domingo, 30 de dezembro de 2012

Parabéns!

Bom dia, querida! Feliz aniversário!
Vamos almoçar juntas? Jogar fora todas as conversas, rir das nossas bobagens, beber, comemorar?
Deixemos para trás as disputas, os delírios dos outros; que tudo seja amenidade e conforto.
Trouxe-lhe um presente, uma pequena lembrança, não vá reparar...
E um dia, daqui a algum tempo, quando encontrar esse mimo na gaveta e se lembrar de hoje, lembre-se também de que é muito amada e muito bem compreendida.
E que seja lá como for, cada dia que passa - mesmo os dias ruins, pesados - revela nuances do seu ser, e de sua bondade.
Minha boa amiga, minha grande amiga, que seu viver seja sempre pleno e abençoado.
E que viva muito e sempre bem!


sábado, 29 de dezembro de 2012

Projeto para 2013

Eu pretendo para o próximo ano, eliminar 365 inutilidades da minha vida. Tenho uma casa cheia de recordações, que são tão vagas lembranças... Então, será um passo de cada vez, um objeto por dia.
Ao mesmo tempo em que, ao ter a ideia, adorei a possibilidade de estar 365 vezes mais limpa em 2014, senti um pânico ao concluir que talvez não seja capaz.
Pode ser que não consiga eliminar algo todos os dias e certamente haverá momentos em que terei muito  para jogar fora...
Perguntas:
Vale jogar fora dois objetos em um mesmo dia para tentar ganhar tempo para os dias de maior avareza?
Seria prudente definir o tamanho mínimo do que deve ser descartado?
Se eliminar uma agulha oxidada e no dia seguinte um pedaço de linha de uma costura desfeita, estarei cumprindo meu ritual?
Garrafas de vinho degustado, latinhas de cerveja, isso conta?
Não, definitivamente, não!
Somente aquilo que já está guardado, escondido, deteriorado.
Sim, porque o que não usamos no dia a dia fica jogado às traças.
Não tem mais valor, a não ser aquele que estimamos por ter sido estrutura da construção de um tempo que não volta mais.
Pareço saudosista?
Eu sou. Se algumas estruturas são retiradas, se alguém sai da cadeia alimentar das relações e sentimentos, nada mais nos resta a não ser sentir tristeza por ter perdido; e seguir adiante.
Seguir adiante. É isso que um Ano Novo nos reserva.
Mesmo que a gente não consiga cumprir com todas as promessas.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Fim do engodo

Não, o mundo não pode acabar!
Tenho que comprar aquelas tulipas e enfeitar minha sala, desde o século passado.
Tenho empréstimos a receber, amizades a reatar, algumas contas...
Plantei um pé de limão e uma bela mangueira e não vou poder comer seus frutos?
Não, ainda não, é cedo demais para nós.
Por exemplo, amanhã mesmo tenho uma "mega" festa, como não comparecer?
Vou vestir meus saltos e entrar bem elegante em meu vestido decotado.
E as joias? E as minhas joias? Se ainda não as usei, com medo de perdê-las...
O mar! Preciso pisar na areia e ir até as ondas, as ondas... E pular cada uma com fé!
Ainda não publiquei meus livros. Há tantos desejos...
Preciso ver Roma, rever Paris, gastar em Nova Iorque, ganhar em Las Vegas...
Espere aí, não vá se acabar agora!
Deixe comigo, que eu decido meu fim.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

"Eu fica danada da vida!"



Esta é uma foto histórica. Uma das primeiras da Helena e a última de seu avô paterno.
Parece-me que ao mesmo tempo se reconhecem e se despedem.
Faz hoje 24 anos que Seu Estevão morreu. Imigrante da Hungria, veio de navio; e foi ricocheteando pelo Brasil até fixar residência em Barbacena e construir família. Era determinado, teimoso, fazia o que queria. O sotaque carregado - que ele tratou de policiar quando os filhos estavam na escola aprendendo português - para mim, que o conheci e aprendi a amar muitos anos depois, era uma diversão.
Ele lia o jornal de cabo a rabo e de tempos em tempos exclamava:
- Eu fica danada da vida!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Humanas


São amigos há mais de quinze anos. Companheiros. Adoram uma boa discussão; horas e horas entre a cruz e a caldeira. Os argumentos são apenas interrompidos, não há consenso. 
Segundo ela,  o prazer é discutir.
Bem, gosto não se discute e isso desde o século passado.
Eram adolescentes e se criaram - grandes descobertas, novos caminhos, direções distintas.
Quanto mais se separavam, mais amigos se tornaram.
Eram humanos, dos pés, às cabeças.
Um foi para o Jornalismo, a outra para a Comunicação. Tão perto e tão longe.
Porque se a base da estrutura acadêmica é a mesma, a postura profissional é distinta neles.
Um vai atrás, abre caminho, arranca a informação, mesmo que ferido.
Outra contesta, rebate, protege, e defende seu território, mesmo que hematoma.
Saudade de vê-los juntos.
A fala mansa, os gestos carinhosos...
Mas é só chegar perto para ver que acontece o maior embate filosófico.
Ainda que, daí a cinco minutos estejam prontos para dar um ruidoso mergulho.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Manhã preguiçosa


Terminei meu texto do nanowrimo - 50000 palavras em trinta dias - e decidi esperar para começar a revisar em primeiro de dezembro. Fiquei remanchando, até umas dez horas e, depois da caminhada, liguei o computador para saber as notícias, as fofocas e ler e-mails. Bem, desde ontem a CLARO tem se comportado de maneira errática e a banda larga... Já desisti de pelejar.
Enquanto instalava a rede VIVO, fui buscar um café - hoje não tinha pressa - e no caminho, ao passar pelo lavabo, ouvi a água escapando devagar e continuadamente pela privada. Levantei a tampa da caixa e mexi ligeiramente na bomba na tentativa de abaixá-la um pouco e interromper o vazamento.
Quebrei a haste da boia! Porcaria... Apertei aqui e ali, muito agitada, e sentia que minha pressão arterial subia aos píncaros. Agora, a água escoria livremente, abundantemente, uma grande hemorragia. A casa, a qualquer momento, estaria exangue. Finalmente apertei o parafuso certo e o fluxo foi interrompido; desde que eu mantivesse a pressão ali. Não podia sair do lugar. Situação estranha e tensa. Gritei:
- Dona Graça, por favor, me ajude aqui a segurar este parafuso ou feche o registro da água!
- Qual dos registros?
- Ok, aperte aqui para mim, que vou ver qual dos cinco é!
Lá de cima, eu gritava:
- Fechou?
- Não!
- E agora?
- Não!
- Fechou?
- Agora sim!
Ufa! Desci e liguei para o bombeiro, que só poderia vir às duas da tarde. Deixei combinado com ele e fui em busca dos reparos. 
O vendedor explicou que eu não precisava comprar tudo, bastava a peça que havia quebrado.
- Ah é?
Trouxe um conjunto completo (por via das dúvidas) e uma boia com a haste novinha, parafusos perfeitos.
Dona Graça e eu passamos por um trabalho de parto, mas conseguimos resolver. Tudo seco no lavabo da vida!
Liguei para o bombeiro, muito orgulhosa:
- Não precisa mais vir, já resolvi!
Achei ótimo!
E não é que esta manhã prometia ser modorrenta?

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Felicidade

Viagens. Planos. Passagens.
Eu vou, você vai, ele volta.
E tudo outra vez, só que ao contrário.
Em casa, meu sofá é confortável, minha cama.
Começa a anoitecer aqui. Lá é noite fechada.
Começa o verão, antípodas no inverno.
Domingo, jantaremos juntos.
No mesmo hemisfério,
Na mesma cidade,
Na mesma frequência.
Felicidade!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

E a água entrou pelos canos

Quando chegamos a casa estava em silêncio. Estranhamente o cachorro não apareceu para nos receber. Entramos com as malas e em seguida ouvimos a máquina de pressão de agua ser acionada.
O caseiro lavava as telhas e as paredes do corredor externo. Assustou-se quando o chamei:
- Esperava que fossem chegar à tardinha, disse.
Então contou do vazamento. O engenheiro tinha vindo fazer os reparos e o "mão-de-obra" terceirizado "esqueceu-se" de passar cola em uma das emendas dos canos de agua quente que estavam sendo substituídos. Toda a agua do boiler e toda a agua da caixa, vazou e inundou o quarto da Helena que fica bem abaixo das caixas d'agua. Um pampeiro!
O caseiro tinha removido com um balde  o máximo que conseguiu da agua do quarto da minha filha. Computador, teclado, cama, escrivaninha, televisão - tudo ensopado!
Quando o engenheiro veio resolver o problema com o "terceirizado" munido de cola, Miguel falou irritado:
- Se eu faço uma besteira dessas, o doente morre, viu?
Ainda bem que ninguém morreu. Mas estivemos bem perto de uma ataque apoplético!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Letras

