brigadeiro, que ninguém é de ferro.

domingo, 1 de novembro de 2009

Brigadeiro

Quem comeu meu brigadeiro? gritou a menina ao aparecer na porta da sala.
Não dá para guardar nada para depois nesta casa, droga!
Estava em cima da geladeira, perto do pinguim e do açucareiro!
Ninguém ouvia, parece. Dos 5 que estavam na sala, um mexia no dedão do pé, o outro via TV e as meninas montavam um quebra-cabeças enorme sobre a mesa de jantar.
Esta mesa só era utilizada em festas, que já não aconteciam ali, nestes tempos secos, de contenção e a mãe permitira já que, depois de montado, seria um lindo castelo e ela queria emoldurar.
A menina, emburrada, deixou o corpo cair sobre o sofá, ao lado do irmão. Sentia a garganta raspando e continha o choro.
Aprender a guardar. Como é difícil. Mas nada se compara ao prazer de lembrar que há um doce, um mimo esperando por você, um ou dois dias depois.
A menos, é claro, que a mão furtiva e adolescente que usa anéis prateados tenha transferido para a boca gulosa o achado delicioso.