Meu raciocínio não é lógico, dou pontos à revelia e quando faço uma grande vírgula, estou diante de algo complexo. 
Meu portanto é uma incógnita, minha linha, é linha dura. 
Não sei pensar linear, me perdoem. 
Sou zero à esquerda em estatísticas e a matemática me espanta.
Em bom português, prefiro as letras.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Dia das crianças


Dia das crianças... Todos os presentes do mundo para uma figurinha. 
Um gato, um sapato, o  salto alto toctocando...
Um celular, um jogo de química, uma velha e boa amizade.
Tudo misturado, resta o cheiro acre e o tom  marrom, que é mesmo  o fim da linha.
Sempre que se misturarem muitas cores acabaremos no marrom... Não é?
A figurinha dos meus sonhos, menina esperta e determinada, não brinca mais de química.
Mistura as pessoas, faz as contas, descarta o lixo e condecora com primor os heróis do dia! 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Escotomas


Escotomas cintilantes e moscas volantes. A manhã começou assim. Ainda sonolenta, achei que fosse um besouro. Tentei alcançá-lo, mas ele fugia soberbamente. Então compreendi e desisti de persegui-los. 
Desisti também de reparar nestes presságios: Uma dor de cabeça...
Tomei café, coloquei óculos escuros e saí para caminhar. 
Ignorei a desdita. 
Depois de uma hora cheguei em casa feliz  e tomei um banho quente. 
Enrolada na toalha, voltei ao quarto e reparei que, no chão, perto da janela, havia um besouro morto e de verdade. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Insônia


Dona Insônia bateu a minha porta na noite passada, quando ia me deitar. 
Vim atendê-la com reserva e respeito, nos conhecemos faz muito tempo.
Ela entrou na sala como se a casa fosse dela, conferiu meus objetos com um ar de mofa, depois se sentou no sofá sem ser convidada. Sentei-me também e aguardei. Ela acendeu um cigarro e pediu um cinzeiro. Saí à procura de um pires para ela depositar suas cinzas. Inspirei fundo o aroma do vício, antevia o sabor.
Perguntei se desejava beber alguma coisa e ela deu de ombros. 
- Cerveja?
- Uma taça de vinho?
Trouxe-lhe umas trufas deliciosas e um copo de Coca-Cola. Nem tocou.
Pensei em um chá de frutas, ela agradeceu e acendeu mais um cigarro.
Para que ela finalmente fosse embora, engoli um sonífero com o vinho que ela rejeitara.
Eram mais de três horas da manhã. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Caninos Brancos

Aos doze anos,  fiquei  doente e precisei passar uns quarenta dias em repouso "absoluto". Depois de decorar as rachaduras do teto, tratei de procurar alguma coisa melhor para fazer e descobri  uma estante cheia de livros no corredor da casa de meus pais.
Li José de Alencar e Machado de Assis  de cabo a rabo. Li as Mil e Uma Noites... Devorei tudo que havia para ser lido na pequena biblioteca.
Mas os clássicos estrangeiros, não havia ali.
Bem, semana passada decidi  ler Caninos Brancos, por indicação de minha irmã Berenice.
No primeiro capítulo, dois aventureiros transportam um caixão, em um ambiente hostil - neve e escuridão. Em torno deles uma alcateia faminta.
A matilha de cães que transporta a carga, peleja.
Um a um são devorados pelos lobos...
Que tristeza...
Hoje, quando voltava para casa, mais uma vez acompanhei o trajeto de uma tríade peculiar e familiar. No calor de 35 graus, um homem transporta  uma carroça cheia de papelões e jornais. Este é seu ofício. Juntar papelão. Ele empurra sua carga.
De cada lado da carroça está um cão vira-lata. Eles caminham conforme seu dono e estão felizes, em uma temperatura devastadora.
Melhor para eles, que para os cães do gelo.
Não são responsáveis pela carga, não tem predadores a sua volta, e com certeza seu dono os alimenta e lhes dá água.
Cães vira-latas podem ser muito felizes. Independente de terem raça, o que faz a diferença é o dono, o provedor.
Minha irmã Fernanda que o diga!

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Tempestade!


Se houver uma tempestade, acreditem: - Nada tenho a ver com isso!
Quando rezei, pedi uma chuva branda, para lavar as almas todas e limpar o ar.
Ao que tudo indica todos nós rezamos, portanto houve uma pletora de pedidos!
Bem, se tiver que ser, será!
Conformem-se!
Está armando o maior toró!
E que Deus salve a rainha!
E que Jesuzinho salve a todos nós, que habitamos e tememos!
Amém!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Subir!


Acordei com vontade de carregar nas tintas e me lambuzar na fuzarca das cores. Lembrei-me das abelhinhas que eram atraídas pelo cheiro de mel da cera que utilizava para misturar com tinta óleo; e que ficavam a minha volta, admiradoras por tabela do meu trabalho. 
Tenho uma panela muito velha, que usava  para derreter a cera de abelhas e que, em seguida, colocava em uma embalagem de sorvete - sim, aquela embalagem prosaica - e ali misturava com a terebintina para produzir uma pasta espessa e homogênea. Helena se lembra da panela e dos sons que ao misturar, criava.
Schilep, schilep, schilep!
Depois era agregar os tons e viajar na criação.
Muita energia, muita energia boa. 
Também exorcizava uns demônios.
Tanto tempo depois, a lembrança é deliciosa.
Mas não adianta ir contra a maré, minhas cores agora são escritas.
Assim é viver. Existe um eixo em toda escada helicoidal.
Só nos resta subir e ocasionalmente olhar para baixo. 
Ou, como um alpinista, para cima!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Ser pássaro

Um dia ser pássaro, voar e pousar  onde houver um ninho.
Que seja aconchegante, quente, protegido.
Que tenha um provedor para dar conforto e comida.
E, sobretudo que permita crescer rápidas penas sobre o corpo.
Para um dia ser como um pássaro.
Poder voar com a coragem que eles têm, e que lhes é peculiar.
Alçar voo. Enfrentar o voo e a possibilidade da queda.
Infinito aprendizado.
Infinita sabedoria.


Hóspedes

Quem ama sabe.
É muito difícil resistir a quem invade a vida da gente, se implanta e nos comove, se infiltra, abre caminho feito uma infecção e supura.
Depois é lidar com o transtorno, de querer sarar e não ser paciente, arrancar a casca da ferida muito cedo.
A solução é ficar firme, vestir uma armadura, não cair em armadilhas.
Pode soar meio falso imaginar-se enfiado em uma roupa de metal pesada e quente.
Mesmo assim, para lutar dependemos de defesa, para não ser ferido novamente.
Sem a couraça, toda luta gera mais ferimentos e muitos deles deixam cicatrizes para sempre.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Ielou


O Ielou, daqueles cinco cães, o mais velho, tinha sido presente do compadre de seu pai - os dois eram colegas de farra no tempo da juventude. Era uma mistura de rodesiano e dogue alemão; um filhote destemido. Assim que Arnaldo, meninote, o pegou no colo, recebeu uma lambida no focinho; quero dizer – no nariz.  
Desde então o animal andava sempre do lado, acompanhava o dono até o ponto da jardineira para a escola e sabia bem a hora de voltar lá e esperar seu retorno. Para o Arnaldo, por muito tempo pareceu que o cachorro de lá não saía, mas é claro que ia se divertir e chafurdar em outras paragens, aprendendo ele também em outra escola.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Aterrissar


Desfazer as malas.
Separar joio e trigo.
Lavar o pó da estrada.
Viajar nas lembranças; em cada recordação, uma extra-sístole.
Varrer a casa. Limpar a poeira. Abrir as janelas.
Deixar entrar o ar e outras paixões do vento. A brisa, o cheiro da estação.
Abater-se um pouco, bater-se um tanto, enxovalhar-se e reagir passando a ferro.
Depois é só exorcizar uns pesadelos.
E abrir-se para as novas viagens, desta vez, experimentais.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ah, o desejo!

Até mesmo o sol do Rio de Janeiro fez uma pausa, na eminência das viagens que parte da família faria, cada um para um lado, rumo aos seus próprios destinos.
Estou de volta ao meu canto e aos meus sonhos de sucesso... Quem sabe?
Todo mundo quer ser feliz, queremos arrasar e ter a alegria da missão cumprida.
Ou comprida? Minha missão parece ser eterna, nem mamãe acredita, mas eu devo ser eterna porque não compreendo de onde virá algum sucesso.
Talvez devesse voltar no tempo e descobrir se deixei passar alguma brecha significativa.
Talvez devesse esquecer, agora que tenho mais de cinquenta e perdi o lirismo que os estrógenos propiciam...
Mesmo assim, acreditem, sinto-me extremamente lírica, apenas estou madura e meus sonhos são mais realistas.
O que desejo está a milhas de distância do que é possível...
Paciência.
Desejar não realiza.
Desejar dá esperança!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pijama


Quando abriu os olhos e viu o teto manchado com as nódoas da última chuva, virou para o lado e quis adormecer outra vez. Mas o sono... O sono já se fora para fora do quarto, pela janela. Sem muita alternativa, a cama agora quente e amarfanhados os lençóis, levantou-se e foi até a sala atrás de... O que mesmo tinha ido buscar ali? Coçou a cabeça, prendeu o cabelo em um nó e foi lavar o rosto e se arrumar para a rotina do dia.
Uma pena precisar trocar o confortável pijama por sapatos de salto e batom...



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Azulzinho


Azul, azul, azul. 
Pequenas pinceladas de branco fosco meio esparramadas.
Nada se mexe, mistério...
Aqui e ali,  poças de água  refletem redentoras, o azul.
Os ipês amarelos começam a florir, algumas folhas no chão tornam-se castanhas.
Chapinhei numa poça, encantada em desvirtuar aquela plenitude.
Com os pés molhados e uma gota de inveja desejei ser também volúvel, mas eterna.
Só em nossas vidas tudo passa. 
Na natureza volta-se sempre ao início, repetem-se as cenas de tempos em tempos.
Por sermos passageiros, temos a necessidade visceral de deixar nosso legado para as próximas gerações.
Eu e minha natureza sonhadora escrevemos.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A viagem


Talvez eu volte com ela.
Vai ser bom viajar assim e ver a paisagem  familiar; conversar livremente, jogar a conversa pelas janelas, morrer de rir e fazer troça. Vamos recontar histórias e trocar alguns detalhes; relembrar das novelas que passamos juntas e mesmo os dramalhões da existência tão boa que temos tido.
Ela deve falar do amigo, aquele que era professor de pintura e já morreu.
Bom amigo, que lástima. E eu talvez diga mais uma vez, que mesmo assim valeu a pena, porque a emoção é soberana sobre o lugar-comum de ir vivendo atoa, sem um sentido e com o único destino inevitável.
Não, deve-se pagar o preço e ir buscar alento nas cidades novas, nos países desconhecidos e mesmo naqueles cantos onde se quer voltar. Devemos rever conhecidos e renovar amizades esquecidas nos jardins.
Talvez eu volte com eles desta vez.
Inusitada viagem de quem vai partir com quem vai voltar.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

As questões

Não é fácil, é apenas possível...
É complexo, quase uma armadilha.
O coração acelera e suspira na mesma batida. Baticum de saudade e pesar, da falta que se vai sentir, ao lado do baticum da novidade e da alegria do desafio.
Podem ser fugazes todas as coisas? Podem ser eternas todas as apostas?
Como subir os degraus? Devagar? Segurar "o" corrimão? Correr escada acima explodindo balões de gás?
Em que nível estamos, quando estamos bem? Quando é a hora de virar a página? Pode-se, como em um livro, voltar atrás, reler o texto e as entrelinhas, se divertir outra vez?
Questões... Dúvidas...
Entretanto não é como repartir um bolo, nem mesmo dividir um doce.
É trabalho para um Hércules, para alguém que tenha força, determinação e ousadia.
A maior tristeza é saber que não podemos voltar a ler o livro da nossa vida.
O que está feito está feito, já é história.
Tomara que sua história seja um romance com final feliz!


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pintassilgo


Quando estive em São Paulo, no começo do ano, depois de chegar exausta na casa da Beré, tomei um café da manhã reforçado e fui para a cama preparada de antemão pela  Juranir, que recomendou: - É melhor você dormir para estar pronta para a festa mais à noite.
Fazia sentido. Deitei com os olhos bem abertos, dormir não parecia provável, mas insisti.  
Um piado monótono e persistente chamou minha atenção e aí ficou bem difícil. 
É possível fechar os olhos, mas e os ouvidos? 
A há! Eu tenho um truque! Já comentei aqui que sou completamente surda de um ouvido; então basta deitar sobre o outro lado. Bom, para alguma coisa haveria de servir, certo?
Adormeci, esquecida do piado, de onde estava, de que dia era...
Já ia entardecendo quando fui despertada pelo canto mais bonito e eclético que jamais ouvira. Eram lindos trinados, sons rascantes, melodias inusitadas, um festival de sons! Estaria sonhando ainda?
Sentei-me na cama e prestei atenção, maravilhada.
Fui perguntar:
- Mas este passarinho que está cantando é aquele que piava de manhã? Que vitaminas dão para ele, indaguei pensando na Tata, minha irmã rouxinol..
Não era o mesmo. O filhote de curió que eu ouvi antes de adormecer, ainda não havia iniciado seu aprendizado básico. Mas escondido em outras ramagens estava meu cantor preferido: Um pintassilgo maduro.
Quero um desses para mim!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Os vira-latas

Todos somos vira-latas! Não somos?
Aqui por perto, muitos que caminham com seus cães de raça, mostram na pele, no cabelo, no corpo inteiro sua miscigenação.
Há o casal nipônico, ele mais arraigado que ela em suas raízes. É habitual cumprimentarem com um aceno mesmo que eu esteja a centímetros deles. Ele anda um metro na frente. Sempre. São adoráveis mestiços.
Uma inglesinha de cabelo crespo tem seu rhodesian ridgeback tão bonito e amável que dá gosto vê-los. Ainda vou comprar um... 
Já os vira-latas são doados...
Meu cão é um rottweiler com pedigree. Bonito, arrogante, poderoso. Mas dá um trabalho doído mantê-lo, contê-lo, amá-lo. É uma grande paixão em minha vida, mas ando preferindo os vira-latas;  já tive alguns gatos sem raça definida. São mais resistentes, mais fáceis de cuidar, como somos nós, os humanos comuns, uma sopa de letrinhas. 
Os vira-latas, quando filhotes, são um enigma: Que porte terá? E o pelo? Será crespo? Será longo? E esse alegre rabo enrolado? Que felicidade!
Nós também somos uma incógnita quando nascemos. Teremos o porte do pai? A pele da mãe? A inteligência do avô?
Não saber para que lado se inclinará tal pepino, e para onde irá depois de torto é nosso maior prazer ao ter bebês para criar.
Deixemos que a sábia natureza, tão capaz de misturar ingredientes e gerar rebentos sólidos, se mostre.
Ser vira-latas é tudo de bom!



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O que partiu


Quem serão estes seres tão semelhantes, mas  desconhecidos, aqueles que reconhecemos ao sonhar e que se esfumaçam  ao acordarmos... São tão familiares que até dói saber que só existem nas sombras.
As pessoas próximas que nos fazem lembrar aquelas que não mais existem nos dão alento para continuar e ir.
O riso frouxo, a saciedade conquistada devagar, o gesto típico.
Quando todos vão embora e nada resta, sobra o cheiro de alma no quarto e um papel de bala atrás da cortina.
Uma isca, acho. Para aquela sombra  vir, curiosa, destrinchar o perfume que ficou ali. E a gente na expectativa de uma fisgada. 
Seria mágico capturar de novo qualquer momento vívido, qualquer lembrança doce que vivenciamos.
Haveria conforto e alguma lágrima.
Vontade de partir também para encontrar o que já partiu...
Mas... E se não houver encontro?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Família Mineira


Quando amanheci, pensava com palavras conhecidas, mas de pouco uso recente. Depois desandei a falar com frases que saíam da minha boca por conta própria, onde estavam todas elas antes?
Compreendi! Estavam no subsolo da lembrança, no fundo da piscina onírica, no canto esquecido onde se guarda aquilo de que não conseguimos nos desfazer.
Meu acervo de palavras foi recuperado vivamente por uma família das Minas que passou conosco, aqui no Rio, uma semana de deliciosas conversas. Como são queridas com seu sotaque, suas reticências, e o balanço inconfundível do linguajar mineiro. 
Sinto que voltei  no tempo e estou caipira de novo, estou novinha em folha neste trem!
Existe aqui dentro e em toda a casa, a calmaria dos olhares alongados, tudo é devagar, mas para sempre.
Estou recuperada em minhas origens e cheia de diminutivos. 
Pode não ser muito bonito na escrita, mas no diálogo, na conversa atoa, é danado de bão!



segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Desacabar"

Ah, eu queria tanto, tanto, que tudo ficasse a esmo com as pétalas e as folhas, eu queria mesmo que o mundo se "desacabasse" e depois  seguisse em frente como a criatura que não se aqueceu para o inverno frio e úmido  e se ilude ao dizer que  é complemento do calor do dia neste sol que se vai para não voltar. Faz quanto tempo que digo, o mesmo tempo em que reconheço que estou apenas a começar mais uma vez e pronto.
Diga-se de passagem que meus olhos batem quando vejo passar o trem do tempo que se vai, que se vai, que se vai...

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Onde anda o formol???


Como patologista  nas horas vagas, preciso de formol. Só ele fixa perfeitamente as peças cirúrgicas; e a proporção é de  mais ou menos  três partes de formol para uma parte de tecido. 
Semana passada descobri que meu precioso líquido tinha acabado e eu precisava fixar um nódulo que foi extraído do Haus, meu cachorrão. Depois da cirurgia e com a peça nas mãos, pedi ao dono da clínica que me cedesse um bocado para eu acondicionar o tumor. Pela quantidade que ele me forneceu percebi que o material que ele manda para histopatológico deve estar frequentemente mal fixado...
Bom, paciência. Tratei de ir à farmácia para comprar aqueles frascos pequenos de formol, parecidos com os de água oxigenada que sempre encontrei em  situações de emergência.
Não achei. Procurei em muitas drogarias e pela internet... Nada.
Parece que não estão  mais comercializando em farmácias... 
Fui até a Casa do Médico, onde se encontram todos os tipos de material hospitalar - também precisava comprar compressas e ataduras para os curativos. Não vendem mais formol ali...
Culpa da escova progressiva... O produto é agora persona non grata, por acalentar vícios.
Conversando sobre o assunto com a Nanda, minha irmã, ela argumentou que foram retirados das farmácias todos os produtos que possam ser utilizados para promover vícios. 
Pensei - puxa, mas escova progressiva???
Concluímos a Nanda e eu que sim, a escova progressiva é um vício. E difícil de curar!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Calcanhar de Aquiles

Estava no corredor dos cereais quando ouvi o barulho de um carrinho do supermercado batendo em alguma coisa. Olhei e tinha sido um choque com um pobre calcanhar.
A dona dele, uma mulata cheia de carnes, vestido justo e sandálias, reclamou:
- Ai, isso dói, viu? - disse levantando o pé.
O senhor comentou se desculpando:
- Mas a senhora cruzou na minha frente...
A mulher colocou as mãos na cintura abriu bem os olhos e atacou :
- Desculpe, eu é que deveria ter dado seta!

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O cão e a ferida cirúrgica


O Haus foi operado ontem de um pequeno tumor no pescoço. O cirurgião fez um corte enorme, de uns dez centímetros, preocupado com a possibilidade de ser maligno. Enquanto o material segue para o anatomopatológico, estou aqui cuidando dele. Mas o curativo não fica no lugar. Ele sente o micropore na pele e começa a lamber e a coçar com a pata traseira... Um problema.  Ontem fiz uma antissepsia e coloquei uma faixa envolvendo o pescoço e a ferida cirúrgica. Não deu muito certo, em pouco tempo estava tudo amarfanhado, provavelmente por eu não ser muito caprichosa com faixas; vou enrolando de qualquer jeito. 
E cada vez que mexo com ele é um custo para ele "esquecer" do curativo. Como alternativa, cortei umas camisetas velhas e enfiei a pata em uma das mangas e a gola no pescoço. Ficou esquisito, nada elegante, mas pelo menos a ferida está protegida da terra, da chuva e dos infernais mosquitinhos. 
Bem, hoje, passado totalmente o efeito da anestesia ele está ali fora em seu tapete e posso vê-lo pelo menos em parte através dos vidros das janelas da sala. Enquanto trabalho em meus textos posso observá-lo de tempos em tempos. Agora mesmo, com o canto do olho percebi um movimento de lamber e já dei logo uma bronca: - Haus!
Ele levantou prontamente a cabeça e parecia dizer: - O quê?
Ficou um pouco quieto e depois lambia de novo. 
- Haus, não pode mexer! 
Vi que ele estava babando muito e concluí que deveria ser pelo gosto do antisséptico.
Fui lá conferir.
O coitado estava bebendo água!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O último


Estivemos assistindo ao Mundial Juvenil de Barcelona, durante este fim de semana.  Torcemos muito, pelos melhores, aqueles que se destacaram, e venceram. Depois pódio, medalhas, hino. 
Fiquei um tanto triste quando pensei nos últimos. Aqueles que são superatletas, estão na competição, mas são quase invisíveis. Aqueles que às vezes nem aparecem de relance na TV. 
Deve ser muito duro ser o último.
Mas para haver um primeiro lugar, não tem outro jeito. 
Alguém tem que perder.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Razão


Esfregava as mãos. Estava frio, mas era o estresse que manipulava seus dedos. Não tinha para onde ir; e a escadaria do fórum era grande demais, as portas muito imponentes, de mogno. No corredor ia e vinha e dissimulada, encostava um ombro ou outro na parede. Se pudesse ser invisível – ela quase era – talvez sofresse menos.
Muitas mulheres vistosas de terninho e escarpim circulavam com rapazes ou senhores formais ou austeros.
Por trás daquela cortina havia um entreato.
Na luta pela guarda da criança quem menos a queria era a genitora.
O filho recém-nascido foi cedido à senhora que por mãe se tomaria até que a outra, desregrada, fosse libertada.
Seriam os laços genéticos intensos o suficiente para que ele a descobrisse entre tantas outras mães? Entre juradas, advogadas e mulheres comuns que trabalhavam? Que utopia. O moleque não a reconheceu.
Quando se separaram muito cedo na vida dele, não havia amor confesso. Grávida, ela andava pelas ruas, num desatino de fome e pobreza.
Por ela era melhor não tê-lo.
Mas agora, em liberdade, aquelas mulheres de terninho insistiam com ela que deveria requerer a guarda que ela mesma não queria. Quase ninguém aceita que uma fêmea seja assim, desnaturada.
Do outro lado, uma galinha carijó defendia às bicadas, seu rebento adquirido.
A mãe biológica não se importava. Para o próprio filho e para ela, seria bem melhor que a outra tivesse razão.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Compotas


Há alguns anos, em uma de nossas viagens a Minas, fizemos uma pequena pausa perto de Barbacena, onde o Miguel encontrou um amigo dos tempos de ginásio. Enquanto eles conversavam circulei entre as prateleiras e desencantei potes de vidro com gostosas compotas. Achei tantas delícias que em pouco tempo a cesta pesava demais. Deixei encostada em um canto - queria ter a placa: “não é devolução" por perto - peguei outra cesta e recomecei, claro.
Doces compras no bagageiro, lá fomos nós estrada afora.
Distribuí algumas entre os amigos do Rio e comecei a degustar uma goiabada mole com  o queijo Canastra. Passei por todo aquele processo de abrir a lata, batidinhas aqui, uma ponta de faca, chave de fenda. Por fim abriu-se e minha boca se encheu de saliva só de sentir o cheiro bom.
Depois guardei o pote na geladeira para evitar as formigas que também gostam de doce e ferroam bem dolorido.
O pote já ia pelo meio quando tentei abrir e não conseguia. Intrigada, retomei todo o processo. Batidinhas, ponta de faca, água quente na tampa, água fervendo na tampa e depois mergulhei o pote todo, queimei as pontas dos dedos; e a tampa impassível.  Quis jogar no chão, mas não gosto dos cacos...
Esperei com impaciência a volta do Miguel do hospital. Ele tem mãos de ferro, parece incrível, mas consegue manter a mão fechada mesmo com a pressão máxima no manguito do aparelho; e como sempre conto com ele...
Assim que chegou entreguei o pote. Ele pegou e abriu como se fosse uma bobagem.
Ele é quem tinha fechado da última vez.




terça-feira, 10 de julho de 2012

Ordem, Seu lugar


Uma menina brinca com sua bola colorida, que rebate na parede e recebe de volta e vai declamando a sequência de eventos, sem pestanejar. Quando a bola cai, busca e em seguida recomeça.
No canto da sala uma boneca de olhos esgazeados mira sua dona com descaso. Está ali frouxamente largada desde a primavera. A poeira depositou-se sobre os cabelos de corda, e um pé está roto e desmanchado.
A menina nem olha para o brinquedo que ganhara de Viviane.
Combinaram de cuidar juntas do orfanato de bonecas, planejaram tudo. 
Então Viviane partiu. Disse:
- Vou-me embora para Florença, não vamos nos ver mais, adeus.
A menina sentiu bem fundo a tristeza de separar-se e de ser quem fica.
Viviane não vai voltar.
Um dia vai pegar a boneca e juntá-la às outras. Muitas bonecas reunidas, diferentes e iguais não são um orfanato?
Para ela, sim.
Mas para Viviane, este tempo de bonecas já passou. A família levou-a para longe. Por ela até ficaria... Agora, tão longe, nem em sonhos se recorda do compromisso que assumira.
A pequena pega a boneca no colo e a abraça, cantarolando. Ela perdoa Viviane que nunca soube que doía tanto, que nunca compreendeu o que é uma promessa.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Exagerada

O vinho era de Bordeaux, os petiscos generosos e com apresentação admirável.
Umas vinte pessoas dividiam a ampla sala repleta de tapetes e objetos de decoração riquíssimos e de procedências inusitadas.
A conversa era amena, todos os convidados se conheciam e se compartilhavam entre risos e comentários ruidosos.
Até que apareceu a peça rara, uma criatura excêntrica com adornos em todas as extremidades, inclusive um piercing no nariz, que me lembrou das argolas para contenção de bovinos que usávamos na faculdade.
Em sua exuberância, cheia de balangandãs, ela exagerou no Bordeaux e lá pelas tantas foi ao chão.
Havia um lindo cavalheiro  que a ajudou a levantar-se. Ela parecia preferir o porcelanato; todos os pequenos grupos interromperam suas conversas para olhar a cena, até que ela saiu manquitola e dramática em direção ao quarto.
Quando voltou, alguém se ofereceu para levá-la em casa. Ela foi.
E a festa continuou maravilhosa, como se nada tivesse ocorrido.
E não tinha mesmo.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Lixo

Que olhos gulosos tinha aquela mocinha!
Com uma vassoura e a pá, seus instrumentos de trabalho, perscrutava cada centímetro do piso da rodoviária. Estava tão ávida por detritos que achei por bem conferir se havia deixado a minha volta qualquer sinal de desmazelo. Nada havia, felizmente. Ela passou por mim, sem interesse e seguiu em direção a um copinho de plástico amassado, dois metros a minha frente. Com eficiência empurrou o lixo com a vassoura para dentro da bocarra da pá profissional, e seguiu adiante, os olhos salientes contrastando com seu discreto uniforme azul.
Continuei quieta encostada na parede, enquanto esperava meu ônibus, satisfeita de não ter cometido alguma falta grave.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A noiva


Está pronta! 
Vestido branco de rendas, véu diáfano; a grinalda é uma coroa de flores. 
O véu que lhe cobre o rosto pertenceu a sua mãe, única peça que restou da matriarca. 
Seus sapatos forrados de cetim tem salto baixo; todos os convidados sabem por quê. 
Olha para a palma da mão como se pudesse descobrir ali seu destino, depois fecha os olhos e balança levemente a cabeça, a desistir dos pensamentos sombrios que às vezes retornam. 
A marca de aliança no anular direito se insinua quando pega o buquê sobre o aparador. Confere uma última vez os dentes no espelho, estariam borrados de batom? 
Um suspiro. 
Então, decidida, abre a porta e segue em direção ao carro que a levará desta vez para a desconhecida travessia.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

DETRAN, uma trovoada no escuro

Achei que resolveria a parada rapidamente e fui, documentos em punho, concluir o licenciamento anual e a liberação do veículo. Na recepção dos carros, avisei que só estava ali para resolver aquelas pendências; um pneu careca e a placa descolorida. 
Afinal, todos os pneus tinham sido trocados e mandamos pintar os números conforme a orientação do rapaz que nos atendera no sábado.
Ela disse-me para seguir até o posto 15 e ir até a sala de atendimento. Bem, fiquei lá na fila atrás de três outros veículos e esperei com paciência minha vez:
- A senhora tem que ir ali - apontou para uma estrutura de madeira e muitas janelas - para a liberação do veículo.
- Mas basta conferir a placa e os pneus...
- Não, a senhora está com o carro agendado para a liberação nesta semana, lá na sala de atendimento.
Parei o carro no primeiro canto que encontrei e fui até a tal sala. Abri a porta e eram mais de cem pessoas conversando com evidente irritação, sentadas em filas de cadeiras ligadas umas as outras. Um cartaz avisava:
PEGUE A SENHA AQUI!
Não, não é possível... Deve haver um erro. Enfrentei a cara de maldade dos que estavam por perto aguardando e falei com a mocinha do guichê:
- Olha, só preciso que vejam minha placa e os pneus...
- A senhora precisa ir ao posto 31!
Peguei os papéis de volta e fui feliz de não ter que enfrentar aquela encrenca.
No posto 31, esperei novamente minha vez e o rapaz:
- Não, a senhora não pode pintar os números da placa, tem que pagar o DUDA.
 Arrepiei e cresci:
- O moço disse que podia pintar a placa, droga, e agora?
- Vou falar com a supervisora...
Depois de uns dez minutos a supervisora chegou e examinou tudo, checou o agendamento e foi taxativa:
- Estava certo, a senhora precisa voltar para a sala de atendimento para a liberação do veículo.
Respirei fundo e estoicamente voltei para o antro dos horrores.
Quase que as mesmas cem pessoas conversavam ferozmente; e eu fui de cabeça baixa pegar uma senha.
Confesso que senti na nuca olhares corrosivos do tipo - a há, e queria se safar hein, espertinha?
São três tipos de senha. A minha era a 82 de uma sequência que ia pelo número 41. Fiz um calculo rápido. Vai levar uma hora, posso esperar. Vou brincar um pouco na internet, ver meus e-mails... Bateria fraca... Nenhum livro na bolsa, nada para ler... 
Peguei meu caderno e anotava as feições e posturas dos colegas de infortúnio; um bom exercício...
Mas estava frio, muitos aparelhos de ar condicionado operavam na potência máxima. A fila de cadeiras balançava com sofrimento em função de pés inquietos, ou de pernas agitadas. Toda a fileira chacoalhava. Cada um que entrava ou saía da sala largava a porta que se fechava automaticamente com um ruído irritante: Splec!
O zum zum das pessoas se misturava ao barulho da tela que indicava a senha da vez: Plin plon!
À uma hora da tarde houve a troca de turno; os colegas de trabalho se abraçavam e conversavam depois de um longo fim de semana. 
Após umas três horas, estávamos na senha 61 da minha categoria.
Havia um falatório - Vamos processar o DETRAN, é um abuso, se todos aderirem ganhamos esta causa. Todo mundo concordava em silêncio com aquele advogado que chegara meia hora depois de mim.
Mas por algum milagre ou pela maior eficiência do turno da tarde, a fila andou mais depressa. Antes das três estava em frente à Liliane que checou os documentos e disse que precisava também do meu RG e da certidão de casamento.
-Ahn????
Os documentos do carro estão no nome do seu marido, ou ele vem ou a senhora trás estes documentos.
- E vou ficar mais quatro horas na fila?!
- Bom, se a senhora trouxer as cópias dos documentos até as 16 h, pode vir falar comigo... 
- Não vai dar tempo, pensei, não vai dar...
Saí bem depressa, a identidade eu tinha comigo, mas quem carrega a certidão de casamento de mais de trinta anos na bolsa??
Voltei pela praia, para evitar o trânsito e senti uma ambivalência digna de um bom neurótico.
A velocidade máxima é de 60 Km/h e eu tinha muito pouco tempo para atravessar doze quilômetros.
Tensa, fui dirigindo no limite e nem reparei o mar que se exibia para mim.
Voando, peguei a certidão em casa, tirei a Xerox no shopping e tratei de me esmerar nas acrobacias de trânsito típicas dos cariocas.
Cheguei!
Fui direto ao guichê: 
- Consegui!
Ela pediu que eu esperasse mais um pouco e uns quinze minutos e trinta buzinadas do quadro de senhas depois ouvi dizerem:
- Miguel Antônio!
Opa, é comigo.
Lépida, acompanhei o sujeito que conferiu todos os pneus que tilintavam de novos e disse:
- Não pode mais pintar a placa, não, tem que trocar, tem que pagar o Duda.
Engrossei de novo:
- O moço disse que podiaaa!
- Ok, mas agora não pode mais, tá?
- Tá!
Quando saí eram 16h10min. Mas saí com meu troféu e uma sensação incrível de felicidade!
Consegui honrar o meu dia e dar cabo de uma tarefa complexa!
Uma salva de palmas para mim!






sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cuidados paliativos

Tanatologia. 
Cuidados paliativos...
Precisamos todos! 
Dentro de cada indivíduo existe o medo do obscuro e do inevitável. 
Não vamos em direção à morte; é ela quem vem ao nosso encontro.  
Seria o susto maior, a expectativa ou a certeza? 
O que fazer agora que não mais podemos, se já fizemos tanto e sempre?
Ah, quimera, querer viver e ser mortal; ter trabalhado e  tornar-se incapaz.
Resta esperar que tudo seja leve para si e para os próximos.
Pode-se acalmar a dor, o desconforto... Mas há perdas; é uma perda.
Deixar-se ir rumo ao desconhecido, assemelha-se a deixar-se nascer...
De qualquer forma, não cabe a nós a decisão.
Mas, cabe a quem?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Bate-bate

Atualmente, voltou à moda um brinquedo que na adolescência enchia meu braço de equimoses.
O bate-bate ou teco-teco.
São duas bolinhas de acrílico presas por um barbante grosso. A mágica é conseguir bater as bolinhas acima e abaixo da mão. Inesquecíveis: os arroxeados no braço e o som cadenciado e agudo das duas bolinhas se chocando. Bate-bate-bate-bate-bate-bate. É preciso treino, resignação e persistência. Quanto melhor o artista, mais ritmado e uniforme é o som. Mas, o barulho gruda. Vou dormir e bate-bate-bate-bate. Venho para a sala escrever e bate-bate-bate-bate. Hoje capitulei:
- Diabo desse menino que não para de brincar com essas bolinhas aqui em frente de casa! Por que não vai bate-bater no ouvido da mãe dele?
Fui lá fora, abri o portão muito irritada e ninguém...
Bate-bate-bate-bate.
Enervada comentei sobre a praga com o Miguel. E ele:
- Que isso, é o passarinho!
Entramos em uma discussão cheia de asteriscos. Por fim ele me mostrou e me fez ouvir.
São os beija-flores!  Fizeram um ninho e estão em polvorosa com seus prováveis rebentos!
Eles são meus queridos, podem bater e rebater à vontade.  Faço muito gosto. A casa é deles.
Mesmo que eventualmente eu precise sair de fininho e ir escrever no silêncio do quarto.



terça-feira, 26 de junho de 2012

É noite ainda?

Eram oito horas e acordei com fome. Tudo estava escuro, parecia madrugada. Tentei voltar ao sono, mas pensava nas tarefas do dia; era minha hora. Saí da cama devagar e bem agasalhada, abri as cortinas. Chovia. Mesmo assim deixei  que o ar úmido entrasse e acordasse todos os pequeninos animais que nos habitam.
Ao passar um creme nas mãos, em meu lento processo de despertar, vislumbrei entre os dedos um ponto de luz que procurava se esconder de mim. 
E ele crescia.
Em poucos minutos, era uma bolota brilhante e iluminava inclusive o dia cinzento lá  fora.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Exposição

Gostaria que inventassem um "filtro solar" para os sentimentos e ações das pessoas com quem convivemos, aquelas que nos orbitam.  Algo que se pudesse passar sobre a pele, uma fina película; um líquido para o gargarejo, e gotas para pingar nos olhos e nos ouvidos.
Talvez fosse o bastante para amenizar o desconforto de ser observada continuadamente; coitadas das princesas, essas verdadeiras mártires da mídia e do diz-que-me-diz-que. Uma roupa repetida, uma nesga de perna que aparece, uma olheira mal disfarçada...
Bem, convenhamos, não tenho nada de realeza.
Mas sinceramente pretenderia passar despercebida até mesmo pelo meu cachorro, se isso fosse possível. 
E em imagem especular, a paródia: eu mesma tecer a rede de intrigas?  
Evito sempre que possível comentar sobre a vida alheia. 
Não passo adiante, mas me divirto a observar os viventes.
Todos são muito interessantes quando se quer ser um artesão das palavras.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um suspiro na rotina.

Olhe, vou viajar e voltarei na quinta.
Para o jantar de hoje, prepare o repolho, daquele jeito, assustado, com pedaços de maçã e cebolas. As casquinhas de siri, para acompanhar.
Amanhã, faça a sopa de ervilhas, bata em creme e refogue um peito de frango, parta em pedaços grandes e adicione à sopa.
Na quarta, faça o restante do repolho, dessa vez refogado e em lascas. Coloque batatas inglesas e uma boa porção de carne de sol.
Deixe as frutas picadas e acondicionadas dentro da geladeira, como sempre faz. Três porções por dia. E um café fresco.
Na quinta feira, quando chegar, retomaremos a rotina até a próxima viagem. 


sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Ana

Ana e eu passávamos muitas horas juntas.
Era em um casarão que servia de ateliê de pintura e onde tínhamos aulas com profissionais de muito gabarito. Eu ia pintar quase sempre e no dia de aula chegava antes do professor.
Um dia ele capitulou: Fez uma cópia da chave para mim; e quem quisesse pintar durante a semana ou mais cedo no dia da aula, saberia que eu estava lá. Os planos de cada aluno eram variáveis, mas eu tinha uma companhia infalível. A Ana! Cada uma em sua parede, pintávamos telas enormes e nossa comunhão pairava ali no ar carregado de cheiro de tintas e solventes.
Bons tempos!
Mas mudamos.
Eu de cidade e ela de país.
Eu de profissão e ela de perspectiva.
Se antes pintava telas enormes - em tecido preparado para pintar e esticado nas paredes com grampos ou pregos - que eventualmente eram enquadradas -  passou a pintar pequeno, com se olhasse lá das nuvens. É como se ela estivesse um tanto mais afastada das imagens que tem para compor seus quadros.
Lindos, coloridos, felizes!
Eu sei porque; e ela também sabe.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Saborosos

É muito curioso observar como funcionam os marcadores dos blogs.
Em geral, coloco palavras que estão no texto e que me parecem mais importantes. Não é assim que se faz?
Mas invariavelmente, duas postagens antigas estão sempre presentes nas estatísticas:
Receita de merengue - onde comento a experiência de fazer um merengue emocionalmente delicioso com a Helena;
e um texto que denominei: Peladinha.
Explico! Trata-se de uma viagem intelectual aos meus quadros (pois é, gosto de pintar) que dispensei no lixo em um mau momento. Entre eles havia um estudo de nú artístico,  daí o nome.
Alguém rapidamente carregou o quadro para casa e foi esta história que postei.
É claro que este título nada tem a ver com a busca:  "peladinha".
Desta forma, constato  que peladinha e merengue são meus textos mais...saborosos!


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Quer namorar comigo?

Ela é bonita, sacudida, muito alegre, o cabelo sempre curto e arrumado, cor de ferrugem. Vem cedo para o trabalho e cruza com os pedreiros do sobrado que está sendo construído na esquina. Disse-me que perde o passo, porque os rapazes ficam olhando para ela até lá na frente. Particularmente um deles, que a chama de querida. "Bom dia, querida!" Ela dá bom dia sorrindo e anda mais depressa. Sente o rosto afogueado, mas não transparece porque tem a pele morena.
Semana passada, assim que a viu ele perguntou:
- Minha linda, quer namorar comigo?
Ela olhou para ele sem graça, reparou bem naquela boca com só quatro dentes de um lado, segurou firme a bolsa e tropeçou na calçada antes de responder:
- Eu não!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Dia dos namorados

Neste dia dos namorados, além das flores e chocolates, quero compartilhar com os amigos o meu ser feliz de todo dia. Aquele arranjo ideal de amizade e persistência em um objetivo comum.
Faz muita diferença viver o arroz com feijão depois de ter escolhido, lavado e cozinhado esses grãos. Também é importante transformar a batata quente em purê e o doce de leite que sobrou em recheio de bem-casado.
E usar todos os segredos para criar um mistério que deve existir sempre, porque a surpresa alimenta o amor.
E cá entre nós, nada como um casal bem alimentado.
Sem excessos, claro!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Estrelas matutinas

Vênus transita em frente ao sol e sua sombra se mostra aos mortais, viúva negra e sólida; ponto de partida: hoje, e ponto de chegada: 2117.
Porque Vênus transita e se mostra envolta em brumas, eu a exploro dentro dos meus próprios mistérios, mas não tenho a majestade da rainha Elisabeth, que ao quedar-se firme por quase quatro horas a ver navios, ainda sorria.
Ao compartilhar essas femininas personas lembro-me também da Márcia que faz aniversário e segue seu curso como o Rio que se entrega ao mar.
Vejo da minha janela que um cobertor de algodão cinzento cobriu o céu, mas graças à tecnologia poderei assistir a Vênus pela TV, assim como vi a rainha em seu jubileu de diamante e pude saber que é  hoje o aniversário da amiga!
Parabéns a todas as estrelas matutinas que pude ver passar.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

"Ausência de presença"

A manta do sofá guardava ainda a forma do corpo dela, hoje pela manhã. Pude vê-la aqui ao meu lado, a descansar sobre as almofadas e, muito moderna e encantada ler Machado em seu Kindle,
Peguei a coberta e desfiz a ilusão. Com uma chacoalhada pulverizei sua presença por toda a sala.
Micro bolhas multicoloridas pairaram no ar e depois se assentaram sobre os móveis, as frestas, as persianas...
Algumas eu fiz explodir com um toque, ao saborear um brigadeiro, tomar um Nespresso, ou caminhar na praia.
O dia está lindo, mais uma vez.
E sei que as microbolhas de presença que se espalharam por aqui vão nutrir meu cotidiano até a próxima vez.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pré-escola

Em minha última visita ao mercado de frutas, assisti a uma cena que me deixou saudosa dos tempos em que era adolescente e ajudava a Clara nas aulas para o pré-primário na escola Rui Barbosa.
No mercado, umas 15 crianças ouviam com atenção à descrição das frutas e suas propriedades, pela professora:
- Quem sabe o que é esta fruta?
Várias vozes magrinhas e agitadas tentavam dizer em uníssono: Coco, coco! É um coco!
- Isso mesmo é um coco. Este está seco e este está verde. Quem sabe o que tem dentro dele? Ela disse elevando a mão com o espécime verde.
Silêncio, entreolhares e um deles grita levantando a mão:
- Água de coco! E os outros repetem como cara de: "É mesmo!" - Água de coco!
E a professora: - Esta fruta é muito rica em vitamina C.
- E como se chama esta fruta?
Gritinhos histéricos: Tamarindo! É tamarindo! Alguns fizeram cara de azedo, outros nunca tinham visto aquilo.
Continuaram assim por um tempo, descobrindo os prazeres e as funções das frutas.
 Há quarenta anos, experimentávamos o azedo e o cítrico antes de aprender o nome. As crianças aprendiam a ler nas cartilhas e a escrever em cadernos de caligrafia. Ouviam histórias que a professora lia a partir de um livro.
Agora, com tantas informações vindas de toda a parte, televisão, computador, viagens internacionais, celulares,  é bom mesmo que se agilize o aprendizado e que se exponham as crianças ao máximo.
Haverá um tempo em que se aprenderá a ler e a escrever pelo ultrassom, ainda dentro do útero.
Talvez eu ainda veja este avanço... Ou não.

domingo, 27 de maio de 2012

Para Samia

Vinte e sete de maio de dois mil e doze.
Dia abençoado por Deus: um céu azul magnífico, temperatura agradável e a antecipação da felicidade nos olhos e na postura de minha mais doce amiga.
É ela que me acalma com um sorriso bem aberto e repleto de uma serena empolgação.
Tem o porte e a elegância de princesa, daquelas mesmo que admiramos nos contos de fada; aquela que sonhamos ser.
Já a vi chorar, mas jamais levantar a voz, que tem por fortuna ser ponderada e discreta.
Mas a paixão aflora aos seus olhos quando fala do seu querido, seu grande amor; aquele que no princípio era  um amigo, um companheiro de aventuras.
A maturidade dessa paixão tornou os dois mais fortes, os laços que se criaram transparecem quando estão juntos; estão radiantes.
É este o instante mágico de unir forças e montar um castelo de verdade.
Que o seu príncipe de olhar travesso e sorriso sedutor a faça muito feliz e seja também feliz.
Como somos Miguel e eu, como quer o criador; e para sempre.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Faltam 3 dias

Não entendo... não sei porque acontece...
Basta resolver cortar o cabelo para ele amanhecer tão lindo que dá até dó mandar passar a tesoura. Mas vou em frente.
Pensando bem, será que existe alguma fada-madrinha de cabelos bem curtos?
Porque é isso que quero ser, para isso estou cuidando da pele, das mãos, dos cabelos.
Vestido novo muito chique, sem babados ou  laços espalhafatosos ou decotes tridimensionais... Não, prefiro ser madrinha de cor vinho, roupa bem comportada, maquiagem discreta e muita empolgação. Às vezes até parece que a noiva sou eu! Que emocionante!
Espero que sejam muito felizes.
Eu sou!

terça-feira, 22 de maio de 2012

A diagramação da vida

Olha menina, as voltas que o mundo dá...
Quando queremos muito, pode até demorar, mas tem que acontecer. Não vale desistir.
Há o livre arbítrio, sabe? Essa é a diferença entre nós e os animais.  E acontecer tem a ver com o querer genuíno, com o impulso para a frente, a garra de buscar a vitória.
Às vezes retroceder pode ser a forma mais saudável de ir adiante, tomar distância para o salto twist, e cair na água pronta para competir!
Lute, vá atrás, busque alternativas saudáveis, multiplique-se e apareça em negrito na diagramação da vida.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Recordar

Esta noite, sonhei com você. Estava apaixonada pelo seu irmão, imagina, com aquele frisson dos primeiros encontros. E o cenário eram as escadas da faculdade. Ele não falava uma única palavra em Português. Chegara da Alemanha, direto para o  meu repertório.
Ao acordar, lembrei com saudades  do tempo da gente, quando estudávamos juntas e discutíamos tudo. Ambas muito brancas e com a indignação à flor da pele, bastava uma voz mais alta, um pequeno deslize de boas maneiras; e nossa pele, nossos rostos se transmutavam em lacre. A postura também era de briga e de desafio. Mas se não estivéssemos em pé de guerra, éramos doces, até urbanas, até sociáveis.
Quando desisti e lhe disse você duvidou.
- Mas você tem certeza?
Eu tinha. Precisava de outros universos, a cabeça bagunçada demais com a dureza da nossa profissão.
Segui em frente, você também.
Mas de tempos em tempos ainda sonho.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Recém-nascida

A brincadeira era assim: 
Ela no meu colo e a gente conversava. Então ela tinha uma ideia. Escorregava devagar, de cabeça para baixo, entre as minhas pernas e eu a segurava firme; via o chão muito próximo daquela adorada cabecinha cheia de cachos ao contrário. Ela dizia:
- Vai nascer...
- Vai nascer...
Não sei qual era o raciocínio.  Por que ela escolhia um ou outro bicho; aquele animal, naquela hora. Nunca soube. É provável que ela também não saiba.
O fato é que saía de mim um cavalinho, ou um gatinho, ou um cachorrinho, um urso...às vezes até pintinho nascia.
Depois que ela contava quem ia chegar, soltava-se e eu a segurava ainda mais firme para que deslizasse em segurança até o tapete da sala. Não havia choro, ela apenas fingia ter recém nascido.
Dai era pegar meu bebezinho no colo e fazer de conta: que lambia, que mordiscava, que afagava, dentro do  abraço curioso e  apaixonado com que as mães brindam seus filhotes.
E assim ela foi crescendo, eu também, em meio aos bichos recém chegados.
Naqueles tempos não sabia ainda que reviver a emoção do nascimento e dar continuidade às várias espécies, nos tornava  mais humanas, mais sensíveis e infinitamente mais próximas.

domingo, 13 de maio de 2012

O chamado dos filhos em todas as idades!

maaaaaa....maaaaa.... maaaaa........maaaaaa.
mamamamamamamamama...
mamã...mamã.....mamã....
mamãe? mamãe?
maãããããe!? mããããããe!?
mãe!
MÃE!!!
mama!
mami!!!
vovó!
mamãe? mãe?
mãezinhaaaa...
mamãe?

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Cobre

Canos de cobre. O que era ótimo há 15 anos é imprestável agora- zinabre. Gosto daquela cor esverdeada misturada ao que restou do tom dourado do cobre. Mas ao toque, o cano é uma palha seca, se desfaz. Os canos de cobre, projetados para suportarem as altas temperaturas e pressão de um boiler, choram coitados, água fervente. Toca a chamar o bombeiro. Minha água "quebrou", como disse certa vez uma americana nostálgica falando do próprio parto. Eles vieram e em altos brados se comunicam- um no telhado, o outro na sacada.
Caramba. Deixa estar. Vou ficar quieta aqui enquanto aguardo o desenlace.
Este é o menor dos problemas que tenho hoje.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Desviver

Então... a gente confia quando precisa. Seja de apoio, de companheiro, de alguém que nos dê alento... Até para distrair enquanto a vida passa meio sem graça e sem parentela.
É, porque às vezes a vida vai levando a gente de um jeito bruto, meio erma, assim num deixar estar desiludido demais. O jeito é buscar nos outros, naqueles que não se conhece, mas que fazem viver se tornar engraçado, ou ridículo. No meio das risadas, criando fantasias, parece que passa mais leve este estado das coisas, este fim de mundo que é envelhecer sozinho, este fim da picada que é estar não estando, viver, desvivendo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Maratona doméstica

Minha empregada saiu em férias e neste mês vou cuidar de tudo no lugar dela.
Sinto falta dos mimos - um café fresquinho, uma limonada de surpresa -  e da conversa frouxa, leve, cotidiana.
Levantei, catei o ânimo que estava escondido sob a cama e lá fui eu, vassoura em punho, pano de limpeza, lustra-móveis e pinho sol.
Esfreguei cada cantinho, varri e organizei os objetos que batem pernas durante o fim de semana. Quando terminei a sala, pingando de suor e com a frequência acelerada,  parti, satisfeita, para a próxima etapa: os quartos e os banheiros.
Limpei a preguiça que não fazia a menor questão de sair do lavabo, e detonei com a cigarra que queria cantar para sempre  sobre o criado mudo.
Prendi o cabelo com grampos, agradei o cachorro com um petisco e voltei à lida.
Subir as escadas e começar tudo outra vez, no segundo andar.
E eu que já havia esquecido que temos uma casa linda, iluminada e ... enorme!

domingo, 6 de maio de 2012

Satélite

Ah, a lua... Quanta majestade!
Era tarde quando saímos, dentro da rotina das nossas noites de sábado.
Claridade, céu límpido com muitas estrelas, e a lua, se derramando para nós!
"Vejam-me", ela parecia dizer, tão  plena e próxima, que só mesmo abrindo a boca numa interjeição aguda, para deixar sair a emoção de observá-la.
Então seguimos nossos planos e uma hora depois o céu estava encoberto, e nada de estrelas. Mas a lua, ah a lua, ainda expandia sua luz por trás das nuvens, e vinha iluminar meu jardim, meus amores; e minha vida.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Bico de lacre

Um passarinho, de bico de lacre e penacho vermelho, voou sobre as flores da entrada aqui de casa... E como  era lindo! Uma rosa que se abriu para ele beijá-la, logo depois quedou-se sem vergonha de se mostrar satisfeita e amortecida. O pássaro, para não dizer que sumiu, foi-se pelos ares a caminho de outras flores menos saciadas. E eu assistindo a tudo,  como a um pesadelo, tratei de honrar meu criador. Deitei-me sobre as flores de pátina do meu criado-mudo e adormeci.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

racismo

O imaginário dela contaminou os presentes...
Sim, porque basta um comentário vil para o vírus se espalhar, num malfadado perdigoto. Em pouco tempo grassa uma epidemia de acusações e toda a gente colabora com o palavrório depreciativo.  
Há urgência no tratamento, é preciso interromper o processo maligno. Então, muitos são presos, outros exorcizados; ninguém flagrado sai impune. Alguns, na maciota calam o bico e se fazem passar por inocentes. Mas cá entre nós, somos todos culpados. Somos um ambiente propício para o desenvolvimento desse micro-organismo que a cada passagem se fortalece, cresce e se espalha  em escala exponencial. O que fazer? Tomar vacinas? Não existem vacinas. Para este mal, que sofremos e propagamos,  também não há imunidade, nem tolerância.
A discriminação é um mal humano, pior que a peste, pior que o câncer.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Uma senhora vitalidade!

O sorriso era amplo, rasgado e deixava antever um tanto de gengiva rósea e saudável.
O cabelo era muito liso, quase todo branco na altura dos ombros, e sempre foi assim, corte chanel rente à nuca.
Usava uns grampos simples para manter o cabelo arrumadinho.
Era muito baixa, pequeniníssima. Andava por toda a cidade, em um passo miúdo mas constante. Fazia um cafuné como ninguém e, ai que delícia, catava piolhos imaginários que trucidava com as unhas do polegar: tec, tec. Era de dormir e sonhar. Seu colo era magro e ela cheirava a roupas esquecidas no fundo das gavetas.
Certa vez, em visita lá em casa, fez um comentário muito definitivo:
- Patrícia, você está com muita saúde, não é? Suas gengivas estão bem cor de rosa!
Era sua forma de avaliar a vitalidade das pessoas.
E eu herdei dela: a forma de avaliar e as gengivas rosas!

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O corpo

Depois de umas semanas de céu azul, a gente se esquece que o dia pode amanhecer cinza-chumbo. Era uma manhã assim. Lá estava o corpo boiando - preto no azul-piscina.
Os três faziam a ronda durante a noite pelo extenso jardim, pelo campo de futebol ao lado, em torno da piscina. Pela janela era possível vê-los trabalhando,compenetrados em seus afazeres de guardas: cheirar; ouvir, latir.
As duas damas, mãe e filha inseparáveis, deram o alarme.
Da casa não ouviram. Talvez pensassem que se tratava de algum gambá, um gato...
Enquanto retiravam o corpo, pude ver, pesarosa, o pelo lustroso, encharcado, e os sinais de afogamento por exaustão.
Qualquer um que caísse ali e tivesse quatro patas não sobreviveria. Ele deve ter nadado muitas horas. Não era cachorro de se entregar assim por pouca coisa.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Espinho

Subiu na bicicleta e começou a pedalar. Um ruído estranho, arranhado, de lata tornou o passeio impossível. Viu que o pneu traseiro estava murcho. Ficou muito triste.
- Pai, estraguei a bicicleta! Estou muito pesada para ela.
Já estava na fase de usar somente uma rodinha auxiliar.
Então o pai explicou:
- Acontece mesmo com todas as bicicletas. É preciso chamar um - como poderia dizer - consertador de bicicletas que vai trocar a câmara, uma espécie de boia que fica dentro do pneu.
Sua infelicidade era palpável em torno dela.
Por que sentia, lá no fundo que destruía o que mais amava.
O consertador trocou a câmara e disse assim:
- Era um espinho, agora está tudo bem.
Pedalou um pouco na garagem, mais calma e conformada. Não era uma rosa.
Já era o momento de tirar a segunda rodinha.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cavalo velho!

Caminhava pelo calçadão da avenida e vi a minha frente um homem-totem de quase dois metros que andava a passos largos. Na medida em que me aproximava reparei em seu cabelo aparado bem rente à nuca, branco como o boné que usava junto com a camiseta azul folgada, a bermuda preta logo abaixo dos joelhos e bons tênis... Foi quando vi as panturrilhas! Os músculos saltavam sob a pele levemente bronzeada, eram músculos de verdade.
Passei por ele sem muito esforço e segui em frente. Alguns minutos depois ouvi um trotar ligeiro e firme  atrás de mim. Era ele! Corria com leveza, a respiração compassada e lá se foi o septuagenário fazendo história. Via apenas uma mancha azulada tremulando, quando ele dobrou a esquina em direção à praia.
- Ele deve ter sido atleta a vida toda - pensei, me conformando.
Dobrei a esquina também e de novo passei por ele. Estava parado e conversava com uma moça de uns 40 anos, que meio sem graça, desviava o olhar. Ele segurava com a manopla esquerda o antebraço direito dela, logo acima do cotovelo e a puxava para si. Falava enquanto sorria mostrando as gengivas rosadas em um "Fleming" libidinoso.
Do calçadão da praia pude vê-lo novamente trotando na ciclovia.
Ele olhava para algum ponto a sua frente, longe, muito longe.


sábado, 21 de abril de 2012

Conversa com o tempo

Oi, tempo, como vai? Como vão a tempestade, a chuva branda e a ventania?
Eu ando saudosa, pode trazer a felicidade de papel passado que combinamos?
E os documentos que acertamos, assinamos e reconhecemos? Não é  por ser passado, que não quero vê- los... Afinal são meus...
Sua memória está falhando, eu bem sei, mas pode relembrar às vezes os melhores dias e repeti-los?  Passar o filme da boa lembrança, aquele em que todos em casa se emocionaram?
Vivenciei minhas experiências todas com vontade e zelo, e quero revê-las. Algumas, deixe estar. Sabe ao que me refiro. Mas muitas vão ser um alento para continuar.
Bom, ainda não tive o privilégio da plástica, mas nas velhas fotografias vejo uma promessa que não se cumpriu em mim ainda.
 E hoje, estou amassada, não dormi bem a noite.
Você, pelo jeito que me trata, pela beleza em que amanheceu, dormiu, fartou-se de sono.
Teria sonhado?
Ah, conte-me! Adoro seus sonhos. Quero sonhá-los também.

domingo, 8 de abril de 2012

Uma rota abençoada

Que sorte, menina, você estar em Paris. Se o tempo estiver bom, visite a querida Champs e traga histórias frescas com manjericão.
Faz tempo que deixei de desejar Paris, quem sabe se  assim, esnobando, se fizer pouco caso, consiga vê-la novamente, minha cidade de luzes.

Tudo tem seu ciclo que não se repete mas alcança uma escala alguns metros acima do ciclo anterior. Nessa escada em ascensão, olhe para baixo e veja quantas vezes já esteve neste mesmo meridiano.
Paris será sempre nova e College também; até Uberaba terá outros momentos inesquecíveis.
É hora de retomar uma rotina, aquela que diferencia viver e estar vivendo.
Um deck espera por você e seus meninos também.
Mãos a obra, que logo tem mais viagens.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Palavra

As palavras, eu as vejo por toda parte. Cada pessoa é muitas centenas delas às vezes empilhadinhas com primor, outras como uma montanha de lixo. É preciso garimpar nessas bibliotecas o que há de mais recôndito; quantos tesouros.  Trabalho com frases inteiras desconexas, nem a dona delas sabe que as  têm. Vou desfiando o tecido, enrolo em novelinhos e está tudo pronto para recomeçar a contar histórias.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Clarice e Virgínia

A Clarice e a Virginia moram em casa comigo.
Vamos juntas à cozinha e  conversamos um pouco antes de dormir.
 Lá no jardim também nos divertimos, entendem tanto das flores!
Minha mesinha ao lado tem uma pilha sortida, mas a  Virginia e a Clarice nunca faltam.
Nós três temos tanto assunto e eu, como sou mais a mais nova, escuto mais que converso.
E assim  vou aprendendo,  com muita delicadeza a espalhar perolazinhas pelos textos, e a transformar em joias as transgressões do tempo.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Retinas

Retina é uma membrana interna do olho, repleta de células sensíveis à luz, que captam os sinais visuais. Tem um amarfanhado de vasinhos, por isso o nome. Etimologicamente retina vem de rede..
Para mim, retina tem um sentido mais visceral. Uma garota muito íntima tem suas membranas de enxergar um tanto voluntariosas e às vezes é preciso costurá-las delicadamente como a uma renda, como nesgas de renda.
São sensíveis demais essas duas pequeninas redes de rever. Mas olham a vida com tanto capricho e entusiasmo e são tão bem cuidadas que parecem poder ver além da humanidade. Bem lá no fundo daqueles olhos, como duas sereiazinhas tiradas de contos de fadas, elas tem histórias para contar. E também cantam. E enfeitiçam.
Muito cuidado com elas.